Como interpretar o resultado da audiometria – parte 2

Bom, pessoas, continuando o post de ontem, sobre audiometrias, como o Raul prometeu, segue um texto sobre o Implante Coclear, que é, atualmente, a melhor maneira de resolver os problemas da deficiência auditiva de graus severo e profundo. Embora essa técnica não possa ser considerada a CURA da surdez, consegue trazer ao luz do som (isso existe?) aqueles que foram condenados ao silêncio pela natureza.

Raul fez a gentileza de explicar o que é o Implante Coclear e quais os benefícios dele. Então, fala Raul:

Introdução por Lak Lobato

Agora vamos interpretar uma audiometria com o implante e comparar com a audiometria com aparelho.

Observarão uma diferença enorme. Primeiro, vou definir o que é um implante coclear:

ic11

O implante coclear é um dispositivo eletrônico de alta tecnologia, também conhecido como ouvido biônico, que estimula eletricamente as fibras nervosas remanescentes, permitindo a transmissão do sinal elétrico para o nervo auditivo, afim de ser decodificado pelo córtex cerebral.

O funcionamento do implante coclear difere do Aparelho de Amplificação Sonora Individual (AASI). O AASI amplifica o som e o implante coclear fornece impulsos elétricos para estimulação das fibras neurais remanescentes em diferentes regiões da cóclea, possibilitando ao usuário, a capacidade de perceber o som.

Atualmente existem no mundo, mais de 60.000 usuários de implante coclear.

Fonte: implantecoclear.com.br

Como já vimos pela minha audiometria, eu não tinha ganho com o aparelho. O ganho quer dizer se você consegue discriminar com o aparelho. Discriminar é diferente de ouvir. Ouvir um som é uma coisa e interpretá-lo é outra. Para ser candidato ao implante coclear é necessário ser portador de deficiência auditiva severa a profunda, não tendo ganho com o AASI. Daí, eu sendo surdo profundo e sem ganho, era candidato potencial ao IC e fui implantado.

audio_implante_cortada

Podem observar que o traçado azul oscila entre 25-30dB até a frequência de 8000hz! Olha a diferença! E que baita diferença! Assim, eu consigo ouvir claramente os fonemas, ou seja, tenho capacidade de ouvir a voz humana sem perda alguma ! A minha audiometria se assemelha ao surdo de perda LEVE!

Porém, como já sou adulto e viciado em leitura labial, eu raramente presto atenção no som quando falam comigo, daí acabo não aproveitando os benefícios que o IC me oferece. Mas muita coisa mudou – a voz melhorou, ficou mais rítmica, a entonação melhorou e discrimino bastante coisas. O que me impressionou muito na época de descobrimentos de sons novos, foi poder ouvir o apito de um juiz em uma partida de futebol.

Tive o prazer de ver crianças que foram implantadas com 1-2 anos de idade e hoje com 6, 7 anos de idade, falando e ouvindo normalmente. É uma coisa impressionante e senti uma inveja saudável de não ter sido contemporâneo a elas. Obviamente, não basta implantar e esperar os resultados sentado no sofá. Elas passaram pelo mesmo que eu passei – fizeram fono, foram bem trabalhadas auditivamente. Mas o ritmo de aprendizado deles é bem mais acelerado que o ritmo de aprendizado de uma criança surda profunda com AASI. Para ter uma ideia, geralmente as crianças de perda profunda com AASI têm alta na fono na faixa dos 10-11 anos de idade. Alguns ficam na fono até adultos…No caso dos surdos implantados, eles já poderiam ter alta na faixa dos 5-6 anos de idade. Porém, as fonos preferem segurá-los até o fim da alfabetização. Claro que cada caso é um caso. Falo de modo geral.

Por isso é muito importante ser implantado desde bebezinho por que acompanha naturalmente as etapas do aprendizado da língua oral. E o mais engraçado, é que a famosa leitura labial, a arma dos surdos oralizados não faz parte da realidade dos surdos implantados. Eles raramente olham pra sua boca enquanto você fala. Isso é fantástico de uma certa forma. Digo certa forma, porque a leitura labial é um dom que acho que TODOS deveriam saber, inclusive ouvintes. Mas no caso deles, é uma vitória não saber.

Colo embaixo um textinho que escrevi para um fórum de Implante Coclear, após ser ativado em setembro de 2004.

Bem, como eu já esperava…o som que eu ouviria seria completamente diferente do AASI, mas estava curioso para saber o quão diferente seria. É completamente diferente. Logo que a fonoaudióloga ativou, ouvi a voz super fina da minha mãe. Todas vozes que eu ouvia eram iguais e super agudas.

