O ônibus, a deusa e o salgadinho

*o título do post é paródia consciente com Crônicas de Nárnia

onibusEra a primeira vez que eu iria viajar de ônibus sozinha, pois apesar de já ter viajado sozinha, sempre ia de avião, porque minha mãe sempre cismava que eu iria perder o ônibus na parada, por não ouvir a chamada de saída.

O único jeito dela se acalmar, era perguntar para o motorista quanto tempo durava a parada, eu jurar cronometrar o tempo e passar os últimos dez minutos em frente ao ônibus. Isso acabou me fazendo ficar plantada na frente do ônibus a parada inteira, praticamente. Ao contrário dela, eu estava animadíssima com a idéia de viajar sozinha, pois representava uma independência enorme, afinal já tinha quase 17 anos e todos os meus amigos já tinham viajado sozinhos com essa idade. Sentei no meio do ônibus. Sentou um carinha do meu lado, mas eu nem prestei muita atenção nele e fiquei olhando a estrada, até a parada. Seguindo o conselho de minha mãe, que por sinal, até hoje eu escuto na cabeça e toda vez em que viajo de ônibus sozinha, me faz ficar plantada na frente dele, com medo dele partir sem a minha pessoa. Comprei um pacote de fandangos, aqueles salgadinhos de milho da Elma Chips e voltei ao ônibus, esperando ele sair. Quando o ônibus finalmente iria partir, o tal carinha chegou e me oferece salgadinhos. Comecei a rir, pois notei que era o mesmo que eu estava comendo. Isso serviu como uma ótima desculpa para ele puxar papo comigo:


– Você está mais calma agora?

– Eu? Como assim? – Não sabia do que ele estava falando. A primeira parte da viagem fora tão agradávelfandangos

– Tentei conversar com você várias vezes, mas você nunca me respondia.

– Não estava braba. – Rindo muito – Sou surda.

– Verdade? – Ficou surpreso.

– Ora, qual outro motivo teria para ignorar você?

– Mau humor, timidez, antissociabilidade.

– Lamento, mas sou surda mesmo.

– Você não ouve nada? Nasceu assim?

Contei-lhe minha história.

– Nossa, você é incrível. Não sei o que faria se ficasse surdo. – Tapou os ouvidos com as mãos. – Como deve ser não ouvir nada?!

– Geralmente escuto o som dos meus pensamentos. Quando vejo algo se movendo, qualquer coisa, minha cabeça tenta criar um som parecido.

– Como assim?

– Por exemplo, eu imagino um som para o mar, outro para o movimento das folhas balançadas pelo vento, do fogo ardendo numa fogueira.

– Então, você ouve tanto quanto nós, mas pela sua interpretação??

– Talvez seja o melhor modo de definir… – Respondi eu, curtindo pra caramba a sacada dele.

– Quantos anos você tem?

– Dezesseis, e você?

– Tenho 27… Sabe que nunca havia encontrado alguém como você, assim, que não ouve?!

– Isso é bom ou ruim!? – Respondi, rindo mais ainda – Qual o seu nome?

– É ótimo. Uma nova experiência na minha vida. Sou ator, gosto de experiências novas. Meu nome é Sérgio e o seu?

– Lakshmi.

– Até o seu nome é diferente. Significa alguma coisa? – sorriu.

Lakshmi, deusa hindu da fortuna, beleza e felicidade.

Lakshmi, deusa hindu da fortuna, beleza e felicidade.

– É da deusa hindu da felicidade.

– Deve ser por isso que você passa uma idéia tão tranqüila da sua deficiência, não?!

– Tenho os meus altos e baixos…- Argumentei.

– Não duvido. Mas já conheci pessoas que têm menos problemas e só têm baixos….

– A vida é assim mesmo.

E continuamos conversando por umas duas horas, até que ele desceu em São José dos Campos e nunca mais soube dele.

Quando contei dele para minhas amigas, perguntaram:

– Pediu o telefone dele?

– Não…

– Como não, sua anta?

– Não tenho o hábito de pedir telefone de ninguém. Além do mais, não vi necessidade.

– Mas você acabou de dizer que ele era fantástico, super cabeça.

– E daí?

– Daí que você perdeu o contato com ele. De que adianta viver uma experiência dessas se não pode manter contato com a pessoa?!

