Música e Implante Coclear: A história de Marcos Aurélio

Usuário de implante coclear ouve música bem? Pode tocar um instrumento? Como é a essa questão de implante coclear x música?

Essa questão, como quase tudo que se refere ao implante coclear, é extremamente subjetivo. Mas, diferente de alguns aspectos como localização sonora ou discriminação da fala, a percepção musical dos implantados varia muito. E há quem faça excelentes relatos e outros que criticam bastante.

Pensando em trazer ao debate a visão de um ex-ouvinte, um ex-músico, que seria uma ótima pessoa para descrever a percepção musical de implantados, que tanto permeia a cabeça pais de crianças pré-implantadas e adultos em vias de implantar, trouxe uma entrevista com o Marcos Aurélio Siqueira, que apareceu tocando “Pescador de Ilusões” no meu canal do Youtube e hoje, compartilha conosco sua trajetória musical sem e com o implante coclear:

DNO: Conte um pouco de você. De onde você é, qual sua idade, o que você faz da vida….

Marcos: Olá! Me chamo Marcos Aurélio Siqueira, sou de Itapira, interior de São Paulo. Tenho 38 anos de idade, estudo último semestre de Engenharia de Produção e atualmente exerço a função de encarregado de impressão off-set em uma gráfica de uma empresa farmacêutica.

DNO: Como era sua relação com música quando criança? E quando adolescente? 

Marcos: Minha relação com a música começou quando eu tinha uns onze/doze anos, onde eu via outras crianças fazendo apresentações/dublagens nas escolas e senti vontade de fazer o mesmo. Fui crescendo e essa vontade só aumentava, tanto é que aos treze comecei a fazer aulas de violão e canto.

DNO: Você toca violão, né? Onde aprendeu? Como foi aprender a tocar? Toca algum outro instrumento?

Marcos: Sim, toco e amo violão. Meu primeiro professor foi um amigo que tenho até hoje e que inclusive voltei a ter aula com ele, pois depois de sofrer um acidente e ficar surdo, eu comecei a “ouvir” o violão desafinado, e foi esse mesmo professor que me ajudou a escutar o “novo” som do instrumento. Aprender a tocar violão foi uma das melhores descobertas que tive na vida. É sem dúvida meu melhor amigo. Pra todas as horas o violão é significativo. Toco também instrumentos de percussão, tipo pandeiro, cajón, chocalho, bongô…

DNO: Como a surdez entrou na sua vida? 

Marcos: Fiquei surdo aos 30 anos depois de cair da bicicleta. Sempre gostei da prática de mountain bike, e numa noite, depois de já ter terminado o percurso planejado eu caí quase parado, bati a cabeça no chão, fiquei totalmente surdo, sem coordenação motora, e momentaneamente inconsciente mas acordado.

Como você se sentiu quando descobriu que estava surdo? Qual era seu maior medo? Como foi lidar com essa deficiência?

Saber que iria ficar surdo pro resto da minha vida foi desesperador. Eu não acreditava que um tombo tão besta tinha me tirado o maior prazer que eu tinha que era de tocar e cantar. Não aceitava e por vezes pensei até em suicídio. O apoio da minha família, da minha noiva, de todos foi fundamental. Mais demorou para que eu entendesse que poderia ser feliz de uma outra forma.

E como você descobriu o Implante Coclear? Foi difícil decidir fazer a cirurgia? Em quem você se inspirou?

O implante descobri através de um médico Otorrino daqui da cidade de Mogi Mirim/SP que também não sabia contar em detalhes como era o funcionamento do mesmo. Somente disse que era um “pequeno” aparelho que usava atrás das orelhas e que devolvia a audição perfeitamente. Decidi na hora fazer o implante. Na época não conhecia ninguém que fazia uso do implante, então decidi por mim mesmo. Pensava que não podia ficar pior do que estava, então corri atrás o quanto antes pra fazer o implante.

Como é, para alguém que sabe comparar, ouvir através do implante coclear? Como foi no começo?

No começo foi horrível. Eu chorava direto. Não acreditava que iria ter que ter uma audição tão “sofrível” como a que eu escutava logo após a cirurgia. Mas com o passar do tempo (e foi muito rápido) eu me adaptei perfeitamente aos sons e comecei a travar uma luta diária em busca de novos sons. Contrariava a fonoaudióloga que passava simples exercícios pra fazer em casa fazendo exercícios bem complexos, tipo colocar duas músicas diferentes ao mesmo tempo e tentar cantar um pouco de cada de tempo em tempo ahahaha. Existem outros…

E como é ouvir música com o IC? 

Hoje é delicioso!! Consigo distinguir muito bem cada parte de uma música. Aliás, é meu passatempo predileto.

Como é tocar violão com o IC?

É muito amor envolvido ahahahah. Eu fico igual “pavão” quando estou com o violão em mãos. Amo tocar e cantar. Só não faço mais isso por falta de tempo, correria da vida, dos estudos, do trabalho etc etc. Mais agora meus sábados à noite voltei a tocar e cantar em festas, barzinhos etc etc. Enfim, é um trabalhinho extra que me enche de felicidade.

E como é voltar a tocar em publico? Você contou que finalmente voltou a tocar, né? Como está sendo a experiência?

É lindo. É emocionante. É tesão demais mesmo. O começo foi desafiador. Tive medo, suava frio. Mas agora está delicioso pra caramba. As pessoas que já me conheciam cantando e sabem que fiquei surdo dizem que eu voltei cantando e tocando melhor, pois eu canto muito mais “aveludado” que antes. Agora pras outras pessoas quando digo que sou surdo fazem cara de desconfiança hahahaha. Não acreditam que seja verdade. É demais!!


Qual é o seu maior sonho?

Que o ser humano entendesse que o maior tesouro que existe são as pessoas. Que devemos nos amar mais, nos doar mais, nos ajudar mais. Que não houvesse tanta diferença social, que a oportunidade seja pra todos.

Espero que tenham gostado desse bate papo com o Marcos, acho que ninguém consegue explicar sobre música tão bem quanto ele.

Beijinhos sonoros,

Lak Lobato

3 Resultados

  1. Marcelo disse:

    Cada caso é um caso, mas eu ouço músicas muito bem, mas tive que me adaptar porque o som é mais robótico. Talvez por ele ter uma forma diferente de ouvir (por ser músico ) ele usa a memória auditiva. Mas é uma história bem comovente, os desafios somos nós mesmos, não tenho dúvidas. Parabéns pela conquista. 🙂

  2. CR Adriano disse:

    Perdi a audição há 7 anos devido a um AVC. Não sou músico.Uma vez, antes de perder a audição, até peguei aulas de violão mas não dava pra mim. Eu notei isso. Antes da perda da audição, a música era minha companheira frequente. Saber q é possível retomar uma relação agradável com a música após o implante só me anima.

  3. Anne disse:

    Tenho perda auditiva moderada bilateral, e uso aparelhos desde os 12 anos. No inicio foi difícil, mas a vida me fez aceitar a situação da melhor forma possível. Nessa caminhada realizei o sonho de começar a tocar um instrumento, o teclado, o qual a partir da partitura pôde compreender as notas e o seu tempo na musica. Em 2013 passei no vestibular para Jornalismo, e hoje no quinto período venho sentido cada vez mais a necessidade de através da mídia poder ajudar outras pessoas como eu a se superarem.
    Sou encantada e intensamente apaixonada por acessibilidade. Então sempre que posso leio sobre o assunto, para assim poder ajudar a construir um mundo melhor. Gosto e desenhar, fotografar, tocar e escrever… 😳 😳 😳

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