No começo fiquei meio tonto e depois fui dar uma volta pelo supermercado para me acostumar aos sons. O que mais me impressionava era escutar os sons que não era possível com o AASI : barulho quando se pega uma garrafa de vinho, barulho de estar pisando em folhas secas, os fonemas tipo ch, s, j, z, e algumas palavras ficaram bem claras.

Eu chegava até pensar: “nossa, não sabia que se pronunciava deste jeito”. O que mais me chamou atenção foi a palavra queijo. Pela leitura labial, eu jurava que queijo era mais ou menos queijo (acento circunflexo no “e” ) e pelo que ouvi é mais aberto, mais forte no “e” e não fechado.

Mas por enquanto o som tá meio que Pato Donald – as vozes super agudas e idênticas. Só a minha que sinto estar um pouco mais grave e é pelo fato da minha voz estar perto do aparelho.

Impressionante como tem sons que nós surdos ignoramos… por exemplo, eu às vezes tenho umas crises de rinite e fico “fungando” demais o nariz, e ontem na hora de fungar, eu ouvia o som irritante e passei a tentar fungar de uma maneira “menos escandalosa” e o meu espirro que sempre foi escandaloso passou a ser mais controlado, digamos, mais policiado.

Também tinha mania de andar de chinelo arrastando pelo chão, logo que ouvi o barulho irritante passei a andar sem arrastar com o chinelo no chão. Esses barulhos, meus pais sempre me chamavam a atenção de quanto era irritante,e eu nem ligava. Achava que era implicância deles e hoje reconheço que é muuuito irritante. rss

Muito legal mesmo. É uma sensação diferente e melhora mesmo a sua qualidade de vida. Esses pequenos sons fazem uma puta diferença.”

Bacana, né? Um dia, ainda encaro essa cirurgia, juro! hihihi

Beijinhos sonoros, Lak Lobato

14 Resultados

  1. Agnaldo disse:

    Muito interessante seu depoimento, Raul!
    Comigo ocorreu a mesma coisa, e tive a mesma sensação. Somente quem tem esta deficiência faz idéia do que uma pequena melhora na audição propicia.
    No meu caso, fui testar o AASI em 2006 e apesar do baixo grau de deficiência comparado com o seu e o da Lak (tenho perda moderada bilateral, média de 50db), na época fiquei impressionado com a gama de sons até então imperceptíveis. Como exemplo, pude ouvir (de dentro da sala do consultório) o barulho dos carros e dos ônibus que trafegavam na rua, o som produzido pelo deslocamento de alguns objetos sobre a mesa, conversa em tom baixo, dentre outros dos quais não me lembro mais.
    Naquela época não adquiri os aparelhos em razão do alto custo (R$4.000,00 cada um) e fui sobrevivendo como podia. Talvez se eu tivesse me esforçado e tentado adquiri-los, minha vida pessoal e profissional seriam melhores hoje.
    O fato é que me decidi por fazer uso deles e para tanto iniciei o procedimento junto ao SUS. Terei a primeira consulta para preparação dos moldes no próximo dia 18/05/09 e espero que consiga obter os aparelhos o mais rápido possível, pois conto as horas para este dia chegar. Felizmente, os famosos “zumbidos” que acometem a maioria dos que se encaixam em nossa categoria não são frequentes, muito embora incomodem um pouco (por vezes, chego a ficar tonto…). 😯
    Um outro cuidado que eu preciso tomar é com relação ao ouvido direito. Por ter o tímpano perfurado em consequência da otite crônica quando tinha 6 meses de idade, não devo deixar entrar água ou qualquer outro líquido sob risco de nova inflamação/otite. Por conta disso, tive que abandonar uma prática esportiva que eu gostava muito – a natação.
    Grande abraço para você e boa sorte e desculpe pelo “longo depoimento”…

  2. Maíra disse:

    Esse blog parece uma terapia. Muito bom ler, ainda que isso faça parte da minha realidade. Não sou implantada, mas uma vez o médico perguntou se eu queria (no ouvido esquerdo) e eu recusei, já que estava tando muito bons resultados do AASI no lado direito (a perda é limiar severa. fica entre moderada e severa).
    Mas acho muito interessante, pois você faz uso de todos recursos e tecnologias possíveis para fazer maior proveito do que resto auditivo que se tem.
    Uma pena muitos serem contra o implante por acharem que não admitimos sermos surdos ou que estaríamos perdendo a tal identidade surda.
    Pra mim, tudo é válido. O Raul mostra como se sente feliz com o implante.
    😉

