A Libras como parte desenvolvimento da comunicação
Anos atrás, eu fiz uma entrevista com uma mãe, contando a história dela com o implante da filha. Marcella, a filha, nascera prematura e teve surdez como sequela. Ela fez o implante bilateral e hoje tem um excelente resultado, com desenvolvimento da comunicação e discriminação auditiva.
Porém, a história da Marcella não seguiu o “quadro de sucesso clássico” de um implantado. Ela teve dificuldade de desenvolvimento de linguagem e com um ano de implantada, a mãe percebeu que a comunicação dela não estava se desenvolvendo como esperado. E sentiu que era hora de incluir uma ferramenta muito importante na comunicação de surdos: a Libras.
Incluir a Libras na comunicação de um implantado não é tão simples. Assim como existe muita resistência de surdos que não aceitam o implante, existe resistência entre os implantados que não aceitam Libras. Como se fossem caminhos antagônicos que não podem ser usados simultaneamente.
Tanto que as pessoas reclamam que meu blog quase não fala de Libras. Se esquecendo que o DNO é um blog de relato pessoal. Eu falo principalmente das minhas experiências e reflexões. E não, a Libras nunca foi necessária na minha vida, porque sou surda pós língual, que já tinha linguagem completa quando a surdez veio. Não faria sentido eu ficar falando de algo que não faz parte da minha vida. Mas, eu reconheço que pra muita gente ela é necessária sim. E mais do que necessária, ela é uma escolha, um prazer, um modo de vida, uma filosofia, um sonho realizado.
Algumas vezes, mães que estão ainda trilhando o processo de desenvolvimento da linguagem vem me perguntar por que eu não utilizo Libras. Sempre explico que no meu caso, não é uma necessidade. Mas, que sei o básico do básico e saberia ajudar um surdo que não oraliza numa situação de emergência. Por outro lado, se o filho dela precisa, é uma ferramenta excelente de comunicação e deve ser utilizada sem culpa, porque o mais importante não é o IC ser um sucesso, mas a criança se comunicar de forma eficaz. Sabendo expressar o que pensa, compreender o que lhe dizem com clareza. Não importa o caminho que seja trilhado para a criança chegar nisso. E quanto mais cedo a linguagem se desenvolver, melhor é o desenvolvimento da criança socialmente.
Pensando nesse tema, resolvi conversar com a Roselle, mãe da Marcella, que é uma mães que não teve dúvidas de que a Libras era fundamental na vida delas. Essa é a nossa conversa, que vem complementar a História da Marcella no blog e trazer a Libras para mais perto do IC.
DNO: Quando você percebeu que apenas o implante coclear não estava suprindo as necessidades da Marcella?
Roselle: Marcella estava implantada havia um ano (pouco tempo em alguns casos) e eu percebia que auditivamente ela estava bem, mas não falava, não conseguia se comunicar e não compreendia as palavras que pedíamos para repetir. Isso a deixava muito nervosa….
Quando decidiu incluir Libras, você pediu orientação da fonoaudióloga que acompanhava o caso? Se sim, o que ela aconselhou?
A fono de terapia não achou que fosse “prejudicial” e não interferiu na minha decisão. Já a (fono) de mapeamento era contra. Mas concordou que era uma decisão familiar.
A decisão pela Libras veio depois de um episódio “traumatizante”onde Marcella ainda implantada unilateral simplesmente o retirou da cabeça com o AASI e desapareceu com eles, quase surtei ao perceber que aí nossa comunicação ficou comprometida.
Não só por pensar que conversaríamos por sinais nesses casos, mas principalmente que ela entenderia o significado das palavras, teria o conceito. Foi aí que percebi que realmente precisávamos da Libras.
E como as outras mães encararam essa sua decisão?
Sei que tem casos de implantados de outras cidades aqui em minha cidade, mas pelo que ouvi quando a secretária de saúde estadual veio em minha casa (a primeira cirurgia foi feita pelo Sus em 2011) Marcella foi a primeira criança a ser implantada aqui. Depois dela, mais duas meninas fizeram e mantenho contato com as duas famílias. Como elas fizeram com mais idade que Marcella sempre tiveram o apoio da Libras. A resistência foi mais com as “amigas virtuais”…rs
E como foi essa resistência das amigas virtuais? Isso fez com que você se sentisse desconfortável com sua decisão?
Sabe, detesto quando alguém vem afirmar que “com certeza” se a criança implantada aprender Libras não vai falar.
Que temos que “insistir na oralização custe o que custar”.
Penso que esse “custe o que custar” é você ter uma criança nervosa dentro de casa, perdida em um mundo de sons que ela ouve mas muitas vezes não entende, querendo se comunicar e os anos se arrastando.
