Desculpe, eu não ouvi!
Muita gente nova por aqui; e finalmente crio coragem de falar porquê o blog tem esse nome. A principio, parece brincadeira. E eu sou – tento ser – uma pessoa bem humorada (a maior parte do tempo).
Ainda tenho os meus cinco minutos flamejantes de explosão de raiva, irritação, mau humor, mas que quando passam, volto a ser o anjo de candura que costumo ser.
Primeiro, é preciso saber uma coisa: dou risada de tudo. É comum eu brigar com alguém e, do nada, ter um acesso de riso e fazer uma piada fora de hora.
É comum também, tirar sarro de qualquer coisa, inclusive das minhas desgraças que, felizmente, são bem poucas. Eu não tenho tempo pra ser infeliz.
E é comum eu enrolar o máximo que posso, pra evitar um assunto que não gosto, tal como faço agora.
“Desculpe, não ouvi!” era o nome do livro que eu escrevi, há exatos 10 anos, mas nenhuma editora se interessou. Tudo bem, era um livro chato que nem eu mesma tenho paciência de ler. Ele não acrescentava nada e não dizia coisa alguma. Era embromação do começo ao fim. Tudo porque tinham me incentivado a escrever – isso, me fazem desde que me entendo por gente, afinal sou uma Lobato – e que girava, obviamente, em torno da minha surdez.
A escolha desse nome sempre foi motivo de piada. “Ah, Lak, você é ótima! Adoro seu senso de humor!”
Mas o que ninguém sabe, é que palavras tem uma história, que conto só agora…
*
Era a manhã de 16 de fevereiro de 1987. Acordei cedo, às 8hs, coisa que eu fazia, porque era criança e dormia cedo também. Aquele, seria o meu primeiro dia de aula da quarta série e eu estava empolgada para rever os amigos que tinham me acompanhado no ano anterior.
Mas, não era apenas o fato de dormir cedo que me fazia acordar cedo. Eu acordava porque às 8hs começava uma obra em frente a minha casa e o barulho das máquinas me tirava o sono.
Naquela manhã, eu acordei e o meu quarto estava em silêncio. Num estranho silêncio difícil de compreender. A minha reação, óbvia, foi chamar minha mãe – eu sabia que ela estava em casa.
Mas eu não tive resposta nenhuma. Ela teria saído?
Comecei a andar pela casa, procurando a voz da minha mãe. Não achei. Parei na sala, em frente a janela, pra compreender por que eu não ouvia o barulho da obra, aquela maldita obra que sempre me acordava e sim, contra tudo o que eu podia imaginar, ela estava ali, a pleno vapor. O silêncio era meu.
Nesse instante, uma mão tocou meu ombro, fazendo com que eu me virasse.
Vi minha mãe dizer (porque eu pude ler seus lábios, afinal “quando Deus fecha uma porta, abre uma janela”):
– Lak, eu estou aqui, você não está me ouvindo?
E a minha resposta, naquele instante onde toda a minha vida iria mudar, foi exatamente essa:
– Desculpe, eu não ouvi!
É difícil eu chorar quando conto essa história normalmente. Uma parte de mim congela, quando penso nisso. Sou boa em maquiar a situação conforme me convém, é um dom que eu tenho desde pequena. E essa situação foi tão dolorosa, que eu sempre coloco ela a dois passos de distância e conto como se fosse uma história que não é minha.
Até porque talvez não seja. Talvez eu tenha 10 anos a menos que mim mesma, e eu tenha nascido naquele instante que eu proferi essas palavras “Desculpe, eu não ouvi!”, uma nova Lakshmi, uma nova eu.
Não dá pra dizer que a minha vida não mudou. Quando você sofre uma grande perda, fica doente, passa a ter uma deficiência, tudo em você muda. Muda o mundo em relação a você. As pessoas que antes te sorriam, passam a te olhar com pena. O que antes era fácil, agora requer sacrifício. O que antes estava ao seu alcance, se torna aparentemente inacessível.
Mas, felizmente, nem tudo é ruim. Se antes, as coisas não tinham importância, porque eram banais, hoje são a centelha de luz que você busca, pra transformar o comum em mágico. Se antes, o seu esforço passava despercebido, hoje se torna admirável.
