Poesia Sonora
Recebi, por email, um rapaz pedindo para eu relatar mais sobre o meu caso, porque faz tempo que tenho falado pouco sobre meus progressos.
Na real é que, quanto mais banal vai se tornando ouvir, mais espaçados são os deslumbramentos sonoros. Benesses de ser adulto, a gente se acostuma rápido com as coisas.
Outro dia, a professora de inglês falou comigo, no meio da aula (em português mesmo e, pensando bem, essa aula era de francês, não de inglês) e eu entendi a frase inteira que ela falou, sem ler lábios “Esse é o objeto direto da frase”. Amo de paixão quando isso acontece!
Mas, resolvi trazer pro DNO um texto escrito em… outubro passado, acho… que relata uma “poesia sonora” escrito para a minha coluna da revista Acesso Total, já que sei que nem todo mundo lê minha coluna lá. Ah, acho de suma importância frisar que isso aconteceu ANTES do upgrade do processador Freedom para o Nucleos 5. Ou seja, apesar do N5 ser melhor para ouvir música, o Freedom já permite isso muito bem.
Segue abaixo:
Por vinte e três anos, vagueei pelo mundo de maneira silenciosa. Não, o mundo não era um silêncio, eu que não podia perceber os sons. Contei sobre isso no meu texto anterior, O Ritmo do Coração.
Nesse mesmo texto, falei também sobre isso, “(…)eu me delicio com os sons do cotidiano. E com as poucas músicas que me dou ao trabalho de ouvir. É difícil retornar o hábito.”
Quando decidi fazer a cirurgia do Implante Coclear, não tinha certeza se iria conseguir ouvir música. Porque ouvir e discriminar bem o que se ouve são coisas diferentes. E, por mais que eu tivesse ouvido normalmente até os 10 anos de idade, fiquei 23 anos em privação sonora, perdendo quase totalmente a memória auditiva e, portanto, ninguém sabia precisar se eu conseguiria resgatá-la.
Mas, felizmente, hoje consigo ouvir música sim. Não tão bem quanto um ouvinte. Ouço bem a melodia, discrimino bem os instrumentos, mas a letra se perde bastante. De algumas consigo acompanhar bem. Outras, pego apenas algumas palavras. E outras me escapam por completo.
O hábito de ouvir música diariamente, confesso que não tenho. Fico dias, semanas e até meses sem pegar um espaço do tempo para bombardear meu cérebro com notas musicais.
Ouço algumas músicas de vez em quando. Algumas familiares, outras por sugestões de pessoas amigas (todo amigo meu acha que tem A SELEÇÃO ideal de músicas pra mim). Mas, apenas uma música mexeu de verdade comigo, a música tema de A Pantera Cor de Rosa. Lembro, como se fosse ontem, de procurar o vídeo no youtube. Lembro de começar a ouvir com pouca pretensão de reconhecer bem a melodia – isso foi muito pouco tempo depois da cirurgia – e começar a ouvir. As primeiras notas foram bem familiares, mais até do que eu esperava.
Um misto de emoção, de raiva dos anos de privação sonora, de gratidão por poder ter a música de volta. Lembrei de todos os momentos em que pensei que nunca mais seria possível ouvir aquela exata música de novo. E agradeci a todos os deuses por estar tão errada!
Durante um bom tempo, essa era uma música impossível de ouvir sem chorar. Mas, também era a única música que me causava essa reação. Eu achei que, por ter perdido a audição muito cedo, a única melodia que me marcou tinha sido a de um desenho animado. E tudo bem, tenho a vida toda pela frente para me envolver emocionalmente com as músicas.
O tempo passou nessa minha vida de retorno ao som. Outro dia, acordei pensando numa música que alguém tinha dito que pensava em mim, quando a ouvia, em algum momento da vida. Lembrava do nome e resolvi procurar.
Ouvi. Obviamente, não senti a mesma emoção da pessoa. Mas já que estava com a faca e o queijo na mão, ops, com o fone de ouvido (especial, claro, o IC tem parte externa também e é possível conectar essa parte extena direto nos aparelhos eletrônicos, tipo mp4 player, celular, televisão, etc) fui fuçando nas músicas disponíveis na internet. Deparei-me por acaso com uma música da Elis Regina, alguém que conheço mais pelo nome do que pelo trabalho em si, nem lembrava de ter ouvido qualquer música dela…
A música? “Romaria”.
