Escrevendo para transformar a própria história…
Falar mal do sistema de cotas para deficientes em empresas, pra mim, é um erro crasso. A cota é necessária. Sem ela, muita gente com deficiência nunca vai conseguir sair de casa, entrar no mercado de trabalho, de produzir, se bancar, crescer profissionalmente, ter uma primeira oportunidade no mercado de trabalho depois do colégio, da faculdade, da pós graduação…
Se muita gente acha difícil conseguir um emprego, uma mudança na carreira, imagine para nós. Alguns mais, outros menos, mas nenhuma pessoa com deficiência escapa de ter que lidar com preconceito e ignorância alheia. É preciso jogo de cintura, paciência, boa vontade e uma capacidade fenomenal de se fazer de surdo, cego e alienado para não se estressar com esses obstáculos que aparecem no nosso caminho.
Muitas empresas possuem uma filosofia errada quanto à contratação de PcDs. Antes mesmo de pedir curriculum ou fazer qualquer pergunta pessoal, perguntam da deficiência, como se ela quem fosse ser contratada, sozinha. Contratam-nos apenas para não pagar multa por não-preenchimento da cota. Botam a pessoa ‘trabalhando’ lá apenas para constar na folha de pagamento, sem nenhuma função relevante, nenhuma perspectiva de crescimento, nenhum plano de carreira, nenhum interesse sólido. E ainda ficam com umas idiotices do tipo “melhor nem falar muito com o fulano, porque ele pode se estressar e querer processar a empresa. Faz assim, finja que ele não existe”.
Mas, a gente segue em frente, porque se for parar por conta da estupidez alheia, irá viver em eterno stand by.
Bom, eu trabalhava numa agência de publicidade onde não fazia o que eu queria. Por formação, sou redatora e fotógrafa. Mas, como não estava conseguindo vaga nessas áreas, acabei indo parar no departamento de finalização dessa tal agência. Eles queriam alguém com deficiência e eu queria uma oportunidade, até porque na minha cabeça, se eu entrasse na agência ficava mais fácil mostrar o meu talento.
Ah, ledo engano. Apesar de eu ter tentado de todas as maneiras crescer por lá (e e tenham jurado que não era nada pessoal, que a filosofia de lá é essa mesma) nunca tive qualquer oportunidade de mostrar meu trabalho, quanto mais fazer o que eu realmente gosto e nasci para fazer: escrever. Foi justamente por conta da necessidade de escrever somada à frustração de não poder fazê-lo no trabalho, que veio a vontade de fazer um blog.
Como eu disse, a gente segue em frente e eu comecei a procurar vagas nessa área que eu amo: redação.
Um dia, minha irmã me passou uma vaga de redação para internet e perguntou se me interessava. Dei uma lida na descrição da vaga e pensei ‘opa, quero sim’. Ela deu, então, uma sugestão de eu mandar meu curriculum SEM o item que fala da deficiência auditiva (eu criei hábito de colocar isso por conta da cota) e deixar que descobrissem só na entrevista. Afinal, quem deveria ser avaliado era meu trabalho e não a surdez. Bateu uma certa insegurança – é, apesar de eu transbordar segurança aqui no blog, também tenho meus momentos de fragilidade no quesito dar a cara a tapa, quando se refere a surdez – e perguntei se não iam achar que omiti um dado importante ao meu respeito. Parvati (esse é o nome da minha irmã) insistiu que não. Que um redator não precisa necessariamente ter ouvido absoluto, precisa escrever bem.
Mandei meu curriculum e, 10 minutos depois, me mandaram uma resposta perguntando porque eu queria mudar de área. Expliquei exatamente da mesma maneira que expliquei alguns parágrafos acima. E a pessoa curtiu a resposta e encaminhou meu curriculum para a responsável por essa vaga.
Uns dias depois, agendamos a entrevista e eu fui…
Sentei na frente da moça que viria a me entrevistar e falei, com a maior naturalidade (que me foi possível): “Olha, eu não escuto muito bem. Eu uso o implante coclear (mostrei o aparelho externo)”. Ela me olhou com uma cara de surpresa – mas nada demais, teria sido a mesma cara de surpresa se eu dissesse ‘eu estou com dor de garganta e por isso, meio rouca’. Mostrei meu portifólio, falei do meu trabalho. O lance é que a vaga era, inclusive, para gerar conteúdo para um site específico. Foi aí que fiquei num impasse. O melhor item de portifólio para isso que eu tinha nas mãos era este blog, o DNO. Ai fiquei entre não entrar em detalhes quanto à deficiência e mostrar o meu trabalho mais bonito, que eu faço com todo amor. Resolvi seguir o caminho do coração e entregar o DNO como portifólio.
