Qual a receita de bolo na oralização de uma criança surda?
Quando as pessoas conhecem a Joana as reações são sempre de muito espanto ao saberem sobre a surdez. Ela teve um desenvolvimento maravilhoso com o implante coclear e uma reabilitação plena. Costumo dizer que ela é uma surda que não dá bandeira. E quando eu comecei nesse processo de ajudar outras famílias com orientações além de me deparar com histórias diferentes, com lutas muito difíceis, fui encarando com frequência perguntas como: “O que você fez?”, “Como ela fala tão bem?”, e “Qual é a receita?”. E há bastante tempo isso vem me movendo, me fazendo refletir não apenas sobre a surdez da minha filha e as necessidades dela, mas na surdez de uma forma mais ampla.
Tudo que eu mais queria era que houvesse mesmo uma solução de surdez tipo “receita de bolo” bem fácil, dessas sem pulo do gato, que a gente pudesse até vender em pacotinhos no supermercado. Quem vive a surdez e participa dos grupos de apoio sabe que isso é impossível. A diversidade da vida e da surdez se impõe e a gente aprende que soluções “em pacotes” não são eficazes. É tanta coisa que pode ajudar… tanta coisa que pode atrapalhar… uma equação complicada com diversos fatores, mas tem alguns padrões positivos de influência que depois de 8 anos a gente enxerga com muita clareza.
Todo mundo já sabe que diagnóstico precoce, intervenção com tecnologia auditiva e terapia de fala são o começo de tudo, mas na minha receita de reabilitação tem algumas coisas que eu acredito que a família pode fazer por si só e que pode ajudar a todos os envolvidos, com as devidas adaptações a cada caso:
- Não limitemos nossas crianças à deficiência. Elas são muito mais que isso. Elas têm direito sim de experimentar até o que possa parecer impossível. Digo sempre, se for para nivelar com o resto do mundo, nivele por cima, e depois adapte o que for necessário. Bolhas de proteção não ajudam.
- Faça o melhor que você puder para a educação dele, é a coisa mais importante que podemos deixar para os filhos (com deficiência ou não). Esteja presente, apoie, valorize e incentive o que ele fizer de melhor. Ajude com paciência, amor, e até ajuda profissional externa o que for difícil e sofrido para ele.
- Não ponha todas as dificuldades da vida do seu filho na conta da deficiência. Algumas são claramente impostas pela deficiência sim, outras não. Lidar com as dificuldades escolares e de relacionamento sem culpar a surdez fortalece a autoestima e a capacidade de enfrentamento do mundo, dos nossos filhos e nossa também. Fale com naturalidade sobre a surdez, e evite rompantes de ódio com os ignorantes (sim, eu sei que dá vontade de surtar), mas precisamos ser exemplo de força e serenidade para os pequenos. Sem vitimização a vida flui muito melhor.
- Já falei em outra coluna, mas vou repetir: antecipe-se às fases. Seu filho vai fazer a cirurgia de Implante Coclear, leia sobre o desenvolvimento pós implante. Tem 3 anos, leia sobre alfabetização, e assim por diante. Estudo e preparo também nos fortalecem.
Mas, mesmo fazendo tudo isso, e seguindo com a rotina de terapias e escola os resultados nunca são certos, previsíveis e lineares. As crianças são diferentes, os resultados da reabilitação são diversos, e a surdez se apresenta de formas diferentes também, seja por causas distintas ou por apresentar mais de uma deficiência junto. Então, tem mais uma coisa muito importante que nós pais devemos aprender: não se deixe contaminar pelas comparações! Pais, e mães mais ainda, fazem isso o tempo inteiro, a sociedade nos impõe esse comportamento de comparação constante, mais ainda com crianças pequenas. Devemos ter apenas um padrão de comparação dos nossos filhos, eles mesmos. Se estamos evoluindo no dia a dia, se continuamos colecionando pequenas ou grandes conquistas (para nós as mínimas conquistas se tornam gigantescas) é só isso que importa. E é por isso que seguiremos firmes, e em frente.
Quando recebemos um diagnóstico de surdez não há garantias do que virá pela frente. Quando há a possibilidade do Implante Coclear também não temos garantias. Resultados maravilhosos de crianças nos motivam claramente, eu também fui motivada por outras crianças que agora já são adolescentes, mas precisamos focar no nosso filho, nas características únicas dele, no potencial único dele também. Que possamos sempre nos motivar com as possibilidades, sonhar, proporcionar o melhor para o futuro de cada um. Eu tenho certeza, que essa rede de pais, mães e familiares de crianças surdas está ajudando a formação de uma nova geração de surdos, que enfrentarão esse mundão doido de cada dia com muito mais coragem e autonomia. Estamos juntos nessa!
Adorei seu depoimento! Cada criança é única e não podemos limitar nossos pequenos por conta da sua deficiência. Graças a Deus quando encontramos pelo caminho, pessoas iluminadas para nos ajudar na caminhada. Parabéns pela iniciativa!
Texto excelente! Parabéns!!!!