Tempos modernos

De vez em quando ouço (licença poética) alguém dizer que as coisas não são mais como  eram antigamentes. Quase sempre com uma conotação de “antigamente era muito melhor”. E me pergunto quando foi que o mundo foi livre de violência, de intolerância, de desrespeito, porque nas aulas que tive de História, era sempre um povo tentando se sobressair sobre os outros, às custas do bem estar, da qualidade de vida e dos direitos dos demais. Mas, talvez eu seja uma pessoa muito pessimista no que se refere ao passado, não sei. A verdade é que eu não vivi no “antigamente” e não posso atestar que lá era melhor ou pior do que aqui.

O que eu posso falar é dos meus 30 e tantos anos de vida. E não, não acho que “antigamente era muito melhor”. Exemplo disso, foi que soube ontem pelo blog Deficiente Alerta, da querida Cybelle Varonos (conheci essa figura pessoalmente no aniversário do Blog do Jairo, Assim Como Você) que a lei de cotas – de empregos para pessoas com deficiência – completou 18 anos na semana passada – leia a Carta de São Paulo em apoio à Lei de Cotas no  link do blog da Cybelle.  E, como eu tenho deficiência auditiva há mais do que isso, pude acompanhar sentindo na pele a evolução desse sistema. Até uns 10 anos atrás, eu sequer tinha ouvido falar nisso. Vi as vagas melhorarem lentamente, passando de auxiliar de limpeza a assistente de Marketing ou Analista Financeiro; embora essa ainda não seja a regra. Continua sendo a esmagadora maioria empregos de cargo mínimo, mas tudo bem. Tendo a pessoa oportunidade de crescer na empresa, é aceitável.

E, ainda assim, existe empresários que “aceitam” contratar “essa gente com deficiência”, contanto que elas saibam o seu lugar e nunca peçam aumento nem promoção. Eles já estão fazendo a gentileza de permitir que a PcD trabalhe na empresa dela, mas só porque não querem pagar multa, entende? Mas não esperam nem desejam que ela cresça nem precise de nada. Afinal, ela deveria conhecer o seu lugar insignificante e ficar grata de deixarem-na trabalhar, mesmo que a salário de fome; já que em “antigamente, quando tudo era muito melhor” lugar de inválido – esse termo bonito que usavam para referirem-se a nós – era em asilo. Portanto, a gente que não reclame…

Mas, as mudanças que observo não se limitam a PcDs nem à oportunidades profissionais. São mudanças sociais de drástica inversão de valores. E não, isso não é ruim, eram valores errados. “Antigamente quando tudo era muito melhor” só merecia respeito, segundo os valores da época – aqueles que pertencia à maioria dominante. As minorias, tinham que aguentar caladas as piadinhas, os descasos, a indiferença, o desrespeito. Porque era assim, você não merecia respeito pelo simples fato de ser humano. Sua humanidade era menos significante que a sua cor de pele, sua classe social e financeira, sua compleição física, sua condição sensorial, seu gênero. Isso era mais importante, porque, afnal de contas, havia gente demais no mundo, então não dava pra respeitar todas, respeitava-se apenas uma parte delas. já que – aparentemente – respeito era algo limitado, não dava pra sair gastando a toa. Bizarro…

Hoje em dia, não é mais assim. Ainda que muita gente mantenha essa mentalidade – com as alegações mais esdruxulas, do tipo “eu aprendi desde cedo que podia chamar um marciano de coisinha ridicula verde e não vejo por que tenho que mudar” – a lei já reconhece que SERES HUMANOS merecem respeito simplesmente por serem  humanos. Essa semana mesmo, tem rolado o maior bafafá em relação a uma frase dita no twitter (sim, eu tenho 2 contas, se quiser me seguir: lakl & desculpenaoouvi) pelo Danillo Gentilli do CQC. Na versão dele, a frase não foi dita para ofender. Mas, não é mais o autor das ofensas que decide o que pode ofender os outros ou não e quem não acreditar nele, que se resuma a sua insigficância. Se alguém se ofende, a liberdade de expressão que garante que alguém diga um disparate desses, garante também o direito do outro de reclamar. E a lei, hoje, protege quase sempre a ‘vitima’.

