Acessibilidade na Prática

Lembram um texto que escrevi sobre Surdos Oralizados para o blog de um amigo: http://acessibilidadenapratica.blogspot.com/2011/03/surdos-oralizados.html

Pois é, o autor daquele blog é meu amigo da internet há pouco tempo (deve fazer uns 6 meses que nos conhecemos), mas a gente já troca muitas figurinhas pelas redes sociais. Tudo porque o Fred vivia comentando minhas bobagens escritas no twitter e um dia, não aguentei e puxei papo com ele.

O tempo foi passando, a amizade cresceu, junto com muito carinho e troca de conselhos mútuos, já que a gente tem uma experiência – guardada as devidas proporções – em comum: ter deficiência. Fred é tetraplégico desde 2008 por acidente de moto e eu, surda desde os 10 anos de idade. São deficiências completamente diferentes, que aconteceram em etapas diferentes da vida e que ele convive há pouco tempo e eu convivi a vida toda. Mas, ainda assim, são deficiências e, como tal, resultam de uma perda grande e numa mudança radical de estilo de vida.

Como a maioria das pessoas, Fred não conhecia quase nada sobre surdos oralizados, por isso tive o prazer de explicar a diferença entre os Surdos que usam Libras no dia a dia, que apesar da deficiência ser a mesma, muitas das necessidades são diferentes. Enfim, nada que quem lê o DNO  já não esteja careca de saber. Mas, foi uma troca de informações porque eu, admito, também não sabia muita coisa sobre a tetraplegia e, graças ao Fred, comecei a conhecer mais sobre o assunto.

De tanto a gente conversar, Fred botou na cabeça que a gente tinha que se conhecer pessoalmente, quando viesse a São Paulo. E, ao contrário de mim, que falo muito e não cumpro nada (coisa feia!!) ele realmente veio a SP essa semana e tivemos o prazer de transformar uma amizade virtual em real. E vem aí a razão pela qual resolvi trazer essa história até o blog…

Quarta-feira à tarde, estava em casa quando meu celular tocou. Fred havia chegado junto com Maria Alice, fisioterapeuta, que o acompanhou nesta vinda à Sampacity. Chamei o Edu e fomos encontrá-los para ir até uma livraria-e-café que tem aqui perto, conforme combinamos previamente.

Então, Fred salta do carro com uma cadeira motorizada super equipada, me dá um abraço gostoso e pergunta onde vamos. Respondi que a tal livraria-com-café ficava a três quadras e perguntei se ele não preferia ir de carro. Ele disse que não, para a gente ir andando. Gelei! Apesar de eu conversar com cadeirantes diariamente há anos, nunca me dei ao real trabalho de fiscalizar todas as calçadas do meu bairro (mereço uma nota baixa de empatia, né?)  e simplesmente não sabia dizer se as tais três quadras eram acessíveis. Sabia que a Livraria onde ficava o café tinha uma rampa, mas só porque o Edu me disse.

E fomos andando até a tal livraria, enquanto eu observava toda as louquissimas manobras que Fred fazia com a cadeira para burlar os desníveis, os buracos, as eventuais diferenças de piso, as poças d’água, as valetas, a falta de rampas que as calçadas aqui do bairro nobre de São Paulo capital onde moro conseguem a proeza de ter.

Pela primeira vez, senti na pele (dele, claro) o que é a falta de acessibilidade. É muito diferente você ouvir falar ou ouvir o povo reclamar de “realmente ver com os próprios olhos” uma pessoa que você adora ter que fazer malabarismo com uma cadeira de rodas para fazer um mísero trajeto de três quadras!

Senti raiva pelo descaso com as calçadas. Duas vezes, tive o impulso de querer ajudar, mas Fred já era rapidamente apoiado pelas mãos zelosas da Maria Alice e eu ficava até sem graça, achando que poderia atrapalhar. Não sei qual é a etiqueta correta nessas horas, então falei, sem cerimônias ‘quero ajudar, mas estou com medo de atrapalhar’. Eles riram.

Três quadras depois, chegamos na livraria, que realmente tem a rampa sem corrimão nenhum (tenhoséria desconfiança de que aquela rampa é para carrinho de bebês!) mas que apesar das estantes atrapalharem um pouquinho, permitiu que a cadeira do Fred chegasse até os sofás onde queríamos sentar e, por algumas horas, falamos sobre um monte de coisas, bobagens, troca de informações sobre acessibilidade e mais um pouco. Mostrei o IC pro Fred, que o observou com a mesma curiosidade que eu senti em relação à cadeira motorizada dele.

E me dei conta, mais uma vez, sobre a importância do contato com a diversidade do mundo. Lembrei-me de uma frase que li, certa vez e cujo autor não lembro: “Qualquer pessoa que você conheça sabe alguma coisa que você não sabe, mas poderia saber. Aprenda com elas!”

