20 dicas de inclusão de alunos surdos
Ingrid Sartori é pedagoga, mestre em educação e especialista em educação de surdos. E resolveu escrever um texto especialmente para o DNO com nada menos que vinte super dicas de como incluir alunos surdos oralizados, sinalizados ou bilingues, tanto faz porque a Prof.ª Ingrid acredita na inclusão, em salas de aula inclusivas.
Olá, eu sou a Ingrid Julliane Sartori. Pedagoga, cursei duas pós graduações na área da surdez e Língua Brasileira de Sinais (Libras) e fiz meu mestrado na área da educação de Surdos sinalizantes e políticas públicas.
Meu primeiro contato com aluno surdo foi em 2012. Oralizado, ele fazia uso de implante coclear e não sabia Libras. Dediquei minha pesquisa de mestrado à ele e sua mãe. Trabalhei com crianças surdas sinalizantes no tempo em que atuei como professora bilíngue concursada na rede municipal de uma cidade do interior de São Paulo. Tive contato com a diversidade da surdez em todos os âmbitos. Sempre atenta às famílias que por vezes tinham nenhum ou pouco esclarecimento sobre a temática.
Atuei da educação infantil até o ensino superior como professora e tive alunos surdos em todos os níveis educacionais.
Enquanto professora na rede municipal convivi com alunos surdos nas diferentes situações. Cheguei a ter 10 crianças surdas em sala, juntamente com outros 22 alunos. Crianças nascidas surdas, crianças perdendo a audição, famílias de pais ouvintes, famílias de pais surdos, crianças sinalizantes, crianças oralizadas, crianças bilíngues, crianças surdas e com mais algum comprometimento/deficiência, criança ouvinte de pais surdos (CODA – child of deaf adult), crianças que usam AASI, fonoaudiólogas, otorrinos, professoras de educação especial, professoras de AEE… Enfim, uma grande gama da pluralidade dentro da surdez.
Atuei como docente no ensino superior por cinco anos, professora nos cursos de pedagogia, educação física e psicologia. Enquanto formadora de professores digo que é realmente difícil encontrar formação no ensino superior que abranja a deficiência auditiva/surdez de forma satisfatória. Uma das minhas principais dificuldades enquanto professora no curso era a tal da disciplina de “letramento e alfabetização”. Eu desconheço faculdade que ensine como “alfabetizar” crianças surdas. (Não me refiro apenas ao ensino de Libras) O foco da grade curricular é ensinar português para crianças ouvintes. Mesmo que você ensine português para uma criança com DA que seja oralizadas, há especificidades. Ensinar português para criança surda sinalizante então, acredito que quase não seja falado nos bancos universitários. (Acredito que nas faculdades que tenham cursos de pedagogia bilíngue há esse tipo de discussão, mas infelizmente há poucos cursos como esse no Brasil)
Então, sabendo um pouco sobre minha trajetória acadêmica e profissional, deixo algumas “dicas”, que na verdade são observações sobre minha experiência como professora de alunos surdos oralizados/implantados. Infelizmente não há uma fórmula ou receita secreta de como ensinar e ter sucesso. Acredito que trocando experiências é uma forma colaborativa de caminhar nesse desafio educacional.
Então vamos às dicas:
- Entender que você é a professora da criança.
Parece óbvio. Mas é a primeira coisa a ser compreendida. Você não é a mãe, pai, família da criança. Você não é a fono, você não é o médico que acompanha o caso, você não é a psicóloga. Você é a professora! Compreendido isso, seguimos…
- Não julgue as escolhas da família.
Se a família optou por implantar a criança, ótimo! Se a família optou por Libras, ótimo! Se a família optou por oralização/leitura labial, ótimo! Se a família optou pelo ensino combinado de português e Libras, ótimo! Lembre-se, você é a professora! Respeite e acolha as decisões familiares.
- Compreender a realidade na qual o aluno está inserido.
A dinâmica familiar, diagnóstico/ laudo médico, acompanhamentos que a criança realiza, etc. Respeite seu aluno.
Páginas do livro “E Não É Que Eu Ouvi” de Lak Lobato e Eduardo Suarez. Proibida a reprodução. - ESTUDE MUITO!
Tente conhecer os mais variados tipos de comunicação, métodos ( se é que existem), tipos de ensino. Você não precisa concordar com eles, mas é interessante conhecer o maior número possível de possibilidades e oportunidades. Você vai encontrar uma diversidade enorme dentro da educação de surdos, esteja preparada para atender essa pluralidade.
- Mostre (diferente de impor) às famílias as diversas possibilidades dentro da surdez.
Para isso, você precisa seguir a dica número 4, então ESTUDE MUITO!
- Parceria com a fonoaudióloga.
No caso específico de crianças surdas oralizadas/implantadas é fundamental um trabalho em parceria com a fonoaudióloga que acompanha a criança. Lembre-se, você é a professora! Sessões de fonoterapia devem acontecer fora dos muros escolares. Porém, você consegue agregar o trabalho da fono no seu planejamento enquanto professora. E o seu trabalho também pode contribuir com o trabalho da fono.
- Parceria com a família.
