A história de Raul: Usuário de Implante Coclear
Estereótipos fazem parte do nosso dia a dia. Fazemos isso sem perceber. Mas para acabar com isso, o conhecimento é a melhor forma de se quebrar os estereótipos sociais, bastando estar aberto às dicas que a vida dá.
A primeira imagem mental que as pessoas tem, quando pensam numa pessoa privada de audição é o típico surdo-mudo, termo errado e politicamente incorreto para denominá-los, que os deficientes auditivos há muito tentam mudar. Antigamente, a legislação via o “surdo-mudo” como alguém totalmente incapaz, visto que ele era alguém que não podia expressar sua vontade. Isso mudou, mesmo quando um surdo não fala oralmente, quando não sabe ler os lábios com precisão, ele ainda pode expressar sua vontade seja pela língua de sinais, seja escrevendo. Já falei sobre isso e, ainda assim, o meu exemplo acaba não sendo o melhor para ilustrar a verdadeira face do surdo oralizado (pelo menos, no ponto de vista de quebrar o estereótipo).
Pra muita gente, eu sou oralizada porque aprendi a falar ouvindo normalmente, antes de ter sequela de caxumba. Mas isso não é verdade, a oralização pode se feita numa criança que nunca ouviu e ela tornar-se-á um surdo plenamente oralizado.
Como tudo fica melhor quando ilustrado com exemplos, tomei a iniciativa de convidar um grande amigo meu, Raul Sinedino, surdo de nascença, oralizado e hoje usuário do implante coclear.
Nós nos conhecemos no Orkut, na comunidade Surdos Oralizados e nos tornamos grandes amigos. Tive o prazer de conhecê-lo pessoalmente e garanto que foi uma das experiências mais marcantes que tive, pois Raul tem muito a ensinar. A experiência dele tem toda a poesia necessária para contar uma grande história de sucesso.
1. Raul, fale um pouco de você. De onde você é, qual a sua formação, o que você faz da vida, qual deficiência você possui e o que a causou.
Eu sou do Rio de Janeiro, tenho 31 anos e sou formado em Engenharia Química pela UFRJ. Hoje moro em Porto Alegre e estou fazendo o curso de formação após ter sido aprovado no concurso público como Perito Criminal, pelo IGP-RS. Tenho surdez profunda de nascença e o motivo da surdez foi rubeóla materna durante a gestação e fiz a cirurgia de implante coclear com 27 anos, topei encarar mais um desafio de ouvir sons que não era possível ouvir com meu aparelho de audição. Tem sido uma experiência única e desafiadora. Quase 5 anos depois de implantado, eu poderia dizer que a voz melhorou, ficou mais rítmica, com uma entonação legal e arrisco a dar recados no telefone – coisa que seria impossível com o AASI. Infelizmente, por ter sido implantado adulto, eu já tenho vícios de linguagem, isto é, sou muito focalizado em leitura labial, não dando muita importância em ouvir a voz da pessoa e isso dificulta a formação da famosa memória auditiva que os bebezinhos ouvintes adquirem quando estão aprendendo a ouvir e falar. Mas o que consegui hoje já é lucro!
2. Como seus pais descobriram que você era surdo?
Essa é uma longa história e tem “n” versões. A versão que gosto de contar é da minha vó paterna. Na passagem do ano de 77 pra 78, eu com 5 meses fiquei junto com a minha irmã de 4 anos na casa da minha vó enquanto meus pais saíam para festejar o ano novo com amigos. E durante os fogos, a minha irmã acordou assustada e chorava, enquanto adivinha quem dormia perfeitamente ? Eu, claro! Minha vó ficou intrigada com este fato e comentou este episódio com os meus pais no dia seguinte. Daí, eles começaram a ficar de olho e fazer vários testes comigo. O teste do meu pai era interessante: todo dia as 5 da manhã eu acordava chorando, querendo mamadeira e ele era o responsável pela mamadeira. E ele percebeu que eu só parava de chorar quando VIA a presença dele. Daí ele começou a se esconder e falar comigo, tipo: “Raul, o papai ja está vindo, o papai está aqui…e a minha reação era zero – continuava chorando” Diante da desconfiança, me levaram ao pediatra e através de vários exames, foi diagnosticada a minha surdez bilateral profunda.