E a gente também tem levado a sério. Ontem mesmo, me desentendi feio no Orkut, porque fizeram um tópico com um poema que terminava com “mudos, se matem” que eu reclamei que era ofensivo. As pessoas, diante a minha reclamação, tentaram alegar que era metaforico. Eu reclamei que literal ou metafórico, me ofende que haja pessoas que achem que é brincadeira seguir  a linha espartana de que quem tem um problema ou uma deficiência deveria ser eliminada. Se for metafório, pior ainda, porque beira ao deboche. No fim, recebi o pedido de desculpas do autor do poema. Se eu peguei pesado? Talvez, mas acredito piamente que foi-se o tempo que a ‘vitima’ tinha que ser compreensiva, levar na esportiva, que era dela que se exigia boa vontade, não do agressor…

Por isso que eu acredito que dizer que “antigamente era muito melhor” beira a covardia. Afinal, eu conheço o meu lugar: aqui e agora.

E você?

Beijinhos,

Lak

15 Resultados

  1. Bruna disse:

    Concordo com você Lak. Penso que as pessoas mais velhas acreditam que “antigamente era melhor”, porque o passado é conhecido, mas o presente e o futuro são incógnitas e precisam de ação para existir.
    Se hoje é melhor? Não sei. Mas pelo menos hoje todos temos voz no mundo.
    Bjs

  2. Bom Lak, eu acho que no quesito direitos humanos e respeito pelo proximo antigamente nâo tinha absolutamente nada de melhor. A tolerancia com pessoas “diferentes” era bem menor. Homossexuais, negros, pessoas com deficiencia, pessoas de descendencia ou religiões diferentes. Sempre havia um motivo pra agredir, ofender e machucar alguem. Eu concordo com seu post em numero, genero e grau. O aqui e o agora está muito melhor e Deus há de querer que vai melhorar ainda mais, afinal de contas tem uma nova geração tomando conta do mundo e ocupando os cargos que um dia pertenceu às ” pessoas de antigamente” então acho que estamos no caminho certo.

    Beijos

    • Avatar photo laklobato disse:

      Sim, Di… Somos uma geração pioneira. Antigamente, era melhor baixar a cabeça e deixar passar. Hoje, a gente devolve o tapa. Chegará o dia que todo mundo saberá que merece respeito, seja como for e ninguém se sentirá a vontade pra destratar outrém…
      Beijinhos

  3. Fabiana disse:

    Lakinha concordo que o ontem por já termos vivido, parece ter sido melhor. É impressão minha, ou a frase q rolou o bafafá você esqueceu de colocar? É q não assisto ao CQC, então não tô sabendo.
    Achei q vc fez muito certo em reclamar do que achou ofensivo. As pessoas tem q saber q não podem falar o q querem e depois se esconder na desculpa de “metáfora”. Eu uso uma frase q pode parecer grosseira, mas acho q funciona: “Respeito é bom e conserva os dentes”. 😳

  4. Juca disse:

    tb acho que “antigamente era melhor” é subjetivo… antigamente era “melhor” brincar na rua… hj, com videogame e internet – e violência, é melhor brincar dentro dos muros… não tem melhor de verdade pq as situações e as mentalidades se adaptam rápido à realidade… acho até que essa “possibilidade de expressão” explica muito… meu avô dizia que antes os caras tinham mais respeito pela mulher e ela era mais recatada… hj trabalham fora, são mais liberadas… aí os caras se “engraçam” mais, só que apareceu um acordo tácito: ela pode virar e dizer pra todos da rodinha escutar: “vai cuidar da sua mulher, seu corno!”… aí o cara não gosta e vai dar um safanão?… a lei Maria da Penha põe ele no xilindró rapidinho!… do mesmo jeito pra deficiência: antes até a “ciência” dizia que PcD tinha mesmo que ser excluído… até o PcD aceitava pq era a ideologia da época… hj o acesso à informação e ao direito de expressão fez isso ficar odioso e a ideologia é a da inclusão!… antes era pior?… acho que não!… pelo menos esse sentimento não tinha como tomar forma e seria anacrônico julgar com os olhos de hj, certo?… então nem era melhor nem pior, eu acho…

