Aventuras Cyborgs nos Pampas (RS)

Perdoem-me os leitores que gostam de textos tecnicos instrutivos, o texto de hoje é estilo “diário de viagem” mesmo, porque de vez em quando, gosto de falar de mim. Sou egocêntica, nem vou fingir o contrário…

Fazia quinze anos que eu não pisava em Terras Gauchas. Pouca gente sabe, mas sou 1/4 gaucha. A família da minha avó materna é toda do Rio Grande do Sul, por isso, já nasci geneticamente adaptada ao chimarrão e à nata, que diz a lenda, serve pra passar na cuca (o bolo, não a cabeça), mas que eu gosto pra fazer biscoito mesmo.

Quando eu estive lá em 1997, no auge da minha juventude, então com 20 anos, viajar para o Sul foi marco de início de um novo período da minha vida. O engraçado é que, 11 anos antes, 1986, estive lá nos últimos meses que ouvi naturalmente, tive a mesma sensação de que aquela viagem mudara a minha vida.

Então, confesso que os dias que antecederam a minha ida ao III Encontro de Implantados e Familiares do RS foram de grande ansiedade. Gosto de mudanças na mesma medida que as temo.

Em 1997, quando estive lá, eu estava num período de tratamento para depressão. Pouca gente sabe, mas fui uma adolescente introspectiva. Não por causa da surdez (com isso sempre lidei bem), mas por conta de problemas familiares. E, nessa época, eu tive um período de reclusão tão bizarro, que minha mãe me sugeriu fazer um tratamento com Florais de Bach e me levou pra viajar pro Sul.

Foi em Caxias do Sul que me apresentaram a internet,o lugar onde eu, ironicamente, consegui estímulo para sair do meu casulo. Realmente, a partir daí, a minha vida deslanchou e me transformou na pessoa que eu sou hoje. Tudo, mas tudo mesmo, que me tornei, devo a essa viagem. Decidi fazer faculdade – porque até então, eu apenas estudava fotografia, em curso livre – voltei a namorar, encontrei dezenas de amigos que tenho hoje e, 12 anos mais tarde, criei o DNO, que me levou ao Implante Coclear e ao trabalho voluntário de divulgação dele e do grupo dos surdos oralizados que faço hoje.

Portanto, entrar no avião e embarcar, sozinha, rumo à Porto Alegre parecia ser como voltar a um lugar mágico da minha vida. E os sinais de que a aventura seria maravilhosa já começou no avião, quando deparei-me com a revista da TAM que trazia a entrevista da minha amiga e parceira Paula Pfeifer, autora do Crônicas da Surdez. E não tive nenhuma vergonha de pedir para o desconhecido sentado ao meu lado tirar uma foto minha com a revista:

Eu e a reportagem da Paula: Aberta Para o Mundo!

Uma hora de vôo depois, cheguei no Aeroporto Salgado Filho, onde fui recebida por vários amigos.

Aliki, Marcus, Guilherme, eu, Rodrigo, Raul, Letícia e Helena.

Como o encontro seria só no dia seguinte, deu tempo de sentar na mesa da casa do Gui Chazan e tomar um vinho na companhia dele e do Raul Sinedino…
Eu digo isso sempre e vou me repetir sem a menor cerimônia: é sempre bom ter amigos em condições parecidas com as suas. Especialmente porque você acaba se vendo no outro e dando risada das mesmas manias. Raul, por exemplo, tem a mesma mania de ficar mexendo em tudo que vê pela frente, enquanto conversa. E a mesma mania de usar a leitura labial pra falar algo em particular com alguém. O ruim é que a gente faz isso mesmo no meio de outros surdos oralizados e ai, todo mundo entende a conversa hahahaha

Muita gente chama o Raul de muso, porque ele fazia grande divulgação do implante coclear há alguns anos. Eu chamo ele de muso porque desde que nos conhecemos, ele me enchia o saco pra eu fazer o IC também haha

De manhã cedo, fomos passear no Mercado Publico de Porto Alegre e fazer um rápido turismo, antes de rumar ao Encontro de Implantados.

Da esquerda pra direita: Marcus Felipe (implantado), eu (implantada), Gui Chazan (implantado) e Rodrigo Nunes, usuário de AASI bilateral.

Finalmente no encontro, feito no mais tradicional estilo gaucho, tomamos chimarrão, comemos comida campeira e aproveitamos a companhia uns dos outros. Alguns implantados, familiares, gente que vem pra conhecer os implantados e ver se quer realmente fazer o implante. Esses encontros são sempre importantes da gente participar, porque é um bom lugar para trocar informação. Para encontrar gente que acompanha a nossa jornada pela internet. Mas também, porque é um momento de simplesmente compartilhar as alegrias, para ser feliz na companhia de gente igual a você, com história de vida similar…

Vou colocar algumas fotos do encontro (sequestradas do album do Marcus Felipe, implantado do Rio de Janeiro) sem descrição para os amigos deficientes visuais, por falta de tempo pra fazer isso agora. Assim que tiver uns 10 minutos, atualizo o post com a descrição das fotos, ok?

Juliana e Dieguinho, o primeiro bebê biimplantado com menos de 1 ano, no Brasil. Hoje, com 2 anos de idade, falando normalmente e ouvindo perfeitamente sem apoio da leitura labia.

Pessoal reunido pro almoço....

Gauchos e visitantes, surdos e ouvintes, reunidos para jogar conversa fora, trocar experiencias e dividir um chimarrão

CTG onde a galera se reuniu

Rodrigo Nunes (usuário de AASI - de Porto Alegre), Marcus Felipe (implantado - do Rio de Janeiro), Diana Sampaio (usuária do implante Baha - de Salvador), Marcelo de Paula (biimplantado, de São José dos Campos), Renata Lé (implantada de São Paulo) e Geraldine Oliveira (mãe do Maurycio, biimplantado de 2 anos, de Porto Alegre)

Gil Muner e Marcus Felipe (ambos implantados). Gil foi presidente da ADAP, a principal associação voltada para o bem estar dos usuários de próteses e implantes auditivos.

Com Paola Palópolo, mãe da Nina, implantada. Paola veio conversar comigo para contar que é uma grande fã do DNO!

Deixei Porto Alegre de coração apertado. É preciso bem mais que 22hs de estadia para poder aproveitar bem aquela terra. Não sei dizer se, como das outras vezes, ter estado no Sul significará uma mudança na minha vida. Mas, certamente, deixei um pouquinho do meu coração lá, com amigos surdos e ouvintes, que permanecem em terras gauchas, mas que moram aqui no meu coração. E volto para casa com a certeza de que a internet transformou a minha vida. Principalmente, porque me tornou capaz de transformar as vidas de outras pessoas também. No fundo, acredito piamente de que estamos todos conectados uns aos outros!

Sim, verdadeiramente adaptada geneticamente, ao chimarrão. Taí a prova!

Beijinhos sonoros,

Lak

P.s. Parabéns aos organizados do evento: Geraldine Brandeburski de Oliveira, Mara Knob e Raul Sinedino (se eu tiver esquecido alguém, me avisem).
Parabéns também à Adap, Politec e Espaço Escuta, pelo apoio.