Sonoridade ácida

Pedi um suco de laranja.
Ora bolas, o que teria de especial num mero suco de laranja?
É só um suco de frutas. E nem é das frutas mais exóticas. Ainda se tivesse pedido um suco de marmelo com romãs, aí sim, seria razão de sobra para tamanha exaltação.
Mas, pouco depois, ouvi um som repetitivo, que sumia e reaparecia.
Eu não sabia o que era,  pois não me soou nada familiar.
Passeei os olhos ao redor da “Livraria da Vila”, onde há um café com cozinha americana. Aquela vista, por si só, me é um eterno deleite. O lugar é tão lindo, que aguça toda a minha percepção visual.
Finalmente, meus olhos pousaram sobre a máquina onde uma eficiente atendente expremia as tais laranjas.
Laranjas estas, que me agraciaram com seu sumo, para a delícia do meu paladar, ávido pela doçura ácida daquela fruta rica em vitamina C.
Penso que o som das laranjas sendo expremidas, para qualquer pessoa, deve soar até irritante.
Mas para mim, recém liberta de mais de duas décadas de clausura silenciosa, soaram como uma das melodias mais instigantes que já ouvira até então.
Fechei os olhos e apreciei aquele instante, percebendo o suco sendo feito longe dos meus olhos, mas que podia perfeitamente acompanhar o seu preparo. O suco deixara de ser um mero suco, para dar lugar a um banquete inteiro. Ele tocara, antes mesmo de chegar à mesa, muito mais do que meus lábios, minha língua, meu esôfago e meu estômago. Ele preenchia meu cérebro, meu coração e minha alma, que chorava pela sede de sons finalmente saciada.
Quando o suco me foi trazido, toquei-lhe o copo de vidro liso e gelado. Levei o canudo a boca,  percebendo sua textura branda, que num habitual movimento de sucção, me trouxera aquele suco que cheirava à laranja fresca, recém expremida, à boca.
E enquanto sorvia, olhei o copo cheio de líquido amarelo e ri de contentamento ao perceber que tinha o prazer de apreciar algo tão simplório valendo-me dos cinco sentidos.
A sensação era de estar bebendo pela primeira vez suco de laranja, embora soubesse que já o tinha feito um número incontável de vezes…
Talvez nenhuma outra experiência com bebida volte a me ser tão completa, complexa, intensa. E tenho ciência que isso aconteceu somente porque fugiu do habitual. Fora algo banal que, por uma razão inusitada, despertou meu interesse. Mas, era justamente por tais circunstâncias únicas que um suco de laranja me inspirara de forma tão bela.
Foi como, literalmente, beber da mais pura poesia.

Beijinhos sonoros,
Lak

33 Resultados

  1. Eliane disse:

    Além do texto ser lindo não há como depois dessa leitura, segurar o desejo de um copo desse sumo capaz de despertar um prazer inebriante.
    Claro que pra vc o aguçar de todos os sentidos, a sensação inigualável de escutar o barulho do que a seguir lhe colocaria frente a frente com o sabor delicioso da laranja. Sempre acho que Deus estava de bom humor quando
    criou a laranja…me da uma sensação de alegria, mas pra vc me pareceu um prazer completo, intenso e até pq não dizer sensual!
    Puxa que delicia, o que poderia ser o simples beber um copo de suco de laranja se transformou em glamour, em pura poesia! bjs 🙂

  2. Mari Kino disse:

    Pura poesia!! Visual, sonora, auditiva…de todos os sentidos!

  3. SôRamires disse:

    como é bom poder sentir tudo isso… 😀

  4. Andressa disse:

    Lindo texto…difícil agora é não lembrar de vc ao tomar um suco de laranja.
    Heheheh.
    Bjus

  5. Simone disse:

    Lak, ao ler a sua nova postagem, você estava falando de um simples suco de laranja, mas quis transformar numa poesia!!! Eu adorei, sim, Lak, seria bom você colecionar suas poesias para virar um livro…
    😉
    Beijos!
    Simone.

