Curas infalíveis
Logo que eu fiquei surda, foi aquele desespero geral…
Porque sabe como é, as pessoas tem horrores de doenças, ainda mais se a “doença” em questão for uma mudança radical de condição física, também conhecida comumente como “deficiência”.
E, como meus pais não eram exatamente experts em lidar com pessoas com deficiência, somado ao fato que na década de 80 mal se falava sobre deficiência, eles tiveram que aprender a lidar com a minha nova condição a partir do zero.
No dia que eu acordei surda, minha mãe teve uma certa dificuldade de entender que eu não estava ouvindo e me mandou pra escola daquele jeito mesmo, sem audição nenhuma. Foi um pouco complicado assistir aula, porque eu estava em choque e ainda não estava lá muito acostumada a fixar os olhos na boca das pessoas pra ler. As pessoas gritavam comigo e a minha professora nojenta – eu detestava ela desde o ano anterior, porque ela tinha mania de me perseguir só Deus sabe por que, mesmo quando eu era uma pessoa sem deficiência nenhuma (era algo relativo a minha mãe discordar de toda a metodologia dela nas reuniões de Pais e Mestres) portanto não dá pra alegar preconceito – ficou me mandando pro médico a aula toda hehehe.
No dia seguinte, começou minha longa peregrinação por médicos especialistas, médicos não tão especialistas, terapias alternativas, curadeiros espirituais e curas tabajaras de plantão.
Médico mesmo, desses otorrinos sérios, eu estive em cerca de 18. Cada um com os diagnósticos mais complexos que o outro, sem dizer nada que realmente se aproveitasse, porque na época era raro, rarissimo alguém perder audição bilateral quase totalmente por caxumba (hoje em dia já começa a ser comum, viu?). A maioria deles embromava e não dizia coisa com coisa, salvo um ou outro iluminado que se atinha ao fato de que, diante da surdez, era mandar pra fono pra terapia de manutenção da fala, procurar aparelho auditivo adequado e me manter em escola comum, já que eu lia os labios maravilhosamente bem.
O irônico era o quanto as pessoas NÃO ficavam satisfeitas com isso. Todo mundo cobrava dos meus pais uma cura completa e choviam sugestões de cura espiritual, simpatia e reza braba pra me curar. As pessoas realmente ficavam indignadas deles não terem buscado tal recurso mirabolante ainda.
Vi-me em centros religiosos em pleno sábado a tarde, numa fila com gente que parecia estar precisando de ambulância e não de religião naquela hora (nada contra a fé, heim?!). E a sugestões de simpatias mais malucas tipo comer um bicho que dava em amendoins ou beber óleo de jacaré. Tudo sempre iria me curar magicamente o que a medicina tradicional era incapaz.
A prática mais bizarra de todas exigia que se passasse cera de vela numa folha de papel, fizesse um cone e acendesse pro “vapor e calor” desentuperem meus ouvidos e me curarem por milagre.
O resultado disso tudo, uma série infindável (mas que teve fim grazazels) de esperanças seguidas de frustrações que hoje me fazem ter total antipatia por curas miraculosas…
Eu acredito em milagres sim, mas acho que tem horas que o mais importante é manter o pé no chão. Diante um diagnóstico de deficiência ‘irreversível’ a primeira sugestão que eu daria era:
Tratem o desespero, que ele nos cega num momento de fraqueza.
Depois, vale a pena investir em tratamentos garantidos, mesmo que fiquem sequelas. Ter uma voz com sotaque de surdo é melhor do que não ter voz nenhuma, o importante é se fazer entender. Usar cadeira de rodas ou muleta, contanto que se tenha independencia de ir e vir pode ser a melhor saída. Não vejo nada demais em usar prótese e, no dia que os usuários pararem de se envergonhar (valendo pra todas as próteses, grandes ou pequenas) o mundo começará a aceitar que os fins justificam os meios, como diria Machiavel.
Por fim, jamais deixar de lado a necessidade de apoio psicológico. Todo mundo precisa de terapia, especialmente diante de uma mudança brusca ou de uma constatação de que não se é de acordo com os padrões. Ajuda na auto-aceitação, que é a parte mais importante para o sucesso de uma pessoa com deficiência.
E, enquanto isso, lembrem-se: Não adianta querer milagres e curas rápidas, às vezes é possivel, mas na maioria não é.
Meu implante, por exemplo, tem decepcionado muita gente que achava que era a mesma coisa que abrir uma tampinha de garrafa que eu estaria logo ouvindo perfeitamente. Não é assim, felizmente. O processo é longo o suficiente pra dar tempo de curtir todas as etapas com calma.
E, apesar de eu não ser uma pessoa religiosa, quando bate o desesperto, vale a pena fazer a Oração da Serenidade: “Dai-me a serenidade para aceitar as coisas que eu não posso mudar, coragem para mudar aquilo que posso e sabedoria para distinguir a diferença.”
É, eu também tenho meus dias de auto-ajuda hihihi
Beijinhos sonoros
Lak
p.s. homenagem ao post de hoje do Assim Como Você, de Jairo Marques.
