O caso de cada caso ser um caso

Há um mês e meio, desde que ativei o segundo IC, que desta vez foi “perfeito” (dentro dos padrões que me comportam, uma biimplantada com mais de 20 anos de privação sonora), venho relatando as minhas conquistas diárias de discriminação auditiva.  Porque eu já era craque em ouvir e escutar – até mais em escutar que ouvir, creio eu – e agora, posso apenas simplesmente compreender o que tanto ouço.

E a colheita dos frutos disso se dá por meio de encantamentos das pessoas ao meu redor. Gente que ouve e pensa em reavaliar a maneira que escuta. Gente que pensa em fazer o IC unilateral ou até o bilateral. E o simples tilintar de tantos pensamentos começarem a surgir, é sinal de que os relatos estão tendo o seu propósito, estão sendo bem feitos.

Só que toda a missão grandiosa (sem falsas modéstias, ok? não tô com disposição de bancar a humilde agora) traz junto uma grande responsabilidade. E eu também comecei a receber emails de pessoas interessadas no IC para algum parente ou para si mesmas, achando que porque o IC tem sido praticamente um milagre pra mim, basta qualquer um, com qualquer tipo de perda auditiva de qualquer grau, ocorrida em qualquer fase da vida, que colocando o IC ele vai funcionar magicamente igualzinho.

Já falei disso aqui e volto a afirmar: Cada caso é um caso e NÃO, o IC não é para todo mundo.

Há casos em que o IC tem indicação sim. Geralmente, perda neurossensorial bilateral severa  a profunda, em que a coclea esteja em boa estado, etc…

Há casos em que o IC não é indicado e em que o resultado dele é muito incerto. E ele depende MUITO do comprometimento do usuário. Não adianta colocar IC na orelha de uma pessoa que não quer usá-lo. E mesmo que ela queira, precisa estar consciente que ela pode ouvir bem ou não. A principal dificuldade do IC é essa: ele afeta de cheio o sentimento de frustração. As pessoas esperam milagres, que ele substitua perfeitamente a audição natural. Só que não é assim. A própria audição natural requer aprendizado – só que é feito num período da vida que a pessoa não se lembra de tê-lo feito. Ela é um sentido de duas partes: captar e interpretar o som. E o IC só garante a parte de captação de som. Interpretá-lo vai depender de cada pessoa. Condições físicas e psicológicas, interesse, disposição, boa vontade, empenho, fé. Tudo isso será necessário para o sucesso do IC.

E o sucesso também é algo pessoal. Meu primeiro IC não me permitia discriminar a fala – ou seja, era impossível compreender a letra da música, sem legenda ou falar ao telefone – mas eu o considerava um sucesso, pelo fato de eu amar usá-lo, amar ouvir mesmo não tendo alcance de todos os sons. E justamente por considerá-lo um sucesso, encarei outra cirurgia, que veio a ser o que chamam de sucesso físico. Ainda assim, com limitações, que podem ou não vir a ser dribladas com o tempo.

Por isso, acho importante enfatizar que só uma equipe multidisciplinar pode decidir quem é caso de IC e quem não é. E é o parecer dessa equipe – e não o meu ou de qualquer paciente ou divulgador – que vai decidir pela cirurgia. Mas, depois de inserido o aparelho, haverá trabalho pela frente.  E os resultados podem demorar e até nem ser atingidos com plenitude e, ainda assim, é importante não se sentir derrotado.

Escrevo pelos emails que venho recebendo: procurem uma  equipe de IC, façam todos os exames, ouçam a opinião dos profissionais – sim, eles sabem do que estão falando. Se quiserem, procurem uma segunda opinião. Lutem pelo IC. Mas, não se deixem levar por expectativas irreais. Não tomem os casos dos outros como parâmetro. Se dois aparelhos dentro da mesma cabeça podem variar tanto – meu caso – imagine de uma pessoa para outra?

Ouvir é mágico, ouvir é incrível, mas nem sempre é possível. Passei mais de 20 anos sem ouvir e isso não me impediu de nada (além de ouvir), portanto, a felicidade e o prazer sempre serão possíveis, a revelia de ouvir ou não.

Beijinhos sonoros,

Lak

 

4 Resultados

  1. Tatiana disse:

    Oi Lak,

    adorei o texto!

    O IC já foi indicado para mim, fiz toda a bateria de exames e tal. Mas os médicos sempre dizem que, como estou muito bem com os AASI, não há pressa. Aí, acabo ficando nessa de “em time que está ganhando não se mexe”. Por causa disso, é que acho que não seria uma boa candidata agora, pois ainda fico muito insegura em relação à escolha.

    Como minha perda é progressiva, vai chegar uma hora em que não terei mais escolha. E aí, vou me jogar de cabeça, sem música eu não fico!

  2. Marcelo P disse:

    Falou tudo Lak! Falou tudo!
    Cada caso é um caso, lembro ainda a chateação que eu tive nos primeiros dias após ativado, só ouvia apitos e mais apitos, lembro quando chorava nas primeiras semanas, por simplesmente não conseguir compreender as palavras, lembro também quando achava que levaria anos para poder conseguir entender sem apoio da leitura labial… Mas vi que foi possível dar a volta por cima, fiz fonoterapia, treinava e continuo treinando até os dias de hoje, quando escuto algum barulho e não entendo pergunto para alguém que estiver próximo, o ganho que eu estou tendo com os implantes esta sendo FANTÁSTICO, e eu aceitei fazer a cirurgia, mesmo sabendo que nem tudo poderia dar certo. Beijo!

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