Desabafo: Perda auditiva unilateral também é deficiência!

O texto abaixo foi escrito por uma moça que conheci  por uma amiga em comum, que reclama da pouca divulgação, da ausência de conhecimento (o termo correto seria “ignorância” mas costuma ter significado pejorativo) da população e, principalmente, da deficiência auditiva unilateral não ser reconhecida como deficiência no Brasil (em muitos lugares do mundo é, porque significa um deficit na  capacidade auditiva!).

Então, segue abaixo o desabafo dela:

Meu nome é Roberta Chamorro Galvão, tenho 30 anos e moro em São Paulo. Sou comissária de voo há 11 anos e este ano me formo em jornalismo.

Já escrevi matérias jornalísticas sobre diversos assuntos, já entrevistei diversas pessoas, já frequentei feiras de exposições com diversos temas, sendo que a última foi no ano passado (2011), em abril, para fazer uma matéria que eu sugeri sobre tecnologias em reabilitação, inclusão e acessibilidade. Um mês depois, sem nunca pensar na possibilidade, me tornei uma pessoa com surdez unilateral.

Vocês devem estar pensando, como assim, uma pessoa se torna surda de uma hora para outra. Pois é,mas as pessoas podem sim perder a audição de uma hora para outra. A audição é um sentido muito frágil. Não vou dizer que no meu caso foi de uma hora para outra, mas depois de uma cirurgia de timpanoplastia, uma espécie de enxerto feito no tímpano, eu comecei a perceber que não estava mais escutando e depois de muitos exames ficou comprovada a minha surdez.

Tudo isso ocorreu devido a minha profissão , como já disse , sou comissária de voo há 11 anos, ou seja, meu primeiro voo ocorreu em janeiro de 2001. Durante um voo em 2007, eu estava trabalhando e durante a descida do avião comecei a sentir uma dor insuportável no ouvido direito, seguida de secreção que saia sem parar do meu ouvido. Chegando a São Paulo procurei um médico e ficou constatado uma perfuração timpânica devido o diferencial de pressão que ocorre principalmente durante pousos e decolagens. Fiz uma série de tratamentos e a única solução foi fazer uma cirurgia de timpanoplastia. Fiz esta cirurgia e meu ouvido ficou “novinho em folha” e minha audição 100 % em ambos os ouvidos. Depois que me recuperei voltei a trabalhar normalmente e nunca mais senti dores durante decolagens e pousos.

Em 2011, mais uma surpresa! Voltando de uma viagem a trabalho, durante a descida, tive a mesma sensação de 2007, muita dor e secreção, no mesmo ouvido que eu já havia operado. E adivinha o tratamento sugerido? Cirurgia de timpanoplastia novamente. Lá fui eu, passar por tudo de novo com a esperança que meu ouvido ficaria novinho em folha.

Vocês devem estar pensando, nossa, mas porque ela não parou de voar já em 2007? Essa pergunta eu me faço todos os dias da minha vida, se eu soubesse das consequências………

Enfim, após a cirurgia nunca mais voltei a escutar do ouvido direito. Não posso dizer que foi um erro médico, afinal de contas não tenho como saber. Jamais julgarei os profissionais que cuidaram de mim durante todos esses anos, afinal de contas fui tratada sempre com muito carinho por eles. E apesar de tudo aconselho que todos façam essa cirurgia se for necessário, não é porque infelizmente eu fiquei surda, que você também ficará. Nada foi comprovado que minha surdez foi consequência da cirurgia.

Acredito que na vida, os acontecimentos servem de aprendizado e temos que conviver com eles, afinal de contas temos que conviver com aquilo que temos e não com aquilo que podemos ter, não é? A vida, não é fácil para ninguém e temos que abraçar cada momento e desfrutá-lo como se não houvesse amanhã.

Comigo foi assim e, é deste jeito que continuarei vivendo, porém lutarei a cada minuto da minha vida por meus direitos, e por eles atravessarei fronteiras se for preciso.

Infelizmente vivemos em um país, que desculpa a expressão, alguns governantes só olham pro próprio rabo, aquilo que gera lucro para eles, automaticamente gera interesses também. E surdos não geram lucros.

Só quem tem um problema ou até mesmo perda da audição, sabe o quanto é difícil não escutar aquilo que queremos ouvir. Posso dizer que às vezes passo o dia irritada de tanto perguntar, a cada dois minutos da conversa que? ã?

Muitas pessoas que não sabem que existem surdos de um ouvido só, dizem em voz alta durante uma conversa: “Pô você é surda?” e quando você responde sou, a pessoa da risada da sua cara.

Eu não gostaria de ser surda, afinal de contas passei meus 29 anos ouvindo muito bem, mas o que mais me incomoda ultimamente não é minha surdez e sim o descaso das autoridades com relação às pessoas com surdez unilateral.

Você sabia, que uma pessoa com surdez unilateral, não é reconhecida como deficiente pela Lei que temos em vigor? Você sabia que não temos direitos nenhum por não ter audição de um ouvido? Você sabia que em caso de concorrer a uma vaga em concursos públicos, não temos cotas? E o pior, você sabia que quando vamos procurar emprego como pessoas “normais” somos discriminados? Nosso problema está oculto na sociedade em que vivemos.

Por isso mais uma vez, eu imploro que os senhores governantes sérios deste país olhem por nós. Com certeza o dia que os senhores mencionarem a possibilidade de fazer algo por nós, eu estarei ouvindo tudo que os senhores têm a dizer com o único ouvido que me resta, mesmo que eu tenha que dizer que? ã? o resto da minha vida .

Roberta Chamorro Galvão 28/03/2012

É, eu entendo bem essa coisa de diminuir a nossa deficiência argumentando que “não é tão grave”. Mania do povo achar que pimenta nos olhos dos outros é refresco!!

Beijinhos

Lak