Bom, pelo menos vc não entrou no bucho da vaca, né?! 😀
Eu concordo com tudo q vc falou, mas sei que é mto difícil parar uma mãe desesperada nessas horas… Muitos filhos acabam aceitando essas tentativas milagrosas só pra não ver a mãe mais desesperada ainda….
Beijinhos!!
Hahahahaha por pouco… É que não moro no interior e não seria muito viável.
Eu sei que no desespero a gente pira na batatinha, mas mesmo assim, não dá pra exagerar! Ademais, o blog serve de alerta, mas quem é que vai vir aqui ler? hihihi
Beijinho
Oi Lak!
Discordo de seu comentário aqui em cima, MUITA GENTE vai vir aqui prá ler sim!
Principalmente quando “acabou de descobrir o problema”, porque é nessa hora que as pessoas começam a procurar as soluções mágicas!
De resto concordo em 100% com você! Vamos respeitar a fé alheia, mas vamos com calma! Muitas vezes na procura desesperada por uma saída, esquecemos de procurar justamente a porta!
Beijos!
P.S. Acredito que a maioria dos leitores do blog esteja muito feliz com seus resultados, não há motivos para frustrações, só para comemorações!
Hehehe
Acho que um resultado não tão mágico, mas garantido, é melhor do que uma promessa mágica sem garantia nenhuma.
Mas claro que eu sou eu….
Beijinhos
Lak assim como as pessoas gostariam que o resultado do seu implante fosse como abrir uma porta e passar de um ambiente pra outro, deve ter sido quando ficou surda. As pessoas querem respostas imediatas. Beijosss
Eu percebo respostas imediatas do IC, mas é porque a minha percepção é diferente. Disso que se esquecem, né?
Felizmente, quem acompanha o blog de fato, se encanta com os resultados lentos junto comigo. É emoção compartilhada… beijinhos
Amei o post Lak! Realmente, as pessoas não se contentam com nossas pequenas conquistas. Hoje em dia já nem discuto mais sobre curas miraculosas…escuto e digo muito obrigado. Mas enche o saco mesmo.
Mais importante que curar-se é, talvez, entender o que se tem.
Bjs
Verdade!!
Beijos
Quando criança, até os três ou quatro anos, sofria de uma bronquite danada que não me dava trégua. Fui cobaia de todas as experiências ditadas pela sabedoria da vizinhança, porque na época ainda não era cricri nem questionador como hoje. Tinha de tudo: banha de galinha derretida no peito, umas gororobas que tinha que comer (ainda hoje não sei os ingredientes), até as curas milagrosas prometidas pelos bruxos de plantão, o que incluía um pozinho mágico que colocava na meia e dava um chulé dos diabos. Não critico meus pais, entendo que eles queriam me curar e a sofreguidão fê-los despir-se de bom senso. Livrei-me da bronquite alguns anos depois, e não faço a mínima idéia do que foi que me curou.
hahahahaha deusulivre!!
Mas, bronquite de criança tende a sumir. A do meu pai tb sumiu. A do marido virou rinite alérgica hehe
E também, o que importa? Sumiu? Já era… Questionar pra quê?
Beijos
Que bizarro que nada, o que vc descreveu é um eficiente método indiando que substitui maravilhosamente a lavagem, para retirar os tampões de cera do ouvido que ensurdece muita gente. Basta substituir o canudo de papel por tecido de algodão. Faziamos isso pro papai, que era marceneiro e tinha um ouvido super produtor de cera, que misturado ao pó de serra vivia tampado. Ai o pobre tinha que sofrer fazendo lavagens, depois que aprendemos o método ficou tranquilis, tranquilis. Limpeza garantida completamente indolor!!!
Independente da época que descobrimos a deficiencia, ela sempre abala por que normalmente não estamos preparados para ela. Somos cegos para tudo que não nos atinge!
Como vc sabe sou religiosa, por isso LM, foi poupado de toda sorte de credices que existe na praça. Mas até hoje, não deixo de pedir ao nosso bom Deus que o cure! E acredito que ele será curado! Mas Deus age em nossas vidas ao seu modo, e nào ao nosso. Com certeza ao ver meu filho escutando através de um implante. Agradecerei a Deus por esse “milagre”!!!
Beijo
Hahaha Mas Luiza, não era o meu caso…. Não fiquei surda por conta da cera, daria pra ver, se fosse, com otoscopio hehehe
Enfim, tenh certeza que estava acompanhada dos deuses (sou hinduista e acredito em varios) na hora que fiz o implante. Senti a presença divina naquela hora. Enfim.. Seja qual for a fé, ainda acho que deus não precisa de bizarrice pra curar. Ele sabe o que faz. Com certeza, seu filho será abençoado com o oimplante dele!! Beijos
Isadora, bebê ainda, foi enterrada na areia, até o pescoço, literalmente, todos os dias. Depois tomava banho numa bacia de gelo, isso por longos seis meses, quando ela teve que se mandar do cerradão do DF para o litoral para se submeter ao tratamento indicado por um médico-charlatão famoso! Vivendo, se frustrando, caindo na real e aprendendo. A vida é assim! Belo post de homenagem você fez! O assunto é sempre bem vindo! Mais beijos procê hoje, frô.
Nossa, jura? Meldels! Chocada!