Você tem chance de, numa única vida, conhecer mais de um universo. E poder falar sobre ele. E as pessoas te ouvirem, porque o que você diz, tem todo o peso de quem caiu e se levantou.
Mas hoje, 22 anos depois daquela manhã, conto essa história com lágrimas nos olhos – e sinto um alívio enorme de conseguir chorar – porque eu sei que não é a história de outra pessoa, mas a minha. Mesmo que não seja um história digna de contos de fadas porque não é simplesmente bonita e leve, como as histórias das princesas. É uma história humana, real, triste, mas, às vezes, serve pra ajudar outras pessoas…
O meu livro terminava com essas palavras:
“As pessoas dizem que eu sou corajosa e eu me sinto envergonhada. Porque não é coragem que me leva a escrever, é o medo.
É medo de fracassar.
Medo de errar.
Medo de não ter em quem me espelhar, ao longo da minha vida.
Mas, de repente, alguém virá para me dizer “puxa, Lak, ler as suas palavras me deu forças pra tentar” e vai ser nesse instante que verei minha vida não tem sido em vão.
E então, finalmente eu hei de compreender que todo esse meu medo terá valido a pena.”
Beijinhos,
Lak
Poxa Lak que linda sua ultimas palavras… me deram um up nesse dia tão cheio de coisas pra fazer. Super beijo 😮 (adoro esses sapinhos rss)
Tá vendo como elas são verdadeiras? hihihi
Beijinhos e ótima sexta.
Oi Lak, lendo o seu texto vi que realmente meu problema não é nada comparado ao de milhares de pessoas, mas ele me faz sofrer e não me aceitar. Mas de vez em quando me deparo com histórias como a sua, me envergonho por colocar tanta dificuldade nas coisas.
Beijo!
Problema? Que problema? Não tenho problemas, gata! hihihihi Beijos
Lak, que tal entao fazer um upgrade do teu livro, ja q vc diz ser tão chato, tão monótono. Vc pode aproveitar trechos do outro livro.
Já vi que temos outra coisa em comum: escrever.
Mas eu só escrevo quando tenho algo triste a dizer ou algo muito, muito, muito alegre. Qd algo me emociona/decepciona, eu escrevo.
Acordar da noite pro dia e nao ouvir, não é nada fácil. Quem já nasceu assim, acredito que é mais fácil a aceitação, já que sempre fez parte da nossa vida. Nao teria como ter sido diferente, já que nasci assim. Por outro lado, vc foi beneficiada da sua educação inicial (alfabetização) não precisou ter sido especial, com aquela rotina pesada…
Admiro vc, pelo modo de ser e de maquiar as coisas, do jeito q realmente são.
bjs 😛
Sim, a gente perde por um lado, ganha por outro… Tudo tem vantagem e desvantagem, Não teria por que ser diferente nessa situação…
Quem sabe, dessa vez consigo editora, né? haha
Esse lance de maquiar as coisas, é porque me recuso a aceitar que as coisas não possam ter um lado bom, bonito, leve…
Otimismo incorrigível? Talvez! Mas, que graça tem só ver o lado ruim das coisas?
Beijinhos
Oi, Lak…te “conheci” no blog do jairo e, mesmo vindo espiar de vez em qdo, hj resolvi escrever pq vc escreveu uma das verdades mais absolutas:”Quando você sofre uma grande perda, fica doente, passa a ter uma deficiência, tudo em você muda. Muda o mundo em relação a você”. O texto está lido e o seu blog é, de longe, um dos mais caprichados que já vi!!!Vou voltar mais vezes…posso,rs? parabéns!!!um grande beijo e bom fds! 😀
Ei, Ludmila, bem vinda!!