Por que será que tudo sempre precisa ter lógica e continuidade? Algumas coisas acontecem simplesmente porque precisavam acontecer, ué?

21 Resultados

  1. Renata disse:

    Fandangos, fandangos, fandangos!!! 😀

  2. Alex Martins disse:

    Isso me lembrou um fato engraçado, a pouco tempo (no lançamento do meu livro), encontrei uma pessoa com a qual só tinha falado duas vezes e no metrô. Ela passou ali por acaso e por acaso nos reconhecemos (apesar das mudanças físicas).

    Já aconteceu de reencontrar alguém desses encontros casuais ?

  3. renata disse:

    Lak, você acha que não tem tanto conteúdo para um livro, mas já podia ir juntando – olha outra história bacana. beijos e bom fim de semana

  4. Gislaine disse:

    com certeza, eu ao menos pagaria..he he he

    Sabe que vc tem mais que conteudo pra um bom livro, pode ter certeza! Adorei a historia, e eu ainda amuu Fandangos..rs.

    Tenha um ótimo final de semana! 😀

    • Avatar photo laklobato disse:

      Hahaha, Gi, assim você me deixa sem graça.
      Otimo final de semana pra você também.
      Viu que lançaram fandanos sabor churrasco? Será que é bom?
      Bjs

  5. Gislaine disse:

    Ihhh, aqui na minha cidade acho que não chegou esta novidade ainda não…rs..mas nada como o de presuntoooo uhh que fome!! rs.

  6. Juca Jardim disse:

    nossa… devia ser proibido salgadinho nos ônibus!!!… aquela molecada mastigando e falando ao mesmo tempo, aquele cheiro de gordura empestiando o ar!!! 😥 😛 … acho que era mais nóia da sua mãe pq ela podia avisar o motorista da situação e ele te dava um toque quando chegasse no lugar, Lak!… muito verdade: nem tudo precisar ter lógica e continuidade (cara de 27 que come salgadinho no ônibus NÃO PODE ser cabeça! … confessa vc gostou mesmo é dele chegar junto, vai! 😛 … depois aposto que vc não continua mais comendo salgadinho no ônibus, please! 😀 )…

    • Avatar photo laklobato disse:

      Não vejo relção entre comer salgadinho e ser cabeça, mas tamos aí…
      Faz uma deeeeecada que não viajo de ônibus huahuahua
      Mas fandangos, como de vez em quando, por causa da Rex!!
      E DEUS ME LIVRE MINHA MAE AVISAR PRO MOTORISTA QUE EU ERA SURDA! Mãe falando isso, passa a imagem de pessoa completamente dependente dos outros. JAMAIS!

  7. Raul disse:

    AHHAHAHAHAHH

    Estou começando a achar que mãe de surdo é tudo igual, so muda de endereço. ATÈ hoje minha mae me fala: “cuidado pra nao perder o ônibus. Procure saber quem está no ônibus e fique colado nele!” 😀

  8. Mariana disse:

    Lak, eu não sou surda e já deixei onibus ir embora sem mim… aliás, onibus e trem…

    Não é previlégio dos surdos, viu… 😀

  9. Eu nesse ponto sou diferente de vc Lakinha hahaha
    qdo viajo de onibus eu saio, vou no banheiro, pego algo pra comer, como
    tomo meu refri, vou no banheiro de novo e só depois volto pro onibus e geralmente ainda me sobra tempo hahahah

  10. Rogério disse:

    Lak, já perdi a conta de quantos ônibus e aviões já perdi, e até onde me lembro não
    tenho nenhuma deficiência auditiva (talvez minha deficiência seja outra rsrsrs). Mas
    releve a preocupação de sua mãe, é tudo igual e parece que o curso todas fizeram
    e o conteúdo não muda há séculos. Eu estou perto de completar 50 anos e minha mãe
    ainda me pergunta se estou tomando os remédios “direitinho”. Um beijo.

  11. Igor disse:

    Oi…. acho que eu nunca parei para Ler, de verdade, o blog de ninguem… mas adorei demais seus textos e histórias… Sua diferença é encantadora, mas, mais forte encanto é a maneira como lida com ela.
    Você é linda e seus pensamentos também! Vou te conhecer mais, e não tem como impedir… ta tudo aki! 🙂
    Um beijo…
    Foi um prazer conhecer tudo isso…

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