Porque eu amo o Implante Coclear

Lamento imensamente que haja pessoas capazes de falar mal do implante coclear…

Eu passei 23 anos de minha vida em silêncio. Silêncio este que não escolhi. Ele veio numa noite quando faltava poucas semanas para completar 10 anos e levou embora a capacidade sensorial que nos conecta com o mundo ao nosso redor.

Seria mentira se eu dissesse que fui infeliz nesses 23 anos. Quem me conheceu durante esse período sabe que sempre fui uma pessoa alegre, que tirava de letra todas as mazelas do dia a dia. Eu sempre estudei. Namorei muito. Fiz todos os cursos e viagens que o meu bolso (e da minha mãe) me permitiu. Minha vida nunca foi menor ou incompleta só porque eu tinha deficiência auditiva…

Mas, confesso que sempre senti falta de ouvir. Somos seres sensoriais. Gostamos do toque firme de um abraço. Do cheirinho de pão quente e café recém passado de manhã. Fazemos poesia para a beleza do pôr-do-sol. Adoramos o sabor das frutas frescas colhidas direto do pé. Por que ouvir seria diferente? Nosso entusiasmo depende muito do que sentimos, do estímulo desses sentidos que nos definem como seres humanos.

E, como meu sentido auditivo me foi negado pela biologia, coube buscar recursos tecnológicos para poder alcança-lo novamente.

O implante coclear não é barato, concordo. Há pessoas que ganham dinheiro com ele, também concordo. Mas são essas mesmas pessoas que tornam essa realidade possível.

E quem pode mensurar o valor monetário do pôr-do-sol ou o preço de um abraço apertado dado pelo ente amado num dia frio? Quanto você estaria disposto a pagar por aquilo que torna a vida melhor, mais intensa e verdadeira?

Depois de 23 anos de silêncio, foi graças ao implante coclear que pude ouvir o som da chuva. O barulho do mar. Descobrir que o miado dos gatos é um som e que não tem nada a ver com a palavra “miau” que usam para se referir a isso. Pude gargalhar com o som da pipoca estourando no meio de uma tarde chuvosa. Pude me surpreender com o som da minha própria respiração…

Três anos depois, um novo milagre: o segundo IC me deu acesso outra vez à voz humana. E pude descobrir o valor imensurável de cada palavra que, lentamente, era capaz de decifrar. Frases que tomaram conta do meu cotidiano. Descobri que as pessoas falam enquanto abraçam. Que o sotaque dos cariocas é delicioso de ouvir. Descobri que as palavras cantadas ficam diferentes das faladas. Descobri o que é uma jura de amor dita ao pé do ouvido. Que facilidade é pegar o telefone e trazer pro fundo da alma a voz de un amigo querido a 450km de distância.

Tudo isso e mais um número infinito de sons que sou incapaz de listar, são o valor que define o implante coclear.

Quando país de crianças nascidas surdas escolhem o IC para seus filhos, não é porque querem que seus filhos sejam perfeitos, ou porque querem esconder uma deficiência. Eles querem que os filhos tenham acesso a todas as experiências riquíssimas que só são possíveis através do sentido auditivo. E privar crianças dessa experiência só porque tem gente preocupada em manter uma cultura deveria ser considerado crime. A cultura deveria servir seres humanos e não humanos serem escravos dela!

O IC não impede ninguém de aprender qualquer idioma que seja. Tampouco proíbe que a Libras seja o primeiro idioma de alguém.

Mas negar o IC, criar teorias conspiratórias, propagar lendas falaciosas, ameaçar exclusão do grupo aos que optam por tentar ouvir, isso tudo impede o real direito inalienável de escolha.

Quando optei por divulgar o IC, em momento algum tive pretensão de me tornar porta-voz dessa tecnologia. Eu apenas amei poder voltar a escutar. Mesmo ciente que não estava curada. Apenas tenho acesso ao som através de um recurso tecnológico.

Mas, a revelia das minhas pretensões, se é de mim que esperam uma resposta, aí está: que o medo não nos torne reféns!

O implante coclear é uma das maiores invenções da medicina. Que todos aqueles que tenham indicação para usá-lo, tenham também oportunidade. Ele vale a pena! Torna a vida mais rica, mais intensa, mais completa.

Falo isso pelas minhas experiências diárias, relatadas com paixão, com sinceridade, com humildade. Apenas tudo o que desejo para qualquer outro ser humano. Sem querer nada em troca!

Beijinhos sonoros,

Lak

5 Resultados

  1. soramires disse:

    Nós os surdos usuários de próteses auditivas de todo tipo, oralistas e oralizados, usuários da língua portuguesa geralmente sempre nos manifestamos a favor. Sim senhores, a favor de legendas no cinema, teatro, TV, divulgamos a estenotipia em conferências e salas de aulas, avisos luminosos e escritos que dupliquem as informações dos avisos sonoros, divulgamos a existência de despertadores e relógios vibratórios, de telefones amplificados, FM, aro magnético, aparelhos auditivos, implantes e tudo que nos ajude a ouvir e a participar da cultura, educação e trabalho.
    Nunca nos manifestamos contra os que optam por se comunicar usando a língua de sinais porque acreditamos que cada um deve procurar o que mais se adapta a seus desejos.

    Mas, infelizmente, grupos encastelados em universidades federais, saem elaborando teses e mais teses cujo único objetivo é atacar a oralização e cirurgias de implantes de todo tipo, cirurgias que nos permitam exercer um direito essencial: ouvir. Universidades federais são mantidas com nossos impostos e não devem ser um lugar que fomente o separatismo e ataques ao avanço técnico, médico, científico. Atacam cirurgias que são feitas pelo próprio SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. Me parece incoerente uma vez que o SUS é um órgão oficial do país.

    Eu não uso implante coclear, minha surdez é corrigida com aparelhos auditivos potentes e eu não me imagino vivendo sem esses equipamentos. Posso ouvir e falar, participar da sociedade mais ampla utilizando os instrumentos que permitem acessibilidade.

    Passo a palavra a uma escritora de muita sensibilidade, usuária de implantes cocleares para que relate com suas palavras a experiência de ser implantada:
    E coloquei o link para o DNO…se não estiver de acordo posso alterar. Bjs

  2. Roselle disse:

    Querida Lak,
    vc não quis ser,mas pra mim,é uma porta-voz do IC.E pensar que um dia minha filha Marcella passará por tudo isso é gratificante devido a suas palavras.Hoje,recém biimplantada, já percebemos reações que antes não aconteciam a sons que antes ela não percebia.Continue nos preseteando com seus textos e até qualquer dia,qdo pudermos nos reencontrar!Bjos sonoros!!! 🙂

  3. Roselle disse:

    Desculpe:PRESENTEANDO!!!Bjos!!!

  4. Patricia Kadel disse:

    Assinado em baixo, é tudo isso aí, e eu como mãe de um menino não oralizado e implantado aos 45 min do segundo tempo, pois foi implantado as vésperas de seus 6 anos, posso garantir que sim, meu filho escuta, que sim, ele compreende e fala muito bem …não existe idade para IC de crianças nascidas surdas, oralizadas ou não.. 😀

  5. Greize disse:

    Nunca imaginei que a deficiência surdez tivesse tantas divisões.Ok que cada um tem opinião, mas que respeitem o que o outro quer e deixem cada um ser feliz com sua escolha.
    Se não tivesse essas brigas, os surdos /DAs já teriam ganho muitas lutas no quesito Acessibilidade.

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