Literalmente, uma aula prática de acessibilidade, dando juz ao nome no blog do Fred: Acessibilidade na Prática.

Beijinhos sonoros,

Lak

26 Resultados

  1. Marcelo disse:

    Espetacular! Já passei por preocupações assim também, e a gente aprende muito com as dificuldade em que os “outros” passam no dia-a-dia, mas sempre aprendemos coisas novas, demais!
    Beijos!

  2. Mila disse:

    Muito bom essa partilha de conhecimento. Naquele dia no twitter, vc me deu um impulso para procurar mais sobre surdez, e me lembrou de algo que eu já sabia, mas me passei: Generalizar é limitar.
    Apesar de ler o DNO algumas vezes, eu ainda sei muito pouco sobre surdos oralizados e tenho muito o que aprender.
    Um abraço e espero um dia te conhecer como Fred o fez.

    • Avatar photo laklobato disse:

      Mila, pouca gente sabe que surdos oralizados existem. E, pior, tem gente que se nega a aceitar que está errado quanto às generalizações que faz. Ter interesse de aprender já é um passo à frente da maioria. Correr atrás da informação então…
      Beijocas

  3. Deni disse:

    Amei este post, pois nos abre os olhos para sairmos do nosso umbiguinho… e sabe o que mais?
    Fiquei chocada ao terminar de ler e constatar na unidade da empresa na qual trabalho que não há acessibilidade aos cadeirantes; pior, junto tem a parte da escola de línguas e putz! Não podem ter um aluno cadeirante pois não estão preparados para recebê-lo! E isso que é uma instituição de ensino conceituada do infantil a faculdade, com presença em outros estados. Não me recordo no momento como é a situação na outras unidades que conheço, mas acredito que a maioria deve ser complicado, pois são edificações antigas… 🙁
    Quanto as calçadas de Curitiba, sem comentários!
    Bjos

    • Avatar photo laklobato disse:

      Complicado, né? Povo acha que deficiência só acontece com os outros. E se alguém aí quebra as duas pernas e fica meses na cadeira de rodas, faz como??? Acessibilidade não é para os outros, é sempre pra todos nós.
      Beijocas

  4. Rogério disse:

    Muito legal esse encontro, foi como a primeira vez que tivemos a oportunidade de conversar ao vivo, lembra?
    Gostei muito do blog do Fred, mas não consegui deixar um comentário, porque está no default do blogger e não permite nada além da ‘conta no Google’. Deixo aqui, então, ao Fred, a sugestão de abrir o leque para os comentários, não se esquecendo daquele “URL…” que permite a não clientes do Google se manifestarem.
    Quando tiver um tempinho, dê um pulinho lá no cafofo.
    Beijos

    • Avatar photo laklobato disse:

      Rogs, falarei com ele, quando ele voltar pra Campo Grande… Mas acho que eles estão mudando o domínio lá e deve melhorar a facilidade dos comentários.
      Beijos

  5. Laura Martins disse:

    Adorei o post, Lak!

    Como cadeirante, sei que as coisas acontecem exatamente como vc descreveu. E, de fato, em geral não conhecemos a realidade do outro. 😀 É por isso que temos preconceitos, né? (pré + conceitos).

    Grande abraço! Aprendo muito aqui, no seu blog! 🙂

  6. Larissa disse:

    Que lindo, Lak… é tão gostoso como vc escreve seus posts, eu sempre fico querendo que vc detalhe mais coisas e o post fique gigantão, rssss. Toooda vez que leio é assim, termina e eu fico querendo mais. É duro ver que simples trajetos deixam de ser simples para um cadeirante, né? Em “uma pessoa que você adora ter que fazer malabarismo”, vc me lembrou um episódio que passei na primeira vez que guiei um cego amigo meu: muita chuva, várias pessoas disputando os mesmos locais nas calçadas, tínhamos que desviar dos “pitocos” e árvores no meio da calçada, e o guarda-chuva de todas elas tirando fino do olho do meu amigo. Nossa, que preocupação, foi nada legal. Aos poucos nos encaminhamos para o fim disto e o início da acessibilidade de verdadeeee, divulguemos 😉 Que bom que vcs se conheceraaaam… beeijos

    • Avatar photo laklobato disse:

      Sério? Normalmente, reclamam que meus posts são muito grandes hahahaha
      Sou prolixa, gosto de textos longos, mas evito fazê-los porque o povo cansa e não lê…
      Beijocas

  7. Maria Alice disse:

    Oieee

    Adorei conhecer vcs!!! Lindo seu texto, fiquei emocionada quando li, tamanha a sinceridade de suas palavras 😉 Olha vc e o Fred são pessoas que escrevem com o coração, por isso conquistam tantos e sempre ajudam muitos!!! Fã de vcs 😉
    Bjss

    • Avatar photo laklobato disse:

      Obrigada, querida. Foi muito bom mesmo conhecer vocês, conhecer de perto a condição do Fred e o seu trabalho. Aprendi muito em 2hs de papo, viu?
      Beijinhos

  8. Miriam disse:

    Comentário totalmente off: o Fred é bonito…

  9. Fred disse:

    Olá, pessoal!

