O caminho da serenidade
Quando fiz o Implante Coclear, depois de 23 anos de silêncio, deparei-me com uma mudança muito maior do que eu imaginava.
Não limitava-se a reaprender a ouvir, mas em reaprender a ser quem eu sou, porque é uma mudança também de padrão cerebral, já que passo a perceber o mundo de outra maneira e requer, sem dúvidas, outro padrão de uso da percepção dos sentidos.
Para quem passou duas décadas usando a visão inclusive como substituto da audição – afinal, leio os lábios – isso significa transformar-se.
No começo me batiam dúvidas e receios. Não sabia muito bem como processar essas mudanças. Tinha coisas que pareciam impossíveis, simplesmente. Por exemplo, responder a um estímulo totalmente não-visual. Como assim? As coisas precisavam ser vistas para existirem hehehehe
Conversar com outros implantados, com as fonoaudiólogas ajudava muito. Mas, sempre achava que precisava de algo ainda, faltava alguém me explicar porquê parecia tão complexo algo que deveria ser simples.
Bom, um dia, estava à toa no twitter, quando alguém postou algo que me chamou atenção, não lembro bem o que era, e eu resolvi conversar com a pessoa.
Descobri que ele se dedicava, entre outras coisas, à recuperação de dependentes químicos e, por mais exótico que isso possa parecer, perguntei se poderia me explicar a respeito. E a explicação dele me deu aquele conforto que eu precisava, porque era exatamente assim que eu me sentia: durante anos meu cérebro foi viciado em usar apenas a visão e, agora, precisava usar a audição também.
Apesar de ser um caminho exótico (que eu espero que seja bem aceito pelos leitores hehe), encontrar ajuda quando a gente precisa é fundamental. Por isso, pedi pra ele me conceder uma entrevista aqui pro DNO:
1. Olá, Paulo. Fale-nos um pouco de você, do que você faz…
Sou Farmacêutico-Bioquímico, formado na UFPR em 1982 e atualmente atuo na área de Farmácia de Dispensação, a Farmácia tradicional.
2. Por que você decidiu dedicar-se a recuperação de dependentes?
Dedico-me, embora atualmente não muito, por conta de ser também um dependente químico e foi assim que, auxiliando-se mutuamente, Bill e Bob, co-fundadores de AA, primeiro grupo eficaz de ajuda-mútua, identificou esse modo, como sendo o melhor para a manutenção da abstinência alcoólica, portanto, nessa atitude, não vai nada de altruísmo, por excelência, mas sim, uma maneira de salvar a si próprio. Ninguém é herói, por salvar a própria vida!
3. Como é a reunião que vocês fazem?
As reuniões dos grupos de AA e NA, baseiam-se na troca de experiências, através de depoimentos de todos. Todos falam, todos ouvem, não necessariamente em todas as reuniões, visto que o tempo da mesma, com seus protocolos e dependendo da quantidade de assistentes, inviabilizaria a organização que existe dentro da irmandade, em relação às reuniões.
É como uma terapia de grupo, sem o viés profissional da coisa.
4. Como nos filmes, vocês começam as reuniões com a Oração da Serenidade? E, por que ela é tão importante?
Todas iniciam sim, com a oração, de autoria desconhecida, aliás (ela não foi feita por ninguém de AA) e a importância dela se traduz em sua sabedoria, inclusive, não só para os companheiros, mas deveria ser absorvida por mais pessoas no planeta. Pense bem:
Concedei-nos Senhor
A Serenidade necessária para aceitar as coisas que não podemos modificar
Coragem para modificar aquelas que podemos
E sabedoria para distinguir umas das outras.
É um “hino” à lucidez possível de cada um de nós, seres humanos.
Caso se consiga segui-la e não é assim tão simples como possa parecer pela sua simplicidade e tamanho, economiza-se, em muito, os aborrecimentos muitas vezes tolos, que carregamos conosco.
5. Quais as principais dicas que você costuma dar pra quem está passando por uma mudança grande de hábitos?
Imaginando que as pessoas devam mudar seus hábitos, por conta de prejuízos evidentes que estejam tendo em suas vidas, de um modo geral, creio que a grande dica seja “colar” nas pessoas que tenham as mesmas dificuldades e que estejam conseguindo progressos internos em suas vidas. Dentro disso e para que não hajam confusões ainda maiores, como superestimar pessoas iguais a essa que estaria em dificuldades, o ideal seria a participação em grupos de ajuda-mútua, especificos ao problema em questão.
E, sempre que possível, a “velha e boa” terapia, com um profissional qualificado.
6. Você ficou surpreso da minha abordagem, quando comparei a minha situação com a recuperação do vício em substâncias? Ou isso acontece com frequência?
Não, porque dificuldades, todos nós as temos e por mais diferentes que sejam, quanto à mecânica de cada uma delas, guardam extremas semelhanças quanto à essência do ser humano.
