Debate no Festival Assim Vivemos em São Paulo (SP)

Semana passada, participei de um debate “Surdez e Comunicação” no Festival Assim Vivemos de São Paulo.

A principio, achei um equívoco me chamarem, porque os filmes apresentados só falavam sobre a cultura surda. E, vamos combinar? Não tenho o menor interesse de debater esse assunto. Nem por concordar ou discordar de nada propriamente dito. Sou a favor de respeito pela diversidade, então os surdos que vivem a cultura surda que falem dela e ponto. Para quê vou dar palpite?

Mas, convite aceito é convite aceito, né? E fui…

O debate começou comigo sendo hostilizada pela platéia. Só faltava me fulminarem com os olhos. Aparentemente, falar sobre Implante Coclear num ambiente da cultura surda é sacrilégio, exatamente por esse tipo de coisa que eu imploro para NÃO me convidarem para essas situações!

Abri o debate falando que os filmes eram lindos e mostravam uma realidade que desconheço e não tenho o menor interesse, mas já que estava lá para falar dela, eu discordava do ponto em que metiam o pau na oralização, já que conheço oralizados gratos de terem sido oralizados. E da parte que falava mal do IC, porque o IC pode sim, ser fantástico, eu adoro usá-los.

Bom, ai meu debatente começou a falar que os filmes estavam super certos que era isso mesmo e blablablablabla, aquela coisa de sempre.

Perguntaram se eu usava o Implante para me sentir normal, visto que é uma tentativa de normalizar o surdo.

Falei que uso o implante porque gosto de ouvir, porque a partir do momento que eu posso desligar o implante e não ouvir, jamais seria uma ouvinte normal, pois eles não podem fazer isso.

Aí falaram que eu nasci e cresci ouvinte, fui estimulada pela audição e não posso me comparar com surdos de nascença que foram obrigados a fazer o implante. Engraçado, porque eu nunca, jamais, em hipótese alguma, já disse que meu caso era minimamente similar a dos surdos de nascença. Alias, sempre enfatizo que eu sou uma ensurdecida, que eu tenho a dor de perda e o trauma que eles jamais vão ter. Que eu tive a audição arrancada de mim, depois de conhecer muito bem o som. Portanto, meu caso não tem absolutamente NADA a ver com surdos de nascença que foram implantados cedo ou tarde.

Mas né? Diante dessa tentativa de invalidarem qualquer argumento meu, chamei a Emilly, que é surda de nascença e implantada desde bebê e tem audição e voz similar a de ouvintes para falar do implante nas condições em que queriam dizer que ele era inútil.

Bom, aí virou uma briga, em Libras, entre os debatentes da cultura surda e a família da Emilly, porque além dela, o pai e a mãe também são surdos de nascença e implantados.

Tentaram falar de casos de fracasso do implante, coisa que todo mundo sabe que existe e meteram o pau na voz dos surdos oralizados. Interrompi perguntando porque surdo oralizado tem sempre que ter voz linda, já que até ouvinte tem voz feia, grossa, sofre de gagueira e etc… Que o importante é se fazer entender e não se preocupar com estética da voz.

E a briga seguiu, explicando porque a Libras era fundamental no estimulo de bebês surdos, etc…

No fim, me perguntaram o que eu achava das escolas bilingues para surdos… Aqui entre nós, havendo escolha, eu sempre sou a favor, mas falei que acho ela importante para os professores surdos poderem dar aula, porque a sociedade não aceita professores surdos em escolas comuns e isso é fato. Surdo também precisa trabalhar e pagar contas, não é mesmo?

Em tempo, apesar de ser imensamente grata à produção do Assim Vivemos pelo convite de participar do debate e saber da importância de trazer informações sobre a diversidade dos deficientes auditivos para a população, dada a temática dos filmes, acho que minha participação era meio dispensável.

Realmente não acho necessário participar de embates com a cultura surda. Eles tem todo o direito do mundo de existir. E nós também! Há espaço suficiente para todos!

Beijinhos sonoros,

Lak

14 Resultados

  1. soramires disse:

    Não fui porque já desconfiava que ia dar nisso, total falta de senso comum dos organizadores misturarem os dois tipos de surdos porque sempre ocorrem desencontros e nunca debates civilizados e que possam acrescentar alguma coisa. Ainda bem que você teve o apoia da família da Emilly e dela mesma. Se eu estivesse presente talvez tivesse me retirado…não tenho mais paciência para esse tipo de “guerrilha”.

  2. soramires disse:

    Eu também sou mais ensurdecida do que surda oralizada…e vejo que entre a gente não se dá essa “competição” de quem é mais surdo…nos apoiamos, trocamos informações e brigamos por acessibilidade.

