5 Maneiras de Ouvir Melhor, por Julian Treasure

Antes de ler meu texto de hoje, assistam o vídeo. São pouco mais de 7 minutos muito bem empregados:

Esse vídeo veio por sugestão da Anahi GM, amiga minha de longa data e uma das pessoas mais interessantes que conheço. Fui dar uma olhada e, impossível não querer trazer para o DNO.

Primeiro de tudo, porque eu precisei reaprender a ouvir. Alias, estou em processo de aprendizado, muita coisa não me foi aprendida ainda. No começo do vídeo, Julian  Treasure fala que se deixar um ruído constante por mais de 2 minutos, a platéia pararia de ouvir, porque o cérebro só se fixa em novidades e depois descarta aquilo que é constante.

Como vocês sabem, perdi a audição pouco antes de fazer 10 anos de idade. A adolescencia toda eu oscilava entre ouvir com próteses e não usá-las. Mas nunca fiquei muito tempo nem com nem sem elas.

Um dia, por acaso, perdi meus aparelhos auditivos e não tive condição de comprar outros. O resultado foi de 8 anos sem qualquer audição.

Quando entrei para o programa do Implante Coclear do HCFMUSP, a primeira coisa que pediram foi para eu testar próteses convencionais.

E, no dia que coloquei os aparelhos pela primeira vez, depois de 10 anos de silêncio brutal (eu tenho pouquissima audição residual, sou surda profunda bilateral) o som do ar condicionado me pareceu um ruído insuportável. O cérebro tinha desacostumado a fazer esse processo de descarte do som constante. Passei dez minutos ouvindo constantemente o som do ar condicionado, que parecia querer perfurar meu cérebro feito uma britadeira. Meu Deus, que desespero!

Lembro de perguntar ao Edu “como vocês suportam isso?”
Ele explicou que ouvintes sequer reparariam naquele som, porque o cérebro pára de prestar atenção no som. Mas, mesmo já tendo sido ouvinte natural, eu não consegui acreditar que aquilo era possível…

Hoje, quatro anos após esse evento, confesso que nem percebo mais aquele barulho que me incomodou. Para eu ouví-lo, alguém teria que me dizer “que barulho chato esse, né?”. Aí eu prestaria atenção, notaria o barulho e diria: “Nossa, nem reparei! Verdade…”. Parte da graça do meu (re)aprendizado tardio de ouvir é que posso observar de camarote todo o processo que se constroi a nossa capacidade auditiva.

Treasure também fala sobre captar o som e assimilá-lo. Fala que estamos perdendo a capacidade de parar e prestar atenção em detalhes da vida. Que é preciso gritar (no sentido real e figurado) cada vez mais alto, porque estamos nos tornando cada vez menos pacientes aos discurso cotidiano. Quando ele fala isso, meu coração deu um pulo, bateu mais forte e meus olhos se encheram d’água. Pude compreender porque meus textos e vídeos tocam tanto os ouvintes (acho que, de certa forma, tocam até mais que os próprios surdos e ensurdecidos que buscam alternativas para driblar a surdez): não apenas falo sobre o prazer de ouvir, como coloco poesia em algo que a maioria já perdeu a capacidade de assimilar. Felizmente, nada que um simples comentário “pare! ouça!” não resolva. As 3 primeiras dicas de Treasure são basicamente o âmago da história de vida que eu compartilho e tantos apreciam:

– Antes de tudo: OUÇA O SILÊNCIO! Permita-se a quietude por alguns minutos.

– Depois, PRESTE ATENÇÃO NOS DETALHES. Simplesmente dê-se oportunidade de perceber os sons mais bestas do cotidiano.

– Por fim: APROVEITE O PRAZER DE OUVÍ-LOS, APRECIE O MOMENTO. De-se ao prazer do deleite com essas pequenas coisas. Elas enriquecem o vivência de cada momento e são parte integrante da plenitude da vida!

Treasure também diz que deveriam ensinar a escutar nas escolas, porque as pessoas estão perdendo totalmente essa capacidade e um mundo onde as pessoas são capazes de escutar os outros é um mundo onde a paz existe!