Nunca me senti desconfortável com a minha decisão, porque sempre tive em mente que a comunicação tem que ser prioridade. No inicio, tínhamos aulas em domicílio. Eram 2 professoras, uma que ficava comigo e outra com ela. E logo na primeira semana ficamos felizes por ver que tinha sido a decisão certa.
Sempre aplaudo e fico feliz por ver o desenvolvimento das crianças que não precisam de nenhum suporte (Libras), mas não aceito o radicalismo, essa situação de “não aconselhar a Libras”, sem saber a realidade do que aquela criança precisa.
E como está a comunicação da Marcella hoje?
Cada dia mais falante e … me ensinando Libras.
Com os 7 anos recém completados, ela passou para o 2º ano da Educação Fundamental (passou, não precisou passar devido a lei) e teve professora auxiliar intérprete nos últimos 2 anos. Sempre frisei com a professora auxiliar que a Libras pra Marcella era um suporte, e com isso, foram diversas vezes que Marcella chegou em casa “falando” e nos mostrando o sinal daquela palavra. Adora fazer vídeos e ao mesmo tempo, que faz vários com as palavras verbalizadas que vem ao seu tempo, também faz sinalizando.
Então, você acha que a Libras foi um divisor de águas na vida de vocês?
Com certeza! Ver que na primeira semana ela já havia começado a aprender e, principalmente, que estava gostando de aprender,me deu uma tranquilidade tão grande. E ri diversas vezes dela corrigindo a posição das mãos do pai, quando ele fazia algum sinal errado. Acho que quando estiver totalmente oralizada, talvez ela não use mais a Libras para se comunicar (hoje usa mais para palavras novas) mas nada impede que ela seja bilíngue e uma intérprete quando crescer.
Qual conselho você daria para mães e pais de crianças que estão com dificuldade de se comunicar, mesmo sendo implantadas?
O conselho seria para cada mãe e pai observar com carinho sua criança. Não fiquem sem se comunicar com ela. Não se frustem se a resposta dela não for tão satisfatória quanto os casos que acompanhamos muitas vezes pela internet, pois cada caso é um caso. O importante é SE COMUNICAR!
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De fato, eu acho que é bem isso. Cada pessoa tem seu caminho, suas necessidades e suas preferências. Algumas pessoas não precisam de Libras e para outras, é fundamental. O mesmo vale para o implante coclear. O mesmo vale para qualquer coisa. 2017 é o Ano da Diversidade! Precisamos abraçar esse tema e reconhecer que não existe um modelo único de deficientes auditivos. Somos pessoas diferentes, com históricos diferentes. Mas todos, com a mesma necessidade de se comunicar, que é uma necessidade humana.
Beijinhos sonoros
Lak
Se a pessoa precisa de libras para se comunicar é ótimo que tenha a opção. Eu sendo surda pós-lingual nunca precisei de língua de sinais, nem convivi com surdos sinalizados. Mas o que interessa é apelar para os recursos disponíveis e não deixar jamais uma criança sem comunicação.
É o q está acontecendo com a Lolo
Excelente, Lak! Parabéns à você, à Roselle e à Marcella. Engrosso o coro, que em 2017 ideias pré-concebidas não nos impeçam de olhar pra cada um segundo suas necessidades e desejos. Viva a diversidade!
Leandro Rocha
Roselle Maria Css me orgulho de vcs amiga. Vc foi atrás de todas alternativas pra Marcella. Temos muito em comum.
Olá boa tarde!
Sou psicopedagoga e faço parte de uma equipe multidisciplinar (1 psicologa, 1 fono e eu) aqui de minha cidade, onde atendemos crianças com IC e conheço Libras.
Temos 4 grupos de crianças IC, cada grupo com 7 a 9 crianças e vimos a necessidade de nós utilizarmos da Libras em um desses grupos para obtermos resposta, êxito com nossas crianças Implantadas, achei interessante a mãe falar quando diz que a “criança tem que ter uma comunicação” é o que explicamos prós país, as crianças precisam se expressar ter uma comunicação, e a libras veio sim pra somar junto a essas crianças.
Nada é regra válida para toda e qualquer criança com deficiência auditiva. Assim como se deve respeitar famílias que optam por não implantar, tendo indicação para tanto, há famílias que escolhem trilhar o caminho da oralização com o implante, mas sem LIBRAS. Ainda que seja mais longo e demorado. Respeitando-se as necessidades da criança, a escolha da família é soberana. Não do Estado e muito menos da Cultura Surda. Se a LIBRAS virar uma regra obrigatória para toda criança com deficiência auditiva, desconsiderando-se a escolha da família, as necessidades individuais dela, então o IC também deve ser uma regra obrigatória para toda criança que tiver indicação médica para isso.
Escolhas, não imposições, são a chave. Respeito acima de tudo também.
Maravilha abordar esse tema, meu filho é usuário de IC, a Fono usa libras como apoio e eu estou em busca de libras também.
Muito bom.