Mantenha a família ciente que é necessário um trabalho em parceria com a escola. Assim como com qualquer outro aluno. Porém sabemos que a realidade com crianças com deficiência é MUITO diferente dos demais alunos. Uma família parceria auxilia exponencialmente no desenvolvimento da criança.
Páginas do livro “Lalá é assim: Diferente, igual a mim” de Lak Lobato e Eduardo Suarez. Proibida a reprodução. - A criança é aluno da escola.
Todos devem, minimamente, conhecer as especificidades dos alunos. A busca por uma escola realmente inclusiva passa por isso. A criança surda não é só aluno da professora, do Intérprete, da professora de educação especial. Ela é aluna da escola. Pertence ao coletivo escolar, da diretoria, da coordenação, da secretaria, da merendeira, do guarda, da equipe de limpeza, dos professores especialistas, da secretaria de educação municipal/estadual, da diretoria de ensino, de todo o sistema de ensino.
- Encontre o local ideal.
É interessante que crianças oralizadas/implantadas que fazem uso de leitura labial se sentem próximas ao professor. Alunos mais velhos geralmente não gostam de sentar perto do professor porque se sentem envergonhados e acham que estão sendo tratados diferentes.
- Use o sistema FM com cautela.
O sistema FM irá ampliar sua voz para o aluno. Portanto, se a criança precisa do sistema FM, mantenha um tom natural de voz. Ninguém gosta de ter alguém falando alto e gritando o tempo todo.
Páginas do livro “Lalá é assim: Diferente, igual a mim” de Lak Lobato e Eduardo Suarez. Proibida a reprodução. - Evite falar enquanto escreve na lousa/quadro.
Você vai estar de costas para o aluno surdo, ele não conseguirá compreender sua fala e nem fazer leitura labial.
- Cuidado ao apagar as luzes!
Por vezes apagamos as luzes para melhorar a visualização de uma apresentação de slides, porém, essa ação compromete a leitura labial. Quem enxerga seus lábios no escuro?
- Cuidado com a famosa “pedagogia visual”!
Não é porque a criança é surda que tudo que é visual é óbvio para ela. Seja criteriosa com as imagens, vídeos, recursos audiovisuais que for utilizar. Surdo não aprende por osmose apenas porque você acrescentou imagens na sua aula.
- Legenda é algo essencial!
Ao trabalhar com vídeos, sempre prefira vídeos com a maior possibilidade de acessibilidade.
- Mantenha sua voz em tom e ritmo natural.
Não precisa falar super lentamente ou quase gritando com a criança. A menos que isso seja uma orientação da fonoaudióloga.
- Evite comparações.
Cada aluno tem seu tempo/velocidade de desempenho. Evite superproteção do aluno surdo e comparações com os demais alunos. Ele demanda atenção mas não é necessário “ficar em cima” dele o tempo todo. Esse tipo de exposição não é agradável.
- Auxilie o aluno surdo no cuidado com o aparelho/implante auditivo.
Explique que é um produto caro e precisa de cuidado. A família precisa fazer um trabalho de conscientização com a criança sobre esse cuidado. A professora reforça. Eu já ouvi professoras dizer: “Eu não sou babá de implante”. Porém, o papel do professor é trabalhar autonomia e independência dos alunos. Ensine o aluno a tomar conta/ ser cuidadoso com o implante/aparelho auditivo.
- Aprenda sobre a tecnologia.
Busque compreender como um implante/aparelho auditivo funciona, ele não é um milagre. Demanda trabalho com fonoterapia… Converse com a fono que acompanha o aluno e siga a dica 4.
- Acolha as ansiedades e dúvidas
As famílias geralmente sabem pouco ou quase nada sobre o assunto da surdez. Não dê opinião pessoal, lembre-se, você é a professora. Profissional que trabalha com a criança. Indique outras famílias que você conheça em situação semelhante para que elas troquem figurinhas entre si. Busque saber locais/instituições que desenvolvam trabalhos com surdos na sua cidade/região.
- Literatura surda. Sim, isso existe!
Leia livros que falam sobre a surdez em sua pluralidade. Sobre surdos, sobre implante, sobre Libras, sobre o mundo da surdez. As crianças precisam se reconhecer nas histórias. A marginalização da surdez na nossa sociedade, infelizmente, ainda é muito grande. Então usem a literatura surda para mostrar a diversidade surda para o aluno surdo e para os demais. É importante explicar aos demais alunos sobre o aluno surdo e como se comunicar com ele. O pré-conceito pode ser amenizado. O preconceito pode ser combatido com informação.
Páginas do livro “Lalá é assim: Diferente, igual a mim” de Lak Lobato e Eduardo Suarez. Proibida a reprodução. - 🏅 DICA DE OURO: Pergunte ao seu aluno!
Ele é a principal fonte de informação e orientação para o seu trabalho. Pergunte qual preferência dele para que você se comunique com ele. Pergunte se o material visual que você trouxe para a aula auxiliou. Como ele se sentiu com a legenda do vídeo. O aluno é o maior indicador de como repensar seu planejamento.
Observe seu aluno. Em quais tipos de atividades ele demonstra maior envolvimento.