    • Avatar photo laklobato disse:

      Verdade. É bem isso mesmo, Maíra. Como eu disse pro Raul hoje, ele tem sido o braço direito do Blog, visto que eu não sou muito boa pra textos técnicos e eles são fundamentais aqui no brog.
      Beijinhos

  3. Edelson disse:

    Olá Lak,

    Mais uma vez belos depoimentos. Primeiro o Raul explicando melhor a questão do Implante Coclear, que melhora significativa hein?! Depois o Agnaldo contando a sua história, desejo a ele sorte para que os seus AASI fiquem prontos logo. E logo em seguida a Maíra falou e disse “esse blog é uma terapia”.

    Quero dizer ainda à Maira que nós não devemos ligar para as pessoas que dissem que queremos perder a identidade surda. Eu perco minha identidade, quando estou sem ouvir, ou seja sem meus AASI. Desde os 8 anos que uso AASI e hoje, se estou sem eles a falta que sinto é grande. Passei 13 anos com um Analógico Retroauricular e estou há um ano com um intra canal digital, uso-os durante todo o dia.

    Por falar em AASI, alguém aqui já lembrou de tirar eles já quando tinha aberto o registro do chuveiro? Eu já e olha que já tinha muitos anos de uso!

    Bjus! 😛

  4. Leila disse:

    Me lembro de ter lido o depoimento do Raul de 2004. Foi bom reler de novo.
    Como o Raul, sendo implantada já adulta, dificilmente deixo de ler os lábios. Força do hábito. Mas proporciona várias descobertas no mundo sonoro. Pensei que jamais poderia voltar a ouvir os sons que já ouvi.
    É, a vida é cheia de possibilidades.

    😉

  5. Sun Melody disse:

    Que explicação maravilhosa, carregada de detalhes e só de reler novamente o depoimento do Raul recorda-me os “velhos tempos” na altura em que estava a ser avaliada para a possibilidade de colocar o IC.

    Imaginei de como seria ouvir, o seu timbre mágico perante cada som numa montanha alucinante de descobertas contínuas. A activação em particular é um verdadeiro renascimento de sensações gravadas na memória de um livro dourado único e imperdível de cada implantado.

    Ouvir é sentir-se viva,
    Escutar é um acto de aprendizagem,
    Discriminar uma riqueza absoluta!

    🙂

    Beijinhos!
    Sun Melody
    😛

  6. Adorei o post Lakinha!!!E o Raul consegue explicar essas coisas super bem. Eu fico morrendo de invejinha ( inveja branca viu?) pq eu confesso que meu problema com IC é o medo da cirurgia hahahaa, sou MUITO medrosa. Meus dentes do ciso ainda estão aqui por medo da operação mais BOBA que existe kkkk. Mas enfim, quem sabe um dia né? Rs, por enquanto continuo na peleja com AASI

  7. diana disse:

    ñ é bem um palpite e sim uma pergunta, meu filho tem 2 anos esta pra ser implantado no centrinho. so que ele ñ faz fono tem algum problema?

    • Avatar photo laklobato disse:

      Olha, fono é importantíssimo, com ou sem implante. E provavelmente, pra acompanhá-lo por toda a vida. No entanto, os primeiros seis meses depois do implante, é fundamental que ele faça fonoterapia, até pra ajudar na adaptação do implante.
      Seria bom se ele começasse o quanto antes.
      Beijocas

  8. diana disse:

    ñ é bem um palpite e sim uma pergunta, meu filho tem 2 anos esta pra ser implantado no centrinho. so que ele ñ faz fono tem algum problema? qualquer coisa me responda

  9. Renata disse:

    Oii, adorei ler esse blog do Raul, me deu mais segurança para eu colocar o IC.. estou super ansiosa, já fiz os exames e estou contando os minutos para chegar o dia da consulta, que é na semana que vem.
    Faço uso do AASI desde os 2 anos de idade, se com ASSI era bom escutar, fico imaginando que com o IC será 100% melhor ainda.. Pois poderei escutar sons que nunca ouvi… Sou surda oralizada, de nascença.. e sempre convivi boa parte da minha vida com ouvintes, estudei em escola normal.. Tenho amigos surdos, mas não faço mais parte da comunidade surda por ironia do destino.
    Lak, adoro seu blog… crie coragem para ser implantada, tbm fiquei com medo, mas a possibilidade de eu virar quase “ouvinte” falou mais alto que o medo, kkk
    Força e Coragem 😡
    Beijuuussss