    A Lak acha que é exagero, mas conhecê-la foi um sonho realizado! Adoro essa Ciborguinha!!! Procuro não ler muito o DNO porque dá vontade de chorar do jeitinho que ela escreve, e como homem não chora… hahaha.

    Rogério, estamos mudando a estrutura do ANP e tudo deve melhorar, inclusive a forma de comentar.

    Miriam, escolhemos um local escuro pra tirar essas fotos. Isso escondeu um pouco minha feiura, rsss.

    Edu, você é o cara!!! Gente finíssima! Gostei muito de te conhecer também!

    E Lak, você é demais!!! Fofa, linda, inteligente, sincera… (sou muito puxa-saco dela, mas quero ver quem discorda). Obrigado pelo carinho e conte comigo na sua luta!

    Beijos e abraços!!!

  10. alice disse:

    que legaaaaal!
    que livraria que era? parece mto legaaaaaaaaaal@!

  11. Mariana disse:

    Own!!! Adorei o post! Eu sempre fico revoltada quando vejo algum obstáculo (aliás, sempre é um obstáculo acompanhado de mais um, pelo que eu vi por aí) para cadeirante, cegos… Uma vez, viajei com uma amiga que é cadeirante junto com outros amigos, e no hotel em que hospedamos… bem… a gente queria ir para a piscina que fica na cobertura, mas para o nosso espanto o elevador não dá acesso direto à cobertura, ainda tinha mais dois andares para subir pela escada, ou seja, impossibilitando uma cadeirante de ter acesso à piscina… mesmo comigo e mais 3 amigos juntos carregando, não é seguro de jeito nenhum… reclamamos lá oralmente e por escrito, mesmo sabendo que a culpa é de quem projetou assim, ainda mais para corrigir isso parece infactível (no meu parco conhecimento sobre edificação), acho. Extremamente vergonhoso!!! Isso me parte o coração… no projeto de mestrado (espero conseguir!), pretendo abordar esse tema, acessibilidade, mas, mais especificamente, design universal, que a ideia é a mesma, tornar o lugar acessível para todos sem exceção.

    Bjão, querida!

    • Avatar photo laklobato disse:

      Realmente, tem lugares cujo acesso à quem usa qualquer aparelho para se locomover parece simplesmente impossível. E dá raiva mesmo, embora a gente saiba que essa tal de acessibilidade e inclusão é assunto recente. Antigamente reinava a política ‘cada um por si’…
      Beijinhos

  12. Diefani disse:

    Mal pergunte, quality hairdo vc mora? E pois eh, eu que so necessito de muletas ja sofro, subir escadas e uma missal quase impossivel, chego no topo quasi chorando de dor, cansaco e raiva, imagine como nao e par quem usa cadeira de rodas, eu convivi c cadeirantes someone nos EUA, anode e bem mais facil e acessivel.
    Beijos par vc Lakinha

  13. Crisaidi disse:

    Olá, todos!

    Não tenho ‘nenhum’ problema para andar, mas já levei uns tombos na rua! rsrsrsrs

    Primeiro tombo: me deu vontade de me sentar na calçada e chorar como uma criancinha! rsrssrs Estava tão alegre indo para minha primeira aula contratada por uma escola de idiomas.

    Segundo tombo: foi na véspera de uma consulta no ortopedista devido a um dos joelhos… nessa queda, o outro joelho ficou pior! rsrsrsrs

    Terceiro tombo: pombas! Não acreditava! Fiquei deitada na calçada, de bruços, tamborilando na calçada! rsrsrs

    Moro em São Paulo e é muito raro a gente encontrar 100 metros de calçada (= um quarteirão, geralmente) adequados para um pedestre! E sempre penso naqueles que fazem uso de muleta, bengada, cadeira… Uau! Se eu fosse cadeirante, acho que mandaria imprimir etiquetas adesivas com recadinhos para aqueles que ainda estacionam na frente de guias rebaixadas – que gente egoísta!

    O Brasil é o quinto maior país e não entendo (eu $ei porquê!) as calçadas tão estreitas!

    😮 🙁

    • Avatar photo laklobato disse:

      Que horror! Também sofri muito com as calçadas em péssimo estado quando tive labirintite pós-cirúrgica, quando fiz o IC… Argh, nem gosto de lembrar, viu?
      Beijocas,
      Lak

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