  6. Renata disse:

    Lindo Lak, la vou eu prestar atenção no suco de agora em diante. beijoooss

  7. Paula Pfeifer disse:

    Lak,
    To amando teus posts de descobertas sonoras!!
    Beijos,

  8. Pois é rs, a minha experiência com a tal maquina de espremer laranjas, foi durante uma conversa em uma padaria. Não foi nada agradável, tanto que sai da mesa aonde eu estava (que era na parte interna) e fui pra externa…realmente me irritou e me atrapalhou a conversa. Mas fico feliz por você estar aproveitando todos os sons…e que cada dia que passe, você ouça mais e mais. Beijinhoooos

  9. fabiana disse:

    Lakinha primeiro me ative à foto que está belíssima. Depois ao ler, acompanhei e entendi cada pedacinho que descreveu. Que delícia poder degustar um suco de laranja com os cinco sentidos, não?? Bjsss 😛 😉

  10. Renata disse:

    Oi Lak.
    Quero agraçadecer a vc e seu blog. Ele tem sido uma terapia e um passatempo maravilhoso!!
    descobri minha surdez moderada há uns 3 anos nos dois ouvidos, sou usuária de aparelho auditivo e há algum tempo tenho me sentido “diferente”, mas desde que entrei aqui e no crônicas de surdez, tudo melhorou muito!!
    Obrigada

    • Avatar photo laklobato disse:

      Renata, cá entre nós, a culpa não é sua se sentir diferente. A sociedade se esforça muito pra gente se sentir mal com a gente mesmo. A mídia sempre mostra pessoas com deficiência como exemplos de fracasso, de decepção, de tristeza, etc… É difícil não entrar nessa egrégora e se colocar pra baixo.
      Então, o que você sente é normal e até esperado. Cabe a nós, que compartilhamos a deficiência auditiva com você, te mostrar que não precisa ser assim, que a gente pode fazer diferente e se sentir diferente de uma maneira boa.
      Quem sabe, mais pra frente, é você fazendo um trabalho para ajudar outras pessoas que ainda não descobriram isso?
      Beijocas e, sempre que precisar, fique a vontade pra comentar ou mandar mensagem!

  11. Ana Paula disse:

    Fico imaginando os seus olhinhos brilhando, assistindo a cena toda e ouvindo o atendente fazendo seu suco de laranja…

    • Avatar photo laklobato disse:

      Não imagine-os brilhando. Nessas horas, eu fechei os olhos, para aguçar a audilão… Imagine-os fechados. Pronto, vc imaginou a cena completa hehehe
      Beijos

  12. Renata disse:

    voltei para dizer….. prestei atenção…achei muito legal. obrigada por abrir meus ouvidos. beijos

  13. Rogério disse:

    Só você mesmo, para extrair poesia de uma laranja. Texto lindo!

  14. Glaucio disse:

    Achei excelente seus textos. Você escreve muitíssimo bem. Descreveu detalhadamente, de um modo bem interessante, a experiência vivida naquele instante. Fiquei pensando em quanta gente possui todos os sentidos e ao mesmo tempo passa a vida sem ter o prazer de usá-los. Escrevi um texto de uma situação que vivi realçando os sentidos. Infelizmente o texto ficou muito longo e chato, mas caso um dia quiser ler está aqui: http://efgoyaz.blogspot.com/2010/10/sobre-o-argos.html

    • Avatar photo laklobato disse:

      Oi, Glaucio. Com certeza darei uma passada lá para prestigiar o seu trabalho. Dei uma olhada no texto, por alto, mas ainda não consegui lê-lo todo, farei isso logo mais.
      Acho que a rotina rouba um pouco da poesia da vida. Por isso, cabe a nós buscarmos alternativas para sair do marasmo, que ensurdece, que cega e tira o brilho. No meu caso, não busquei isso propriamente dito, foi algo que me aconteceu, por conta de uma ‘tragédia’ pessoal, mas que me fez resdescobrir a poesia de estar vivo.
      Por isso, escrevo com tanto prazer…. O que estou vivendo é, apesar de banal, lindo de se ver.
      Beijinhos

  15. Julia disse:

    Eu adoro o barulho da maquina de espremer laranja porque ele me lembra que estou poupando vários minutos de espremeçao (???????!!!!!) manual. Mas realmente aquilo que aguça multiplos sentidos é especial. E vc fez ficar mais especial ainda.
    PS.: Por aqui não ha muitas laranjas mas depois de abril vou me empanturrar de mangas!

  16. Mariana disse:

    Ler esse texto foi mais pura poesia também. :~

  17. Texto belíssimo! Sensorial, literalmente sensorial.
    Parabéns, moça! Você escreve bem, e é tão reflexiva em meio à gostosa simplicidade. Como diziam os antigos, és escritora de mão-cheia!

    Beijos.

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