3. Como foi seu processo de oralização?
Eu diria que foi a mais natural possível, talvez por terem descoberto a minha surdez muito cedo. Com 8 meses eu já estava fazendo terapia de fala e com 10 meses de idade já era usuário de aparelho auditivo. Sendo assim, eu consegui acompanhar naturalmente as etapas da fala e da linguística como qualquer criança ouvinte e estudei em colégios normais. O meu nível cognitivo-intelectual era igual de uma criança ouvinte.
4. Quando criança, como a sociedade via você? Aceitavam bem a sua voz?
Olha, é dificil eu tentar analisar como a sociedade me via quando eu era criança. Criança não repara nessas coisas. O que eu sei é baseado no que os meus pais me diziam. Eu me lembro de uma coisa muito engraçada que minha mãe adora me falar: estava eu com 3 anos, na rua, falando pelos cotovelos. Daí chegou um senhor meio gritando com a minha mae:”Ó senhora, você não está vendo que este menino tem problema de voz? Poe ele pra fazer fono!” A resposta dela: Meu filho é surdo e JÁ FAZ FONO! O senhor não sabia onde enfiar a cabeça diante deste mico…Eu só me lembro que falava e algumas pessoas pediam pra repetir ou pra falar devagar e o caso estava resolvido. Também me lembro que era comum eu fazer amizades facilmente pelas areias do posto 9 e os meus novos amiguinhos ficavam intrigados e perguntavam: “Porque vc fala assim?” E eu respondia naturalmente: “ué, por que sou surdo” e eles nunca acreditavam por que eles não conseguiam entender como uma criança sendo surda poderia entender o que eles falavam. Era aí que entrava a minha mãe pra explicar como eu os entendia. Também tem outro episódio que fui comprar um picolé de maracujá com 10anos na padaria…”Moça,me ve um picolé de maracujá” “Mas menino, tu tá gripado e vai chupar picolé mesmo? ¬¬ Enfim, era bem comum eu ter que dar satisfação do por que a minha voz ser assim. Resumindo, eu acho que a sociedade pensava mil coisas, menos que eu era surdo até eu dizer.
5. Você se sentia diferente dos outros deficientes auditivos por ser oralizado?
Como assim? Se eu me sentia diferente em relação aos surdos sinalizados ? Eu sempre me senti como ouvinte, talvez por fazer parte do mundo dos ouvintes. Em casa, todos eram ouvintes, todos meus amigos de infância eram ouvintes. No meu colégio, só havia ouvintes. Portanto, era mais do que normal, eu me sentir como uma pessoa normal. A surdez era apenas um mero detalhe em minha personalidade assim como um míope carrega a miopia como um mero detalhe. Na minha fono, tinham crianças surdas e eu não me sentia no mundo delas. Não é preconceito e nem nada, era apenas uma criança vendo que aquela tribo não era dela.
6. Você acha que a Oralização foi a melhor maneira de lidarem com a sua deficiência?
Com certeza. Eu sou muito grato aos meus pais por tudo que batalharam pela minha educação ser exemplar de maneira que a minha oralização fosse a mais natural possível. Era bem estimulado em casa pelos meus pais, estudei em belíssimos colégios que sem dúvida foram um papel muito importante para a minha oralização. E era comum também meus pais conversarem muito comigo, me colocando a par do que acontecia em minha volta e sempre procuravam corrigir a minha pronúncia e os erros de português. Era muito comum eu cometer erros de pleonasmo do tipo: vou descer pra baixo, vou subir pra cima. Brincavam muito comigo explorando o duplo sentido. Entender o duplo sentido é extremamente importante para uma criança surda. A minha ex-fono costumava dizer que para uma oralização ser a mais natural possível, deve ter ajuda de 4 elementos importantes, divididos em 25% cada uma – a família, a escola, a fono e a própria criança.
7. Quais os conselhos que você costuma dar aos pais de crianças surdas pré-linguais, para lidar com a deficiência da criança?
