Sabe o meu amigo…?

Confesso um segredo aqui no blog, eu tenho uma certa reserva, no que se refere a proximidade com crianças. Não que eu não goste delas, elas são incríveis e fascinantes, mas é realmente difícil eu ter disposição para a energia incessante delas. E, pra piorar essa ressalva, sons agudos, pra mim, estimulam as células da base da cóclea e me soam como alta frequência, fazendo com que a voz delas me pareçam muito mais finas e estridentes do que realmente são; de modo que se torna realmente sofrido suportar os gritos de várias delas de uma só vez.

Pois bem, que eu sou encrenqueira quando se trata de defender um ponto de vista, qualquer pessoa que já tenha batido boca comigo está careca de saber. E se tem um assunto que eu pego pesado e não abro mão é o que se refere a inclusão social. Conheço muita gente que se põe contra a inclusão, sob a alegação de que criança com deficiência em escola normal sofre perseguições dos coleguinhas e, assumindo uma postura de “coitadinho, ele já tem um problema, não merece passar por isso”, diz que deve-se esperar ela ter condição de se defender (se é que ela terá condição disso um dia, depois de passar a infância acreditanto que é fraca demais pra enfrentar o mundo). Eu sou radicalmente contra a postura derrotista que impede as pessoas de se fortalecerem. E não, não acho que pessoas superprotegidas conseguem ter melhor auto-estima. Acho que é necessário muita coragem pra ter uma deficiência e não sucumbir à auto-comiseração e enfrentar o mundo com garra.

Sempre afirmo que essa luta, de inclusão, é uma luta que não será ganha para esta geração pioneira desfrutar das conquistas, é uma batalha que transcende o tempo e possivelmente só nossos netos e bisnetos serão capazes de viver num mundo onde pouco importa se a pessoa ouve bem ou não, se ela caminha com as pernas ou girando rodas, se ela enxerga com os olhos ou com tato. E, é evidente que, qualquer pessoa que ousa levantar as armas de batalha, ouço de volta que “é um absurdo exigir que criancinhas sejam usadas como mola para essa mudança”, sem perceber que é justamente inserindo desde cedo ao convívio social com as diferenças, que se evita a formação do preconceito.

im000815E, contra todos os pessimistas, tive a prova cabal disso num dia que fui enviada, pela empresa que então trabalhava, para fotografar o evento de Dia das Crianças, promovido aos filhos dos funcionários.

Como criança tende a estranhar minha voz e eu tenho um pouco mais de dificuldade de ler os lábios delas – que nem sempre se dispõem a falar mais devagar – subi no ônibus que nos levaria ao clube, repleto de criancinhas entre 4 e 11 anos, bastante introspectiva.

Sentei do lado de uma menina fofa, que vestia-se de rosa  da cabeça aos pés. E, assim que o ônibus partiu, a menininha, bastante comunicativa, disse-me:

– Tia, estou tão animada com o nosso passeio. – Esboçando um sorriso de satisfação que nenhum adulto é capaz de fazer.

Eu me limitei a sorrir de volta, sem dizer uma palavra.

Ela fechou a cara, me olhou com uma expressão de interrogação e perguntou:

– Por que você não fala nada, tia?

Vi que não teria como escapar do interrogatório dela e respondi:

– Olha, querida. A tia não ouve bem – Mostrei meu aparelho de ouvido que, obviamente, estava desligado – e tenho um pouco de vergonha de falar commenininha você. – Não me senti em posição de mentir pra ela.

O rosto da pequena criatura ao meu lado se iluminou e, se me permitirem a narrativa poética, juro que vi a face de um anjinho (afinal, sempre digo que crianças são anjos que ainda não tem asas) e ela me disse:

– Eu tenho um amigo na escola que também não ouve! – e falou isso tampando os ouvidos com as mãos – A professora ensinou que a gente tem que falar devagar, olhando pra ele, porque ele lê nossos lábios. Ele usa aparelho que nem você!

A minha surpresa era tamanha, que eu só consegui dizer:

– É mesmo?

E ela roubou o meu coração dizendo:

– Mas tia, você não precisa ter vergonha de falar comigo. Eu vou entender tudo o que você disser….

