Quando a justiça também é surda
Pela primeira vez no Reino Unido, uma pessoa com surdez profunda pôde fazer parte de um júri utilizando legendas e leitura labial.
Embora em outros países isso já tenha acontecido, até então nenhuma pessoa com esse grau de surdez havia sido autorizada a participar de um júri britânico. Isso porque, segundo a lei britânica, a presença de um intérprete de língua de sinais na sala do júri é legalmente impossível, já que existe uma regra de que apenas 12 pessoas podem estar presentes nas deliberações do júri. Um intérprete seria encarado pela legislação como uma 13º pessoa estranha, que poderia influenciar as decisões do grupo.
Depois de receber uma convocação do júri, Matthew Johnston, de 54 anos, que utiliza um implante coclear para ouvir e conversar, garantiu que não precisaria de um intérprete e notou que a mesa-redonda na sala do júri permitiria que ele lesse os lábios de seus colegas jurados.
Johnston, conversou com os funcionários do tribunal para discutir a melhor forma de poder cumprir com seu dever cívico, mas teve o pedido de usar estenotipia recusado por falta de recursos financeiros.
No final das contas, Johnston conseguiu um financiamento para pagar dois estenotipistas que transcreveram tudo o que era dito nos três julgamentos que participou no tribunal. As legendas apareciam num tablet que carregava durante as sessões.
E parece que a presença de Johnston não foi um obstáculo. Ele foi empossado presidente em dois dos julgamentos, e suas necessidades acabaram sendo muito úteis durante as deliberações, inclusive para os outros jurados. Como todos tinham que aguardar a sua vez de falar para ajudar na leitura labial, isso também ajudava o entendimento de todos os presentes e facilitava as discussões.
“Funcionou. Isso pode ser feito”, disse Johnston à reportagem do The Guardian. “Isso significa que mais pessoas com deficiência auditiva podem ser incluídas em um júri”.
“É muito importante para mim. Não queremos virar as nossas costas à sociedade, queremos ser parte da sociedade. Queremos nos sentir incluídos. Acho ótimo poder ser parte de um júri”.
Cada vez menos coisas que uma surda não possa fazer. Claro que o implante coclear foi fundamental, mas é preciso não esquecer que mesmo assim há necessidade de acessibilidade e algumas adequações.