Mas sabe? Mudar de perspectiva também é bom… E como nem sempre a gente faz as coisas por nós mesmo, a vida se encarrega hehehe
Beijinhos e volte quando quiser. Sempre tem um cantinho no sofá, um cafezinho quentinho, pras visitas, por aqui…
Beijos
FILHA DE UMA MÃE hhahahahaaha me fez CHORAR hahahahahah tá bom q eu sou uma menteiga derretida MASTER, mas chorei mesmo que nem bebê. Mt bonito o post e você deveria dar uma revisada no seu livro e procurar uma editora eu compraria com certeza kkkkk mas eu ia querer um autografo hahaha. Beijoooos
Maybe, quem sabe. Por enquanto, tô torturando vocês de graça mesmo huahauhauahua =P
uma vez essa estória me chamou atenção qdo vc aparecia lá pela comunidade… vc comentou que foi consequência da doença… foi exatamente a situação que me passou pela cabeça: uma criança acordando e de repente não escutar mais nada!… se fosse uma situação “de nascença” a pessoa simplesmente naturaliza… mas perder um sentido de uma hora pra outra com certeza é uma coisa dramática mesmo, né… não tenho pena de deficientes mas não escondo que me sinto abalado retrospectivamente pelo impacto da ocorrência (mais ainda qdo se trata de uma criança!)… depois disso, e falo com toda sinceridade do coração, tenho profunda admiração pela força de vontade, pelo que me ensina sem ter a mais leve pretensão disso… olhei outros blogs que vc indicou aqui no seu… simplesmente não tenho como comentar neles pq qq. coisa que eu diga me parece dispensável… eu não tenho limitação nenhuma e às vezes vejo que tenho a maior de todas: uma desilusão, um desencanto, um cansaço da realidade, Lak 😥 … pode parecer piegas, mas o efeito sobre mim de relatos como o seu me dão alento… (não é só situação de deficiência mas de superação tb, como aquelas crianças que pedalam, remam, caminham horas pra chegar numa escolinha desassistida e encontrar uma professora mal-paga)… essas coisas têm pouca visibilidade na mídia, né… deviam ter mais, eu acho…
mais beijos, Lak!… seu brog me faz bem!!! 🙂
Fiquei sem palavras (e isso é raro), Juca!! Beijão enorme…
Olá Lak!
“Você tem chance de, numa única vida, conhecer mais de um universo. E poder falar sobre ele. E as pessoas te ouvirem, porque o que você diz, tem todo o peso de quem caiu e se levantou.”
Bingo!!! É isso querida…
É verdade… tudo muda… inclusive nós mesmos…
Obrigada por compartilhar sua história, viu!
Grande beijo.
Hehehe somos parecidas nesse aspecto, né? Ainda bem…
Beijos
Olá Lak,
Belo post. A cada dia você mostra quão bela é a sua superação frente a perda que teve. Mas é isso mesmo que devemos fazer né? Afinal, se não acreditarmos em nós e em nossa superação, quem acreditará?
BjuS! E conto que um dia irei ler um livro seu! 😉
Edelson, a unica opção seria sentar, chorar e desistir de viver ali mesmo. E não, não considero isso uma alternativa. A gente tropeça, mas continua caminhando!!
Beijinhos
P.s. ai ai, esse livro, viu? haha
Conheço essa história muito bem… e ainda assim meu olho enche d’água toda vez que falo dela, que ouço vc contar ou que leio (como agora)… o sentimento que vem junto das lágrimas é que foi mudando: antes era o medo, que iria tomar conta de mim caso a personagem dessa história fosse eu, depois veio uma angústia solidária ao sofrimento da minha melhor amiga (praticamente minha irmã), em outros momentos senti muito orgulho dessa pessoa que eu amo tanto ser isso tudo que é, agora sinto saudade… saudade de poder estar com vc mais vezes e chorar e rir ao mesmo tempo!
Beijos 😀
Falei que não era pra você ler huahuahuahauhaua Tb te amo!
Hoje e sempre!
Vixi… falei bobagem…
Desculpaê visse??? 😀
Hahahahahaha tava brincando com você. Relaxa… =P
Lak, pq não retomar e reescrever o livro agora? de forma mais madura e agradável, com mais calma e do jeito que vc acredita que um livro sobre o assunto deveria ser?
A sua visão da deficiência ébastante interessante e de repente vale a pena falar dela num livro
Quem sabe? No momento, tenho curtido entreter vocês por aqui mesmo…
Beijinhos
Lak, sublimar uma perda (acho que você imagina do que estou falando), seja ela qual for, é um exercício diário de determinação e teimosia. Mas aquela teimosia que dá boas lembranças, que causa orgulho e principalmente satisfação por não ter desistido. Acho que já falei antes que adoro as coisas que você escreve, mas hoje você se superou, arrebentou, virou meu ectoplasma do avesso só prá ver o que tem do outro lado. Parece que vou poder ir a SP dia 30 para o encontro (a confirmar), acho que vai ser ótimo conhecer ao vivo e em cores aquele bando de doidos. Um beijo, linda, e tenha um fim de semana de paz juntamente com o Edu e todas as pessoas que ama.