    • Avatar photo laklobato disse:

      Por mim, pode me chamarem de deficiente auditiva, não me preocupo com nomenclaturas, com a condição sine qua non de eu ter as minhas necessidades atendidas. Simple as that.

  3. Armando Austregésilo disse:

    Lakshmi, conforme conversamos no almoço de sexta, e agora lendo seu texto, fidedigno ao relato verbal, postado aqui no DNO, entendo melhor: (aliás me entristeci de não ter assistido ao vivo, estava em São Paulo, mas com um atendimento marcado no mesmo horário, pena!), e afirmo que o fato, explorado com detalhes esclarecedores, tornou-se uma aula de compreensão das diferenças, que aumentam o debate dos semelhantes! A sua pergunta, conforme eu entendi, é se esse aumento no tema do evento, mais contribuiu ou criou discussões? No meu entender vale mesmo é o aumento no tema do debate, pertinente e consistente!! Bj

  4. Andrea disse:

    Nossa Lak….
    Uma pena que não haja tolerância e caridade….mas o mundo ainda é assim!
    Não vá mais querida…vá onde você seja bem recebida, onde possa ajudar, estimular, somar.
    Acho bacana o que o outro comentário disse que entre os ensurdecidos não há disposta…realmente discutir, quem é mais surdo, quem tem mais ou menos…é um desperdiço.
    É suro de nascença, perdeu aos 10, perdeu aos 30 como eu, escuta com aparelho, ou fez implante, prefere não fazer…direitos iguais e que deviam conviver em harmonia.
    Direito de escolher o que melhor lhe atende e o que pode te dar melhores condições (para você, por meio da sua escolha) de ser mais feliz.
    Eu aqui….gosto de ouvir todos os lados…e achar o meu, por ter tido a chance de conhecer todos os lados e escolher o que serve melhor à mim
    Uma beijoca.

  5. Sávio disse:

    Olá, o seu site é excelente e é muito bom acompanhar suas postagens. Pode ser longo o texto, mas agradeceria muito se tirasse um tempinho para ler. Eu nasci ouvinte, então com uns meses de idade, eu perdi minha audição no lado direito (nenhum médico soube porque) , mas ouvia normalmente no ouvido esquerdo e com isso vivia normalmente, até meus 13 anos, que novamente (irônico), minha audição no esquerdo foi se esvaindo até eu ter perda auditiva severa e não ouvir mais do que gritos ou sons muito altos (ruídos).

    Então continuei com o colégio normal, porque não me encaixava no mundo dos surdos, tudo bem, foi difícil, mas passei e estou prestes a completar o 3 ano e infelizmente, minha mãe faleceu a quase um mês. Agora estou um pouco desesperado, porque não tenho condições de enfrentar uma faculdade estando sem ouvir, e não quero fazer implante coclear, sei que tem seus benefícios, mas eu o acho “ultrapassado” e acredito que virão novas coisas que simulem melhor a audição verdadeira, além de ser bastante chamativo e incômodo.

    Ouvi falar sobre esse implante esteem, e por um lado do meu ouvido ser perda severa, acredito que eu possa ter uma chance de conseguir fazê-lo, em São Paulo. Mas não tenho muitos detalhes, poderias me ajudar fornecendo informações?

    Enfim, não posso botar muita esperança,porém não sei o que fazer, estou bastante perdido e é horrível não ter outra opção. E agora preciso seguir com minha vida, tenho esse vazio e receio. Obrigado ao ler até aqui, e espero que possamos nos beneficiar, seria gratificante uma ajuda. Abraços!

    • Avatar photo laklobato disse:

      Você tem um bom resultado com o AASI comum?
      Porque o resultado do Esteem é similar. É um aparelho que amplia a sua audição residual. Se ela for boa, ótimo. Senão, não será ampliando ela que você irá conseguir ouvir bem.
      Essa é a diferença do implante coclear.
      Mas tudo bem, eu não sei se o Esteem já foi aprovado pela ANVISA, sendo sincera. Se tiver mais informações, prometo que encaminho para você.
      Abraços

  6. Sávio disse:

    Na verdade, com o aparelho normal, eu consigo ouvir bem alto, quase normal, o problema é que só ouço chiados ou barulhos, e não consigo ouvir direito a longas distâncias.

  7. Cristiane disse:

    Parabéns, Lak! Seu pai definiu bem a sua atuação no debate: você deu uma magnífica aula com detalhes esclarecedores para compreensão das diferenças, aumentando o debate entre os semelhantes!
    É muito importante sua participação!

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