Beijinhos sonoros,

Lak

p.s. Alguém já leu a frase principal do meu perfil aqui do blog? Ela foi escrita muito antes de eu sequer cogitar fazer o Implante Coclear. “Para ouvir é preciso de audição, para escutar só é preciso do coração e eu sei que o meu não tem tamanho.”

22 Resultados

  1. SôRamires disse:

    Muito bom meesmo! Aspectos importantes que no dia a dia a gente deixa passar em branco…para quem usa próteses para ouvir é mais fácil ficar em silêncio se bem que meu silêncio é sempre povoado de zumbidos…mas curto demais os barulhinhos da água caindo, da cafeteira, gostava até do matraquear das máquinas de escrever da era pré computador, e já ouvi que velhos jornalistas não gostavam de escrever sem ouvir o som das teclas… 🙂
    Um beijão e obrigada por trazer coisas tão saborosas e úteis.

  2. Marcelo P disse:

    Lak! Adorei essa matéria, foi muito completa, vídeo legendado, um texto maravilhoso e uma frase perfeita, estou reaprendendo a ouvir, agora com quase um mês de ativado percebo que com o implante posso ouvir muito mais do que eu ouço com o AASI, e aprender a ouvir é super importante para as pessoas, a gente aprende muito mais quando a gente para e presta atenção os sons.
    Beijos!

  3. Fernando Cabral disse:

    Muito legal mesmo !!!!!! É a mais pura verdade !!!!! Estamos tão acostumados a simplesmente “ouvir” e nos esquecemos dos ricos detalhes de cada som……FANTÁSTICO !!!!!!

    • Avatar photo laklobato disse:

      Viver plenamente requer sair do automático e apreciar o que a vida oferece em todos os sentidos! Mas, ninguém precisa de 23 anos de silêncio pra isso, né? Hehehe beijos

  4. Deborah disse:

    Te conheço há tão pouco tempo, Lak, e já aprendi tanto contigo. Inclusive a dar valor a pequenos detalhes da vida. Bom, alguns não tão pequenos assim. Aprendi que cada um de nós pode ser tornar surdo a qualquer momento. E que cada um de nós, ouvinte, pode ser um de vocês, um dia. Aprendi que o universo de vcs não é tão diferente assim. Basta ser um surdo oralizado. Basta querer se integrar. E, sim! Vc me pegou pelo coração. Eu te escuto e me esforço para que muitos outros te escutem também. Vou pegar a frase do seu blog e espalhar ela ao 4 ventos.
    Bjs!

  5. Marcia Martinho disse:

    Ah! muito legal!! Uma idéia tão simples, e que se levarmos a fundo, podemos até explicar o por quê de tantas guerras, tantos desentendimentos e tanta violencia. O ser humano conserva a audição, mas esqueceu de como é realmente escutar! Fazendo uma curva no assunto, rsrsr eu entendo o que voce passou com o barulho do ar condicionado. Quando me mudei para este apto em que moro hoje, quase me arrependi da compra que fizemos! Ele fica ao lado da via Anchieta, e noite e dia, mesmo com as janelas fechadas, ouvimos o barulho do transito. Nos primeiros 15 dias eu não dormi direito. Hoje eu me esqueço que este som existe! Valeu Lak, muito boa esta sacada com este vido, e o seu texto. Obrigada por compartilhar!

  6. Cél Bittencourt disse:

    Fantástico o seu post!
    Estou fazendo meu TCC sobre Implante Coclear e vc é fonte de inspiração para mim. Tb estagio no Núcleo do Ouvido Biônico do Hosp. Samaritano e tenho aprendido muito sobre essa tecnologia maravilhosa que é o IC!
    Peço licença para compartilhar esse vídeo.
    Bjs.

  7. Tenho um carinho muito grande pelo DNO, pois aprendi e aprendo muito aqui! E olha que ainda não li ele todo, rsss. Este post realmente dá uma dimensão muito interessante sobre a audição, não somente pelo vídeo, mas também pela contextualização e experiência de vida da Lak. Agora entendi porquê tenho que ler seus post pelos pedaços, Ciborguinha (já que homem não chora, rsss).

    Beijos!!!