Vem sim, vem vem vem!! Esse encontro parece estar dando vislumbre que será um encontro de Mahatmas (grandes almas)!!
E sim, meu pai falou aqui, num texto que ele fez falando sobre a experiencia de trabalhar com deficientes visuais, que a minha determinação é minha caracteristica mais marcante. Ele foi gentil, eu sou teimosa feito uma mula mesmo haha
Beijos
Oi Lak!
Agora eu entendi o pq do “Desculpe, não ouvi”!
Incrível a sua história, e você escreve muito bem #comofas
Arquitetos não sabem escrever bem assim, ainda bem que as fotos me salvam.
BeijOo 😯
Hehehe cada um com seus talentos e viva a diversidade!!
Adoro teu blog, sabia?
beijos
Não sei explicar a sensação que estou sentindo, em primeiro lugar você escreve muito bem (já escrevi isso aqui) mas escrever um livro não é facil, pode ser esse tenha ficado chato mas não deve desistir a vantagem é que se pode ser escritor em qq idade e pode demorar o tempo que for.
Voltando à sensação, estou emocionada, feliz por você finalmente poder “chorar” essa perda pois já sabe que superou e venceu, não precisa mais se distanciar…
Sinto um alívio de ter tido perda gradativa, foi sofrido e ainda é mas tenho certeza de que a sua “experiência” foi mais difícil de superar, para mim é quase como estar envelhecendo, encaro como se fosse normal ir escutando menos ao longo da vida assim como é normal surgirem cabelos brancos! 👿
Enfim fiquei emocionada, aliviada e feliz por você ter superado e estar feliz por poder contar e fazer as pessoas pensar em superar todos os seus obstáculos!
Felicidades.
🙂
Adoro comentários como o seu, que dão aquele pontapézinho, pra eu continuar nesse embalo de entreter vocês por aqui. Seria chato falar sozinha haha
Sim, foi bom chorar!! Sou arisca pacas pra falar de como isso foi doloroso. Mas, felizmente, não é mais. Aprendi a conviver com a dor e ela se tornou uma grande aliada, pois é a fonte pra fazer o blog!
Acho que a perda gradativa deve ser um pouco mais fácil mesmo, mas a gente nunca deveria ter que perder nada de nós mesmo. Já basta ir perdendo as pessoas amadas ao longo da jornada da vida, né?
Beijos
Oi… Sou deficiente auditiva oralizada e me identifquei muito com vc, pois sei como é duro perceber que ‘falta alguma coisa’ em nós…
Mas, apesar de tudo isso, passamos por cima, lutamos, brigamos, choramos, gritamos… e somos FELIZES!!!
Felizes por saber que existem pessoas q nos amam e nos aguentam exatamente do jeitinho que somos (turronas, teimosas, birrentas, mas também dengosas, meigas, doces, né??)rsrr..
Adorei teu blog. vou salvar no meus favoritos e todos os dias vir te visitar… um lugar no sofá já tem dona (eu).. rsrsr
Tenho certeza q vamos ser grandes amigas.. Se quiser, podemos trocar experiências, que tal? É só vc me dizer como.
Abraços.
Silvia, por favor, volte sempre pra gente fofocar. O blog só é bom, porque somos muitos trocando informação. Uma pessoa sozinha não daria conta de abranger um universo tão vasto quanto o nosso. Suas experiencias são bem vindas. Puxe uma cadeira, tira o sapato, pega uma coca na geladeira e sinta-se em casa.
grande beijo
Poxa, só agora pude ler essa. Muito emocionante!!!
Agora eu chorei. Está sendo muito bom ler as suas histórias até porque você escreve muitíssimo bem, dá até vergonha.
Sem mais comentários.
Muito beijos para você
Hehehe eu tento.. e obrigada pelo elogio!! Beijos