Ela me perguntou algumas coisas e, no fim da entrevista, perguntou quais as limitações que ‘alguém que ouve por implante coclear teria’. Falei que só não conseguia atender o telefone, mas fora isso, eu me virava bem. Ela respondeu ‘falar no telefone pode ser irrelevante então’.
Ficou de me dar uma resposta…
Saí da entrevista de coração na mão ‘será que fiz o certo?’, mas com uma estranha sensação de satisfação que não sabia muito bem como explicar.
Algum tempo depois, recebi um email marcando uma segunda entrevista, onde ela me fez uma proposta. Em dado momento, ela disse “avisei aqui que você ‘não ouve muito bem’ (citando as palavras que eu tinha usado na primeira entrevista), mas a gente está mesmo é interessado no seu trabalho.” Meu coração deu um pulo ao ouvir essa frase.
Logo depois, pedi demissão e comecei a trabalhar aqui, tendo finalmente oportunidade de fazer o que mais gosto, num lugar onde não estão nem aí para o fato de eu ter uma deficiência. Se sou eu quem escreve o DNO ou se é o DNO que vai escrevendo a minha história, não sei. Só sei que nós dois (e vocês, que fazem parte do DNO, afinal de contas) fazemos uma dupla perfeita!
Beijinhos sonoros,
Lak
Bela história. E o melhor, vc conseguiu o que queria. Parabéns, Latika :)))
Hehehe valeu!! Beijinhos
A-do-rei! Sou super a favor da gente ir atrás daquilo que realmente quer na vida. E nessa nossa área é brabo mesmo…
Persistência e competência andando junto dão bons resultados!
Parabéns!!!!
Bjaum
hehehe insistência é mais honesto que persistencia. A gente tem que ser teimoso feito uma mula! Beijão e obrigada..
Lak:
Estou feliz por você. Por ter dado tudo certo nessa entrevista. E por teres conseguido trabalhar com o que gosta porque o prazer no trabalho, a alegria de se sentir crescendo profissionalmente é fundamental.
Já passei por cada uma em entrevista por causa da surdez que nem te conto. Então eu entendo perfeitamente o sentimento de insegurança que você teve.
Beijo.
Pois é, Draj, mas a gente não pode se deixar limitar pelos problemas que tivemos, tem que encarar cada novo desafio completamente em branco. Difícil, né? Mas, uma hora, dá certo! Beijãozão
Lak além da história pessoal de não ficar choramingando e ir à luta tem um aspecto muito importante: redigir em bom e claro português (e outras línguas mais).
Isso é uma prova a mais de que aprender português, falado e escrito é importante e felizmente você teve pais que batalharam para que a surdez não te confinassse num mundinho fechado. Estou feliz, feliz e vou destacar seu post no blog Sulp, si urted me lo permite! 😀
Sim sim, eu sei que ser pós lingual me dava vantagem. Mas foi importante MANTER essa vantagem. Tem gente que perde a audição até mais tarde e vai viver só na Comunidade Surda. Vai entender…
Pode destacar onde quiser. Beijão
Lak!!!
Estou de sorriso rascado ao ler este Post, e que Post!!!! Parabéns por ter ido atrás do sonho, cujo local de departamento tem um ávido desejo em despojar carinhosamente as suas escritas, crónicas, e sei lá mais o quê… confesso… é delicioso ler-te!
Também não tenho no meu Curriculun Vitae a constatação da minha deficiência auditiva, nem a de ser usuária de Implante Coclear. Quero que as pessoas me reconheçam pelo trabalho/talento em si e não na minha particularidade.
Parabéns Lak, é a minha fã!!! A par da Anahi e Raul, a Inês entre outras!
🙂 😀
Hehehe, valeu, Alice. Sou muito sua fã, tb hihi
Uma pergunta, em Portugal existe sistema de cotas para deficientes em empresas? Como é o mercado de trabalho ai?
Beijos
Há alguns meses bati um papo com um colega terceirizado, e ele me disse algo como “a empresa até que disfarça, mas está sempre tentando me mostrar que me faz um favor, eu sou só uma cota”. Terrível, né?