    Lak… a CBN tá apresentando uma reportagem diária sobre inclusão… na página deles tem vídeo – mas sem legenda (!) – e eu vou deixar aqui pq como vc mesma diz tem muita gente que segue o blog e não tem deficiência auditiva, né…
    http://cbn.globoradio.globo.com/series/LICOES-DAS-NOSSAS-CRIANCAS.htm

    o caso hj me deixou particularmente tocado… sobre uma adolescente com síndrome de Down… ela entrou numa escola de “alunos normais” e na 6a série “não conseguiu acompanhar” e foi reprovada!!!… me desculpa o palavrão mas PORRA!!!… que merda de “inclusão” no ensino é essa que não pensa em DESEMPENHO INCLUSIVO???… um engenheiro pode ser uma BESTA em literatura (geralmente são!) mas uma PcD não pode ir pra 7a série pq tem dificuldade com expressões algébricas ou equações???… desde quando isso fará dela um SER HUMANO melhor???… enfim… se antigamente era pior, hj às vezes parece que andamos um passo pra frente e dois pra trás, né 😐

    beijo e desculpa os excessos, tá…

    • Avatar photo laklobato disse:

      hahahhaa amei seu comentario, Juca!! Grata pelo video e vou adotar a frase: parece que damos 1 passo pra frente e 2 pro lado!
      Mas, ainda assim, melhor que ficar parado ou andar pra tras!!
      Bejinhos

  5. Bia disse:

    Ótimo texto Lak, você tem razão mesmo, antigamente não era melhor coisa nenhuma, temos é que viver o hoje da melhor maneira que pudermos para garantir um amanhã melhor ainda!

    Beijo!

  6. Patie disse:

    É assim mesmo. Esperam que a gente tolere toda e qualquer ofensa, como se simplesmente alegar que “era uma brincadeira” resolvesse o problema. Acham que todo mundo tem que calar a boca e aceitar tudo calado. É nessa hora que eu perco a fé na humanidade…

    Beijinhos

  7. Rogério disse:

    Lak, até pensei em escrever algo mais detalhado, mas o Juca já matou a pau. Por coincidência participei de uma discussão informal (na praia) sobre esse assunto, e concluimos que de fato não tem essa de melhor ou pior. Cada tempo no seu relógio. Só não gostei muito quando me perguntaram como era no meu tempo; respondi que meu tempo é agora, eu estou aqui. Mas é inegável que a pergunta me pedia para comparar o hoje com os “antigamente” e prefiro o hoje, principalmente se considerarmos que há uma maior conscientização quanto ao respeito à diversidade (ainda engatinha, mas já é alguma coisa), e isso significa que só é possível discriminar, agredir ou ofender impunemente quando a vítima se cala. Adoro quando você fica brava.

  8. O melhor de antigamente é que já passou. É o que penso sobre tudo que não vale a pena persistir. Vale lembrar apenas como exemplo histórico que sinaliza que algumas mudanças foram boas. Já que o passado e seus erros são os grandes norteadores daquilo que deve mudar.

    Quanto ao desrespeito devo dizer que as pessoas são sempre muito solicitas quando o alvo é a si próprio e que quando é com o outro a figura muda inteiramente. Como profissional tenho visto muitas pessoas gritarem pelos seus direitos e na hora de “andar na linha”, simplemente não é com elas. É aquela velha ordem no país da “farinha pouca, meu pirão primeiro”e as andanças do “João sem braço”, com a licença pelo ditado. E tal é o caso do Gentilli, pois o CQC anda por aí processando e exigindo, mas que se esquivou.

    Vem à baila dizer que fazer humor é uma tarefa que exige inteligência e bom senso e o twitter virou um aforismático meio de se fazer humor com 140 caracteres, o que é bastante perigoso para quem quer êxito fácil e ignóbil.

    Fico por aqui…Beijos!

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