Que eles devem educar a criança surda como educariam uma criança normal, apenas com uma diferença: estimulando ao dobro e procurando sempre conversar com ela. O resto não tem mistério. E o primeiro passo para isso é aceitar que ela tem uma deficiência e essa deficiência pode se tornar um mero detalhe na personalidade dela – só depende dos pais. Imagine uma situação hipotética: há 2 crianças na sala, vendo desenho animado. Uma é ouvinte e outra é surda. Enquanto elas veem o desenho animado, as suas respectivas mães conversam animadamente na mesa, na sala mesmo. Na cozinha, a emprega está ouvindo rádio. Veja que a criança ouvinte está sendo bombardeadas de informações vindo de quanto é canto: desenho animado, conversa da mãe, radio…isso tudo contribui para o desenvolvimento da linguagem da criança e ela nao precisa ser estimulada. É estimulada naturalmente. Agora vamos a pobre criança surda que está sendo privada de todas informações que poderia receber, até do proprio desenho animado que ela não pode entender o diálogo dos personagens. Sendo assim, o desenvolvimento da fala e da linguagem dela já está seriamente comprometida. Por isso sempre falo e repito: ESTIMULE-A AO DOBRO. Faça ela participar da conversa, faça ela contar historinhas, faça-a contar como foi o dia a dia dela. Como foi no colégio.
Beijinhos,
Lak Lobato
Adorei os meus 15 minutos de fama! 😀
Meia hora, vc quer dizer haha
Mas que fofo! Fiquei emocionada com a entrevista.
beijinhos, Raul!
beijinhos, Lak!
Hoje tenho 1 dia de fama, é meu aniversário! hihihi 😀
Opa, Leiloca, parabéns por mais uma velinha no bolo!! A proxima entrevista é com você, viu?
Beijocas!
Parabéééééns Leila! Desculpe roubar 15 minutos do seu dia… 😈
HAHAHHAHAHAHA
Prezados Leitores,
Fico muito feliz e orgulhoso, pai-coruja, vendo meu filhote dando entrevista, e melhor, estando feliz com a educaçao (desculpem-me, estou no Peru e nao consigo usar til) que lhe demos.
Acho que o que o Raul falou sobre a oralizaçao do surdo é exatamente o que penso e que indicaria aos pais de bebês surdos.
Um abraço a todos,
Silvio Sinedino.
Grande Silvio, seu filho é um exemplo pra todos nós! Certamente porque aprendeu isso com o senhor hehehe (rasgação seda com pais dos nossos entrevistados é regulamento do blog!!).
Num blog onde se fala da aventura que é ser surdo oralizado nesse planeta, o Raul não poderia ficar de fora, lógico!
Grande beijo e parabéns pela maravilhosa escolha de educação que vocês deram ao Raul.
😀 😀 😀
Obrigada aos 2 !! Não tem problema roubar o dia, Raul. Simplesmente amei e pra mim foi um presente de aniversário!!
Mas também vou ter meus 15 minutos de fama lá lá lá!
Hoje conheci um pouco mais deste amigo de Orkut, que já havia aprendido a admirar. Mesmo morando na mesma cidade aínda não tive o prazer em conhecer…
Abção
Leo 😀
Raul, você colocou tudo muito bem colocado, parabéns.
O Raul? não o conheço pessoalmente! Ficou bonitinho na foto, até! Além da sua história da vida, que ele continue dando exemplo, mesmo que irradia o seu charme! rsrsrsss!
Parabéns, Raul! Mesmo de uma surda de nascença! ahahahahah!
Adorei ler você, Raul.
Raffinha, que delicia te ver comentando por aqui!!
Apareça mais!
Beijos
Muito legal! É importante mesmo que os pais saibam estimular os filhos. 😀 (adoro esses sapos)
E como ninguém nasce sabendo tudo, compartilhar a informação é fundamental!! Pra isso, nada melhor que uma ajudinha especializada, como o Raulzito.
Oi Lak, oi Raul, muito importante a entrevista, pois cada dia mais aprendo como lidar com os surdos aqui no blog. Obrigada e beijos 🙂 (PS.: também adoro os sapos)
Adorei a entrevista com o Raul.
Tou descobrindo um mundo novo dos surdos q eu nao sabia que existia.
Obrigada lak por proporcionar tanta coisa nova!!!
Beijocas 😎
Vivi, que delicia te ter por aqui (deixa o Jairo saber que eu ando sequestrando os fãs dele)….
Pois é, já que a gente não consegue nascer sabendo tudo, informação é sempre um privilégio!!
Beijos
Olá Lak,
Mais uma bela entrevista hein?! Parabéns a você e ao Raul. Me identifico com muitas coisas que são expressas neste espaço! Continue assim!