  8. Paty(mãe do Kauê um cyborgzinho) disse:

    Sabe Lak, eu me encomodo muito com barulhos, não consigo me concentrar. Minha audição não é muito seletiva e isso tem pioradado com o tempo, por isso adorei as dicas, vou coloca-las em prática, tenho que melhorar muito isso se quero ajudar meu filho aprender a ouvir….obrigada pelo vídeo…bjimmm 😛

  9. Rogerio disse:

    Muito legal o vídeo, deixa bem claro que escutar não é o mesmo que ouvir. No começo desta semana, conversando com um colega de trabalho, chegamos à conclusão de que há uma década éramos mais unidos. A princípio achamos que seria porque éramos um grupo bem menor, até que, por fim, percebemos que a raiz do problema era bem outra: conversávamos mais, brincávamos mais, tínhamos mais tempo para falar de assuntos pessoais. Em resumo, ouvíamos mais. Podem me chamar de saudosista, eu não ligo, mas as atuais ‘regras de mercado’, com a competição ditando o ritmo do jogo, acabam por matar o ato de ouvir. E ao não ouvir, matamos nossa capacidade de captar as coisas simples – e saborosas – que nos são oferecidas.
    Sobre o tal barulho contínuo, não concordo muito. Na minha carreira de ‘easy rider’, não troco minha Kawasaki bicilíndrica por nenhuma de igual potência com quatro cilindros, simplesmente porque não consigo aturar aquela barulheira de fórmula 1 por muito tempo. Minha verdinha produz um som que não agride, feito uma sinfonia.

    • Avatar photo laklobato disse:

      C num vai acreditar… jantei ouvindo um solo de violino esses dias.. obviamente, lembrei docê! Antigamente era melhor, mas dificultava amizades a longas distâncias…
      Beijinhos

  10. Marcela Jahjah disse:

    Lak, isso me lembra aquela famosa frase: “Muitas pessoas escutam, mas são poucas as que ouvem.” Conhece?
    A propósito disso, uma vez, eu estava conversando com uma amiga minha e fiz um comentário qualquer sobre a história que ela estava contando. Aí ela comentou que, mesmo eu sendo surda, eu “ouvia” muito mais do que muitos ouvintes…. hahahahaha…. não tive como não cair na risada! Foi o cúmulo do paradoxo…. rsrsrs.
    Mas é isso mesmo, precisamos aprender a ouvir… em todos os sentidos.
    Claro que adorei seu post mais uma vez… Só não vou falar isso de novo pra vc não ficar metida. =P
    Beijinho!

  11. Rogerio disse:

    Nada contra a tecnologia, o que acho que prejudica o ouvir é o individualismo como subproduto da competição antropófaga criada pelas corporações e disseminada como modelo. Não fosse a tecnologia, nós nem nos conheceríamos, né?
    Eu vi sua postagem no facebook, com a foto do violinista. Algumas pessoas comentaram que você estava linda, e isto me deixou meio atônito: não consegui vê-la na foto. Você está onde?
    Agora uma curiosidade: quando meu filho Lucas nasceu, comentei com a pediatra que gostaria de tocar para ele. Fui terminantemente proibido porque, segundo ela, um agudo de violino seria como veneno para os ouvidos de um recém-nascido. O máximo que ela me permitiu foi o piano, ainda assim evitando notas agudas.
    Qual a sua opinião sobre isso? Teria sido excesso de preciosismo da médica? E como foi ouvir um violino assim, ao vivo? Faz tempo que não pergunto como está sua evolução, então queria saber se já é possível curtir a dinâmica da música e os ‘passeios’ entre graves e agudos.
    Vou tentar gravar uma peça de que gosto muito e, se não ficar muito feia, te mando.
    Beijos sonoros.

    • Avatar photo laklobato disse:

      Hehehe tem duas fotos minhas recentes no face… Uma do violinista e outra do avatar (dá pra ver pela opção de album “fotos do perfil”)…
      Sobre o som do violino, eu achei tão baixinho e tão melodioso, que aqui na minha opinião de quem ouve por IC, soa até estranho pensar que o som dele poderia ser prejudicial. Mas, não sei como é audição de um recém nascido…
      Mas, concordo que piano é fantástico. ADORO!
      Beijos

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