E, foi naquele instante, que eu ganhei a leveza necessária para fotografar, com o coração em paz, o resto daquele dia!

Beijinhos,

Lak

26 Resultados

  1. renata disse:

    Lak, o preconceito é coisa de adulto, já vivi com inumeras crianças que lidam maravilhosamente com as diferenças.
    Meu pai meses antes de morrer estava com uma aparencia feia (careca, magro e acinzentado) em função da quimioterapia. Todas as visitas evitavam olhar para ele menos algumas crianças que até brincavam e incentivavam.
    Eles são maravilhosos nesse aspecto. beijos

  2. Ana Paula disse:

    Lak, eu adoro as crianças no quesito franqueza e simplicidade de encarar as coisas da vida.

    As crianças tem uma capacidade fantástica de quebrar as nossas pernas com frases de muito efeito e que fazem o nosso dia.

    * assinado a babona por cachorros e crianças. hihihi!

  3. Maysa disse:

    Eu sou apaixonada por crianças, elas não veem maldade nas coisas!! Esse texto me tirou aguinha dos olhos… 😥 Beijoss

    • Avatar photo laklobato disse:

      Não, não veem. Pra elas, tudo é novidade, portanto, passivel de curiosidade. Estando aberto a conversar com elas, você descobre o quão pura e boa é capaz de ser a essência humana!!

  4. Juca Jardim disse:

    eu tb gosto de cachorro e criança… com algumas restrições rs… cachorro só até os 6 meses e criança só quando não chora, não suja frauda, não grita, não fica doente, não faz birra… 😛

    o outro lado da inclusão é tão positivo quanto o que diz respeito à criança implicada, né… aprender a conviver com a diferença, ser tolerante, ser sensível… se escola não é pra isso então tá tudo errado! 🙁 … depois, tem uma questão de fundo que sempre eu insisti na ANDSC: a fragilização, a senilidade é o destino comum de quem envelhece… é a condição humana mais essencial!… então qdo vejo o entusiasmo geral por causa dos “avanços” da medicina que apontam pro “aprimoramento” do ser humano (“mais inteligência”, “mais anos de vida”, etc) eu fico indignado mesmo… pq é simples: se essa insanidade (“tecnoeugenia”) se concretiza, é óbvio que a consequência mais direta é o aumento da intolerância com as situações de fragilização orgânica (exatamente como descreveu Aldous Huxley no “Admirável mundo novo”)… daí que políticas de inclusão acabarão formando a médio/longo prazo uma barreira moral social contra a estupidez humana que delira e acredita em perfeição, né 😉

  5. Rogério disse:

    Obrigado por melhorar meu dia. Quando o assunto é criança meu espírito se eleva e enleva, porque elas não têm as maldades que nós, gente grande, temos. Dia desses uma tia comentou que achava muito legal a maneira com que eu interagia com meu filho, a sobrinhada e respectivos amiguinhos. De fato, acho muito fácil conviver e interagir com crianças, adulto é que é complicado. Beira o lírico sua narrativa, sua “pena” é uma delícia.. Um beijo.

  6. Aldrey disse:

    Oi LAK!hj foi o primeiro dia que li teu blog,gostei muito,adorei como a menina falou com vc,q anjo.Só fiquei triste por vc falar q não pode escutar vozes de criança,vi q vc explicou,penso que vc tem vontade de ser mãe ou já é?pq é algo fantastico,fui mãe depois que me tornei deficiente devido a um acidente,não tenho como definar a felicidade da maternidade!!olha tbm tenho um blog
    http://www.aldreylaufer.blogspot.com
    bjs fica com DEUS

    • Avatar photo laklobato disse:

      Querida, não é assim. Eu posso ouvir vozes faladas em tom normal, só não aguento quando elas gritam em coro (tipo num playground) isso fica dificil de suportar, porque fica muito agudo.
      Mas não, não sou nem quero ser mãe. Gosto de criança, mas não tenho vocação pra maternidade. Ademais, vocês estão fazendo um excelente trabalho de criar a próxima geração sem a minha participação, não precisam que eu fique atrapalhando hihihi
      Obrigada pela visita e pode ter certeza que fuçarei no seu blog!!
      Beijinhos

  7. Kumaiti disse:

    Sou obrigado a discordar da Renata ali de cima: criança é preconceituosa sim, a unica diferença é q o preconceito delas nao é sistemático como o dos adultos, mas toda criança vez ou outra encarna q alguém é o q ela acha q é e pronto.
    Só q ninguém liga pq criança nao tem “poder” pra nada mesmo… E mesmo entre crianças, o mundinho delas é bem cruel: nao é dificil de notar q grupos de crianças tendem a excluir outros q eles consideram “diferentes” e/ou indesejáveis, a diferença q a definiçao deles de “indesejáveis” é meio inconstante.