Bjus! 😀
Super obrigada, Edelson.
Fique a vontade pra sugerir o que quiser, caso queira ver um assunto sendo debatido aqui, viu!?
Que bom que você se identifica. A intenção é essa! 🙂
Como o Raul ERA uma coisinha fofa hahahahaahahaa
mt bonitinha aquela foto com 6 aninhos rs vontade de MORDER!!!!
E eu adorei a entrevista!!!! Ficou MUITO BOA!!!
Coisas fofas, às vezes crescem e ficam tão convencidas, né? Huahauhauahua a culpa é dele ser leonino!!
Me identifiquei muito com o que o Raul disse! Lembra minha história, apesar de algumas poucas diferenças!
😀
Pode até haver alguma exceção, mas das histórias de superação (seja ela qual for) que conheço, tem sempre uma palavrinha mágica no meio: família. Excelente entrevista, Lak, e deixo aqui um abraço fraterno ao Raul. O que mais me impressionou nele foi o fato de gostar de química (eu nunca consegui tirar uma nota decente no colégio, e como o inferno são os outros, detestava a matéria rsrs)
Verdade… A família faz TODA a diferença… De boa ou ruim!!
Hein?? Este post bombou né? Acho que bateu o recorde de palpites! Tá, deixa o meu lado leonino berrando! risos
Obrigado pelos palpites, pessoal! 😛
é chato ser gostoso, né?! hahaha
Parabéns, Raul! Você é alguém surpreendente. Fascina pela sua capacidade de dar a volta por cima e pelo empenho em possibilitar que mais pessoas possam conhecer a realidade dos surdos e compreenderem que é possível a um surdo se expressar oralmente, para, como qualquer ouvinte, receber sua mensagem do outro de forma invertida,fundamental para a a estrutura humana na construção do psiquismo. Você é precioso e toda a família se orgulha de você, com certeza!
Parabéns, Lak, belo trabalho!
Beijos, Nelvia
Huahuahua!!!
Muito engraçada a parte do “picolé de maracujá”!!!
Lak,
Parabens pela entrevista e parabens tbm pro Raul.Amei e me emocionei,agora sei que estou no caminho certo para a oralizacao do meu filho.Bjs!! 😉
Verdade, Regina!! Não desanima, que ele vai loonge!!
😀 Oi.. a minha história é parecida com a do Raul.. tenho 27 anos e estou prestes a ser implantada… sempre convivi com ouvintes, só na adolescencia que passei a me integrar na turma dos surdos.. confesso que para mim conversar é mais fácil em libras porque acompanho mais de uma pessoa falando… Mas a minha parte intelectual é mais voltada para trocar idéia com ouvintes… Então me acostumei.. Raul é um exemplo de superação, que surdos podem ter uma qualidade de vida melhor sem perder a propria identidade, pois tecnicamente, após a implantação, continuaremos surdos! Percebi que os surdos também tem muito preconceito em relação a surdos oralizados e implantados.. Nunca deveriam se sentir inferior e sim força de vontade de seguir o mesmo caminho..
Beijussss 😀 😀 😀 😀 😀 🙂
Inspirador. Isso que senti lendo a ótima entrevista, depoimento e também os palpites.
Sempre fiquei em dúvida sobre o IC, sei que cada caso é um caso…
Olá Raul que historia linda….quro entrar em contato com vc como faço??? beijos
Oi! Essa história que vcs escreveram é incrível.Eu me chamo Allan, moro em Juiz de Fora.Operei nessa segunda para colocar implante coclear,estou em repouso aqui em casa.Quando eu cheguei em casa tive muita tonteira e, no meio da rua, vomitei por por causa da anestesia.Depois de 20 dias vou no médico receber outro implante que é maoir q outro q está no fundo da minha cabeça..rs Vcs escutaram os sons das palavras das pessoas? Estou ansioso para ouvir..Quero entrar em contato com vcs para debater sobre isso.
Bjs do Allan. 😀
Ontem descobri que minha filhinha de 2 anos tem perda auditiva… Fiquei emocionada com sua história Raul. Belíssima! Parabéns! Grande Abraço!
Se precisar conversar, estamos às ordens! Abração
adorei a entrevista! a história de raul pareçe c a minha!
Então você deve ser fantástica como ele! haha
Beijão