Comecei a ouvir a bela voz da Elis, que tem um timbre maravilhoso em minha humilde opinião, entoar os primeiros versos. A música me soou estranhamente familiar.
Eu conseguia acompanhar algumas palavras apenas, até que ela chegou no refrão “Sou caipira Pirapora Nossa Senhora de Aparecida…”, onde pude ouvir cada palavra nitidamente.
Fiquei impressionada, porque realmente já tinha ouvido aquela música, a familiaridade era verdadeira.
Quando ela cantou o refrão pela segunda vez, senti a mesma emoção do tema da Pantera. Coração bater numa velocidade que parecia querer fugir do peito. As lágrimas, incapaz de serem contidas.
Apesar de estar sozinha ouvindo música, escondi o rosto entre as mãos e chorei de soluçar, pela emoção de ouvir Elis Regina!
Se o Implante Coclear é um milagre ou tecnologia pura, não sei. Só sei que ele me permite um nível de emoção que, sinceramente, todo mundo deveria sentir pelo menos uma vez na vida!
Beijinhos sonoros….
Lak
é muito legal qdo consegue ouvir uma palavra sem ler os lábios! me sinto a super heroína!!!!!!!! hahahhahaha Me explique direito esse fone de ouvido especial para IC….
bjs alice
Não é nada demais, Alice. É que, em vez de encaixar na orelha (como um fone comum) ele tem uma entrada especial pra encaixar na parte externa do aparelho mesmo. Eu acho o máximo hahaha
Beijos
e tem para aparelhos auditivos convencionais?
bjs
Hummm, acho que vc vai ter que perguntar pra Paula, do Crônicas, pq ela é mais entendida de acessórios pra AASI que eu.
Beijocas
Lak! Também passo por situações assim, de ouvir e sentir o som familiar, apesar de ter ficado mais de 15 anos sem ouvir certos sons, quando ouço ás vezes me emociono.
A musica “Romaria” é linda, gosto muito dessa musica.
E as descobertas sonoras não param por ai, estão sempre trazendo novidade!
Abraços!
E olha que você ainda nem fez 1 ano de implantado, né?
Beijos
“Se o Implante Coclear é um milagre ou tecnologia pura, não sei. Só sei que ele me permite um nível de emoção que, sinceramente, todo mundo deveria sentir pelo menos uma vez na vida!” >> Concordo, Lak! Essa música é tão linda, mamãe vivia cantando ela e essa parte do refrão, eu entendia desse jeito: “Sou caipira pirapora nossa, senhora diiizzzz que aparecia…” hahahah E não faz nem muito tempo quando descobri qual era o refrão certo! Belo post como sempre!
Beijos,
hahahahaha normal esses erros de compreensão de letra. Beijocas
ah, e que máximo voce entender uma frase inteira sem leitura labial! Nessa hora, não tem como não sorrir de orelha a orelha, né? \o/
“já que sei que nem todo mundo lê minha coluna lá.” Ledo engano.Rsrs.
Conversei com um tradutor/Legendador.Marco Azevedo ele tem um blog ótimo.Eu escrevi para ele.Me relatou várias coisas da profissão e me indicou uma coluna segundo ele ótima.Qual???
Acessibilidade Total :Cadê as legendas da Lak Lobato.Conhece?rsrs
Indiquei seu blog ele explica muito bem sobre tradução e Legendagem. 😉
Hahahaha agora vc me surpreendeu…
Beijinhos
Lak, ler os seus relatos mexem de tal forma comigo!
O IC se tornou uma paixão na minha vida e todo os meus esforços e estudos estão voltados para essa área tão fascinante!
Os seus relatos me permitem conhecer a vivência com o IC do ponto de vista de quem o usa, de quem ouve com ele e isso enriquece muito o meu aprendizado!
Bjksss.
hehehehe Isso te torna uma profissional excelente. Quem vê o paciente como um ser humano cheio de emoções e não uma cobaia de estudos, sempre é um profissional acima da maioria.
Beijos