    No caso ai da Lak, eu aposto q o amiguinho dela era legal, pq se ele fosse chato ela certamente ia “assumir” q todo deficiente auditivo é chato e tratar a Lak mal.
    Igualzinho os adultos.

    • Avatar photo laklobato disse:

      Até onde, K. isso não é reflexo do mundo dos adultos? Criança é esponja, repete o que dizem, inclusive o que não entende…
      Mas é possivel que se o amiguinho fosse chato, ela me tratasse mal. Ai que entrava a brecha que acabar com o preconceito e conversar com ela, né?!
      Não que eu seja a pessoa mais indicada hihihi Vocação pra maternidade/professora primaria não é bem o meu forte.

  8. Edelson disse:

    Olá Lak,

    Eu também sou a favor da inclusão de crianças com deficiência em uma escola normal. Eu mesmo desde dos 8 anos uso AASI e sempre estudei em escola normal e pública e nunca tive problemas sérios. E os pequenos problemas que surgem serve para que nós possamos aprender a enfrentá-los.

    Além disso, as outras crianças ditas “normais”, aprendem desde cedo o que o convívio com uma PCD deve ser o mais normal possível.

    Bjus!

    • Avatar photo laklobato disse:

      Exatamente. Concordo em gênero, número e grau.
      Depois de surda, aos 10 anos, estudei em escola comum tb e não sou uma pessoa problematica nem traumatizada. Alias, sou absolutamente grata por isso!!

  9. Jairo Marques disse:

    Lendo textos de vcs consigo compreender melhor porque conseguimos formar uma “comunidadchi” de gente tão unida. No trecho que escreveu: “Eu sou radicalmente contra a postura derrotista que impede as pessoas de se fortalecerem. E não, não acho que pessoas superprotegidas conseguem ter melhor auto-estima”, senti o quanto somos parecidos…. caraca… eu sou isso ai, que vc escreveu… demais…. Lak tá bombando!!! Uhrúúúú

  10. Juca Jardim disse:

    nem inocentes, nem monstrinhos… só crianças! 😉

    http://www.youtube.com/watch?v=Y9helhhG2eY&feature=PlayList&p=6615330ADEA5068B&index=18

    (finalmente botaram esse filme, Lak!… curto MUITO! 😈 )

  11. Ai Lakinha, essas suas histórias com crianças enchem meus olhos de lagrimas. Sem mais comentários hahaha se não eu choro!!!!

  12. Mariana disse:

    vc sabe o que eu penso sobre crianças. Principalmente sobre filhos. Como já te falei e vc sabe, tenho 3, logo não recomendo pra ninguém 😀

    Mas de certa maneira sou obrigada a concordar com o Carlos. Eles podem ser uns anjos, como vc diz. Mas tb podem ser uns demónios. Criança pode ser muito cruel. Vitimas do preconceito dos pais, da falta de formação, do que for. Mas existe muita crueldade no mundo infantil, sim…

    • Avatar photo laklobato disse:

      Bom, eu não tenho filhos, me limito a falar dos anjos que vejo por aí… E, não é porque existe criança problematica e maldosinha, que vou maldizer todos ser seres humanos com menos de 12 anos.
      Seria seguir a mesma premissa do: Toda mulher é safada. Todo homem é canalha. Todo deficiente é um coitado… É preciso saber dosar. E, pra mim, a maioria das crianças são essencialmente boas, a maldade é impregnada pela convivência com adultos.

  13. Maíra disse:

    Cada história linda, viu??? Essa criança demonstrou um ato de inclusão social, pois soube inserir vc no grupo dela.
    😀

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