Três anos de implante coclear!

Há três anos, em 21 de outubro, dei o primeiro passo para uma decisão que transformaria completamente a minha vida, em todos os sentidos.

Confesso que não foi uma decisão fácil! Acordei surda numa bela manhã aos 10 anos de idade e tive que aprender a viver assim. Como tenho facilidade de me adaptar a mudanças radicais, não foi tão difícil quanto imaginam, nem tão fácil eu gostaria. Por isso, 22 anos e 10 meses depois, criei coragem para encarar uma cirurgia que poderia me dar, ainda que artificialmente, a percepção sonora arrancada de mim ainda na infância.

Os maiores medos que eu tinha em relação à cirurgia do IC eram de decepções. É difícil prever os resultados dele. Mesmo quando todas as condições são favoráveis, ainda há casos que ele simplesmente não funciona bem. O lado bom desta imprevisibilidade é que, mesmo quando as condições não são nada favoráveis, ele ainda pode ser confortador.

Lembro que, na véspera da cirurgia, eu entrei numa espécie de transe. Era como se eu tivesse mergulhado numa aura de paz. Senti paz – sim, essa é a palavra que se encaixa aqui com maestria – nas 24 horas que antecederam a cirurgia, no pré operatório até o momento em que fui anestesiada.

Quando acordei da cirurgia, infelizmente, foi muito ruim. Eu me sentia absolutamente enjoada e com tontura. Uma tontura que me acompanhou durante dois meses. O prognóstico também não foi como esperado. Eu só tinha 18 eletrodos (o número completo é 22) numa cóclea fibrosa com ponta parcialmente ossificada. Ainda que tenham me dado a notícia da maneira mais suave possível, porque a cóclea estava quase totalmente preenchida por eletrodos, confesso que fiquei decepcionada sim.

A minha sorte é que, tal qual aos 10 anos quando acordei surda, tive forças para fazer uma escolha consciente que, fosse como fosse, a revelia da opinião da medicina, eu podia ser feliz assim.

Saí da ativação e pude ouvir música pela primeira vez. Não como um ouvinte ouve, mais muito mais do que um deficiente auditivo de grau profundo é capaz de perceber através do aparelho comum. A música tinha melodia, não era um simples barulho captado pelo aparelho.

Eu me apeguei às pequenas conquistas do dia a dia. Fiz poesia para cada uma delas. Passei a observar com atenção todos os sons que eu podia captar e a tentar compreendê-los. Fiz o meu cérebro catalogar um número incontável de sons cotidianos, até que levasse apenas meio milésimo de segundos para reconhecê-los.

Pude curtir também conquistas não tão pequenas assim, como a possibilidade de finalmente aprender inglês – um sonho antigo – de conhecer e reconhecer a voz de pessoas amadas, ainda que as palavras só possam ser compreendidas totalmente com apoio da leitura labial.

Pude me deliciar de ouvir o mar. No Mediterrâneo, no Atlântico, no Pacífico. De ouvir o som da chuva, da cachoeira.

Pude me decepcionar de descobrir que tantos sons que eu imaginava não existiam. O pôr-do-sol não faz barulho. A tocha olímpica também não! Mas até isso são descobertas maravilhosas que devo ao implante coclear.

E graças a essa capacidade de escolha, de escolher que não são 18 eletrodos, nem uma coclea parcialmente ossificada que definem o sucesso ou fracasso do IC (mas aquilo que somos capazes de fazer com o que a vida faz de nós, que define se houve sucesso ou fracasso) que não apenas a minha vida, mas tantas vidas, foram transformadas à partir daí. São tantas as pessoas que correram atrás do IC por conta dos meus relatos aqui no DNO. Por conversas que tivemos onde dei meu depoimento. Que acho que se fosse listá-las, perigaria esquecer alguém….

No fim, só posso dizer que ouvir ao corações batendo em uníssono junto com o meu são a prova concreta de que aquela escolha feita foi a escolha certa.

Semana que vem é a ativação do outro implante. Agora, com 22 eletrodos numa cóclea perfeita. Mas, também, tanto faz. O medo de decepções deu lugar a uma folha em branco de possibilidades. Pode ser muito melhor, ser igual, que não importa, porque foram 18 eletrodos numa cóclea fibrosa que fizeram toda a diferença!

Sons, feliz aniversário de 3 anos dentro da minha cabeça!!

Beijinhos sonoros,

Lak