Game of Thrones dá uma aula sobre representatividade
Esses dias, vi um anúncio de uma nova personagem da novela Malhação que seria surda. Achei muito bacana essa abordagem da mídia, porque é importante que encontremos brecha para falar do tema. Porém, junto com a notícia, veio a informação de que seria representada por uma atriz ouvinte. Longe de mim qualquer crítica à atriz, sei que os atores não fazem parte da decisão do elenco! Sim, eu reconheço que atores sem deficiência podem representar personagens com deficiência com perfeição!
Porém, eu sou do time que bate na tecla da importância fundamental da representatividade. Por quê? Porque quando você pertence a um grupo de minoria, você SABE que suas chances de sucesso são menores. Não adianta fingir que é pura meritocracia. Existe infinitamente mais chances de você encontrar todas as portas fechadas (a não ser que você venha de uma família poderosa e tenha uma infinidade de “QIs” ou seja um gênio, tipo Stephen Hawking). Por isso, ver alguém com a mesma condição que você conseguir chegar longe na vida, traz aquela pontinha de fé necessária para que você encontre estímulo para seguir em frente, independente de quantas portas baterem na sua cara.
Um bom exemplo disso foi o personagem Tyrion Lannister, da série Game of Thrones. Primeiro de tudo, porque a série não dourou a pílula. Na primeira cena, as crianças Starks já chamam ele de duende. E o personagem não passa de um ser amargurado que sobrevive de autocomiseração na forma de depravações: mulheres, bebidas e festas. E não sou eu que digo isso, o próprio Tyrion (interpretado com perfeição pelo sempre excelente Peter Dinklage), na última conversa com o irmão Jaime, fala de si mesmo desta forma.
Mas o personagem teve oportunidade de crescer, amadurecer, se reinventar, da forma mais brutal possível. Ao ser rejeitado e ridicularizado pela família – e todo o resto do universo GoT – ele provou seu valor. Provou que tinha até mesmo uma boa dose de decência, quando se recusa a consumar o casamento com a Sansa que, na época, ainda era uma criança.
Ele não se esconde atrás das suas limitações. Encara os desafios na linha de frente – literalmente, o que lhe rendeu uma cicatriz no rosto por conta de um golpe de machado – e é a primeira pessoa a debochar da sua condição. Embora não o faça de uma maneira chata, daquela forma que parece que a pessoa precisa usar isso como uma arma. Faz porque faz parte do contexto rir de si mesmo. E ele sabe que ter nanismo não é a melhor forma de ser recebido no mundo, mas é uma realidade que ele precisa encarar.
Não é uma história de superação! Não gira em torno dele provar que não tem problemas ter nanismo. Ele sabe que tem e ele mesmo levanta esses questionamentos em vários momentos. Mas, ele deixa claro que a vida dele não vale menos. Que ele não é inferior por ser pequeno.
No seriado, Peter Dinklage não faz um papel de coadjuvante. Seu personagem é o que aparece em mais episódios e tem mais tempo de cena do que qualquer outro na série.
De uma forma geral, com raras exceções, as melhores abordagens sobre a deficiência que vejo na mídia são justamente em séries e filmes cujo tema central não é a deficiência. Mas, ela entra como uma discussão paralela dentro do tema central. O mesmo que ocorre em Um Lugar Silencioso – um dos meus favoritos (como você pode ler na minha resenha sobre o filme) – em que a surdez entra de uma forma muito interessante e serve como pano de fundo para muitas coisas, inclusive metáforas, mas não tem nada a ver com a história central em si.
Outro excelente exemplo foi o personagem Sam (Sean Berdy) da série The Society do Netflix. A série em si não é a melhor trama do universo, mas o personagem é surdo, apenas porque quiseram incluir diversidade, não tem nenhuma outra razão para ter um personagem surdo ali. E ele tem várias histórias paralelas, embora a surdez até entre em algumas conversas e a língua de sinais e a leitura labial também são levemente mencionadas na trama, mas está longe de ser as “aventuras” mais importantes do personagem!
Sinto falta dessas abordagens da deficiência aqui. Como algo que faz parte da diversidade da trama. Como um assunto que surge ocasionalmente na vida do personagem. Mas sem girar em torno disso, sem impedir que o personagem seja mais do que apenas o cara-com-deficiência-colocado-ali-para-falar-sobre-deficiência-porque-o-assunto-precisa-ser-debatido.
Precisamos de divulgação? Sim! De representatividade? Por favor! De naturalidade para falar do assunto como algo corriqueiro da diversidade humana? SEMPRE!
Porque só assim que a gente não vai precisar o tempo todo ficar chamando atenção para o assunto!