Eu sabia que você tinha mudado de emprego (você tocou de leve no assunto em um post recente), mas não sabia que tinha sido assim, de forma tão legal. Estou a nove meses da aposentadoria, mas por mim já estaria aposentado, tal o desencanto com a empresa e a ‘companheirada’ que está no comando. Mas imagino sua alegria por estar fazendo o que gosta e – pelo que pude notar – sendo valorizada. Eu sei que é bem gostoso trabalhar com motivação, pois felizmente foi assim na maior parte de minha vida profissional.
Belo texto. Você fez muito bem em incluir o DNO no portfolio, porque é uma boa amostra de seu escancarado talento.
Um grande beijo.
Pois é, eu escondi o ouro um pouquinho, porque queria me firmar lá antes de divulgar (supersticiosa, né? hehehe)
Sobre a opinião do seu amigo, ele descreveu muito bem. O problema NÃO é a cota, mas a postura das empresas. Por isso que, quando a gente se depara com quem tem a cabeça no lugar, fica em estado de choque HAHAHAHA
Legal, espero que vc curta muito a aposentadoria… e bem de saúde, viu? Beijos
eeeeeee passei só para dizer que estava com saudade!!Deixar um big abraço,que bom que conseguiu, e esta fazendo o que gosta!Se joga mesmo!!Eu também esse ano vou correr atrás do que quero!Ano de conquista e do Se jogaaaaa!!!hahaha 😛
Bjusss
Espero, de coração, que você consiga tudo o que desejar. Vc merece. Beijão
Lak, flor abençoada de Deus! Dou parabéns por essa conquista. Estou feliz por ti.
O mercado de trabalho para PcD é “terrível”, na minha opinião. Nada é fácil. Ninguém quer caridade, mas todo mundo quer oportunidade, crescimento, ser valorizado. Tem gente que não gosta de ver deficientes “loucos” para crescer profissional e pessoalmente. São piores, são muito mais deficientes do que nós! Se não fosse assim, seria um aprendizado para todo mundo! Ver o deficiente com os olhos de vista em que mostra entender que as pessoas são normais! Ah, haja gente assim! (suspiro) Aqui no Brasil, há muitos obstáculos no mercado de trabalho para PcD, eu sei, mas sempre há pessoas deficientes que mostraram que PODEM! É isso aí. Eu chamo isso de “caminhar de cabeça erguida”.
Beijos.
Simone, ninguém quer ser menor que a deficiência, isso que as empresas precisam entender, que queremos oportunidade, plano de carreira, aumentos, promoções, RESPEITO profissional acima de tudo.
Obrigada pelo carinho, sempre.
Beijão
Ehhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!!!!!
Lalazita! Muito feliz!!!!!!!! Fiquei um tempão sem conseguir entrar, muitos outros tempos sem botar os assuntos em dia com vc e hoje, ao voltar a frequentar o DNO, leio essa notícia tão feliz!!! Ganhei minha semana!
Minha amada, quantas conquistas! Não posso dizer que esteja surpresa, vc sempre foi assim, desbravadora, “conquistadora” do que vc queria! Muito orgulho de vc e os melhores desejos para esse novo trabalho!
Me lembro que conversamos sobre isso no ano passado, sobre a sua vontade de concorrer a uma vega que não fosse de cota, para que as pessoas pudessem te contratar pelo seu trabalho, pelo que vc optou por fazer da vida! Fico muito feliz que vc tenha encontrado pessoas interessadas no que vc pode fazer e não no que vc não pode fazer! E vc pode muuuito!
Amo-te! Vontade de pegar um avião agora só prá ir te dar um abraço apertado (daqueles que vc não gosta pq doem) e comemorar com vc!
Beijos
HUahuahauhaua jura que vc não sabia? Putz, é culpa de vc sumir do MSN.
Isso foi em novembro, eu enrolei pra contar aqui 😳
Tem sido uma experiência ótima, estou amando de verdade!!
Beijinhos
Fantástico, Lak! 😀 Ainda mais no trabalho que você AMA… fico feliz pela tua grande conquista e realização! 2011 começou muito bem, né?
Bjs
Hehehe sim sim, embora eu tenha trocado de emprego em novembro.
Beijão e obrigada por compartilhar a felicidade.