A melhor dica que Paulo me deu foi: Não se cobre, ninguém muda da noite para o dia. Vai ter horas que você se sentirá perdida, mas não desista, faz parte do progresso. Viva um dia de cada vez e comemore todas as pequenas vitórias.
Tenho seguido essas dicas ao pé da letra e, por isso, sinto-me bem e cada vez mais feliz e realizada. No fundo, a serenidade é o que importa, o resto, faz parte do caminho.
Beijinhos sonoros,
Lak
Orgulhoso e feliz por ter contribuído, positivamente, em sua vida!!
Beijo!!
Você é um anjo!! Beijos
Amei!!! Principalmente a parte que ele fala da Oração da Serenidade…. ” Caso se consiga segui-la, economiza-se, em muito, os aborrecimentos muitas vezes tolos, que carregamos conosco” .
É tãaaao verdade!!! Mas como o próprio Paulo disse, não é uma coisa simples de fazer….
Só me resta agradecer a você por dividir todas essas coisas com seus leitores!!! 😉
Beijinhos!!!
Hehehe imagina que eu guardaria isso pra mim apenas…
Beijinhos
Lak,
Que excelente entrevista!
Me tocou bastante, visto que estou tendo dificuldade para acostumar com o IC, às vezes minha mãe me cobra vc já colocou o aparelho?? Eu sempre falo que tem q ter paciencia p acostumar, é uma coisa diferente e nova.
Mostrei a entrevista do Paulo, ela ficou admirada. E disse que entende o quanto é dificil.
Tenho q agradecer como Lu, obrigada por compartilhar conosco.
Beijinhos!!!!!!!!!! 😀
Eita, chorei aqui!! Sei o que você está passando, acredite. Mas melhora, garanto. Tenha fé e lembre-se: um dia de cada vez. hehehe comigo funciona!
Beijos
Oi, mocinha.
Incrível a entrevista, tocante mesmo. Ah, uma coisa; a primeira parte do texto foi a crônica mais sincera que li nos últimos tempos – maravilhosamente bem escrita, inclusive. Lembrei-me de um velho escritor que tinha problema parecido, mas ao invés de surdo ele era cego. Saudade dele, escreveu Memória da Luz: http://blogdoricardonovais.blogspot.com/2010/03/memoria-da-luz.html
Sinto-me constrangido por ter lido uma história tão tocante e não confessar nada; de modo que confesso que já tive problemas com o álcool – não vivenciei tanta esperança e amor como o Paulo, talvez meu acaso não fosse o simples alcoolismo, mas a alegria da insanidade perturbou-me. Por certo que ainda perturba-me de vez em quando… Não creio mesmo que ninguém seja tão bom nem ruim, talvez sejamos apenas dois lados de uma mesma moeda; ao menos tento acreditar nisto.
Um beijo, minha querida.
Ricardo.
Tenho certeza disso, Ricardo. Todos temos histórias lindas e assustadoras de nós mesmos e, certamente, essa lição de vida que o Paulo me deu serviria para muita gente.
Obrigada pelas palavras de carinho!
Grande beijo.
Ola, qto tempo, rs
Bem interessante essas comparaçoes, isso de colocar-se as vezes no lugar do outro para entender nossas proprias sensaçoes. Estou trabalhando na Africa num pais que fala frances e arabe. O frances faz parte da minha vida, aos trancos e barrancos ha so 2 meses ( arabe esta bem longe de fazer parte, rs) e qdo estou com um grupo de pessoas francofonas, nao entendo o que eles falam entre eles e qdo um frances fala comigo, eu peço encarecidamente q ele fale devagar para q eu possa entender. Com isso, fiquei pensando que essa dificuldade de comunicação eh similar ao que acontece a uma pessoa surda e fiquei imaginando estrategias de melhorar a comunicação para nao me isolar.
Certamente, é exatamente isso. Você está vivenciando uma surdez audível, porque na verdade, a deficiência auditiva faz isso: torna-se uma barreira de comunicação.
Mas, lembre-se que, com o tempo, você sentirá cada vez mais afinidade com o idioma e, logo mais, estará dominando a lingua hehe ai a barreira acaba.
grande beijo e otima estada por ai.
“Não se cobre, ninguém muda da noite para o dia. ”
Acredita que essa foi exatamente a frase que a psicóloga me disse hoje?
Mas sei que tenho é que me livrar de uma pequena palavra que tem um grande peso ainda: CULPA.
Não sei se já te falei, mas ainda me culpo muito por conta do TOC, e por mais que me digam ainda não consigo deixar de me achar culpada pelo que faço comigo.
Me considero uma viciada, porque o que faço não deixa de ser um vício, mas sei que só depende de mim a melhora!
Beijão pra tu! 😉
Entendo perfeitamente como você se sente, Bia.
Beijos