Versão Paterna da Surdez
Outro dia, minha amiga Greiziane Soares veio me perguntar porque eu nunca falava do meu pai e disse que achava que os pais participavam muito pouco da vida dos filhos surdos, pelo que ela observava.
Respondi que era impressão dela, eu falo bastante do meu pai sim, inclusive ele já comentou várias vezes aqui no DNO textos que achava interessante.
Obviamente, a participação da minha mãe, na minha vida, sempre foi muito mais ativa. As mães são assim….
Mas, apesar de tudo, meu pai sempre foi uma presença constante na minha vida (as vezes mais, noutras menos, já que sou filha de pais separados desde os 13 anos). Sempre tive uma afinidade muito grande com ele, adoro conversar com meu pai e, segundo meu marido, sou muitissimo parecida com ele. Nos trejeitos, na maneira de falar (temos o mesmo tipo de tiradas) e até na forma de escrever.
Por conta dessa conversa com a Greize, pedi para meu pai escrever a versão dele sobre a minha vida, afinal, é disso que é feito este blog.
Ter a Lakshmi como filha!
Há muitos aspectos da vida que nos faz pensar e refletir o próprio significado da existência.
Dentre esses a paternidade é inigualável.
Lá pelos idos dos anos 70, já com uma filha de quase um ano, ficamos sabendo de mais uma gravidez.
Naquela ocasião tínhamos a convicção de que enquanto a amamentação estivesse ativa a possibilidade de engravidar era baixa. Ainda assim soubemos que mais uma criança estava a caminho. Não era prática os exames de ultrassom, o que deixava em suspense até o nascimento, o gênero do bebê.
Como da vez anterior o parto foi em casa, sem auxílio técnico, e mesmo tendo algumas pequenas dificuldades no parto, conseguimos trazer a Lakshmi ao mundo, de forma muito eficiente e cheia de alegria. Tínhamos agora duas meninas, com a diferença de ano e meio, lindas e participantes integralmente de nossas atividades. A mãe ministrava práticas de Yoga, assim como eu, além de dedicar-se ao estudo dos mapas astrológicos. Minhas atividades incluíam a prática e o ensino das técnicas da Massagem Oriental.
Vivemos assim no Rio de Janeiro até o ano de 1980, quando comecei a minha transferência para São Paulo. Por quase três anos vivi entre as duas cidades, pois a família não se decidira a se mudar comigo.Já no ano de 1983 é que se deu a mudança em definitivo. As meninas estudavam em uma escola no Ibirapuera, próxima à nossa residência na Vila Clementino. As férias e todas as oportunidades que tínhamos corríamos para o Rio, sempre no desejo de estar junto do mar.
Foi no ano de 1987, quando estávamos nos preparando para uma viagem à Portugal, onde a Eliane e eu ministraríamos cursos e vivências de nossas áreas, que se deu o evento seríssimo da surdez da Lakshmi, de um dia para o outro, sem aviso, e com tamanha intensidade que nos pegou absolutamente de surpresa e transformou definitivamente as nossas vidas.
Fui sozinho à Portugal, pois já no início do que posso sem exagero chamar de périplo de busca da cura, que os médicos alertaram para o risco de agravamento do estado de saúde em um vôo longo. E a viagem que estava sendo aguardada com tanto entusiasmo, transformou-se num exílio, até porque a comunicação era muito menos possível do que nos dias de hoje. Ligações de pequena duração, a cada 2 ou 3 dias, para saber das notícias de São Paulo, das opiniões médicas, enfim o corpo estava na Europa mas o coração e a alma do lado de cá do Atlântico.
É verdade que escrever esse relato tantos anos depois, agora já na minha velhice me enternece as palavras e não alcança o aspecto de aflição que passou a encher os nossos dias.
Já de volta da viagem continuamos a buscar soluções médicas, terapêuticas, de simpatias, de preces…
O tempo foi passando e as soluções e a cura se distanciando, tornando-se uma remota esperança, porém, com uma lição que íamos aprendendo: os médicos mais lúcidos, é bom que se diga, sempre apontaram o futuro como uma esperança. Novos métodos e recursos estavam em desenvolvimentos e isso servia como um alento no horizonte!
Os anos seguidos no silêncio não desanimaram essa menina. Surpreendeu-nos pela determinação na escola, (ela nunca freqüentou escola especial), na faculdade, onde exerceu uma grande influência na consciência de muitos professores, que ministravam aulas falando de costas para a turma, o que dificultava a compreensão de alguém que não ouvia, mas que tinha na leitura labial o grande aliado, inclusive no aprendizado de outros idiomas.
É certo que muitas tecnologias iam despontando, como a internet que contribuiu para que mesmo morando longe, nos comunicássemos. A telefonia celular e os recados por sms, que permitiram a aproximação e o acompanhamento de suas realizações, onde o casamento com o Eduardo, esse incansável companheiro e incentivador, tornou-a uma mulher mais completa e confiante.
Até o desembocar na realidade mais atual do retorno à vida sonora, com as duas cirurgias de implante coclear, que nas graças do bom senhor trouxe à Lakshmi. Agora feliz e entusiasta, que conhecemos em seu incansável blog, bastião de sua luta! Grande benção recebida pela Lakshmi e por toda a família. Graças aos céus e reconhecimento da fé desta menina mulher! Uma honra ter essa menina como filha!
Armando Austregésilo
É claro que nesses meus tempos de trabalho para com a divulgação dos surdos oralizados e do implante coclear, eu conheci muitos homens que participavam ativamente da criação dos filhos (Bruno, pai da Joana, minha afilhada de IC, por exemplo, é um dos meus grandes inspiradores também, só nunca contei isso pra ele hehehe); mas também já soube de muitas crianças surdas crescendo sem pai (estando ou não presentes fisicamente, mas ignorando a necessidade de participação deles no dia a dia), portanto, não sei precisar se é uma regra eles estarem presentes ou ausentes.
Só posso dizer que a presença do pai na vida é fundamental para nós!
Beijinhos sonoros,
Lak
Eu perguntei, porque vi e li muita coisa e soube de casos.Mãe é mãe ,mas figura paterna é tão forte na criança que muitos nem imaginam, falo isso por ter dado aulas, para algumas.
Lindo relato.Seu pai escreve como você, Lak, ta no DNA, né??Trocadilho com DNO.hahaha
E o nome então, são famílias de escritores com nomes diferentes.rsrsrs
Que os pais possam assumir, do jeito deles é claro, uma postura com presença , para os filhos , isso faz uma Grande , diferença.Vou mostrar ao meu pai que esta aprendendo, já que não fiquei surda criança, mas sei que ele faz o possível para mim, o amo mto do jeito que ele é. Bjinhos ; 🙂
Hahahaha tá no DNA e agora, no DNO também.
Meu sobrenome é Lobato Austregesilo, já nasci pronta pro meu destino!!
Beijinhos
Que lindo,Lak,enxergar a sua realidade pelos olhos de seu pai.Perdi o meu(falecido)qdo tinha 17 anos e hj percebo que o que a Greize diz em seu palpite é uma realidade muito próxima a mim.”Se os pais soubessem de sua influência na vida de seus filhos participariam muito mais.”Mas sou feliz por saber que nem todos são iguais!E que a esperança é a última que morre…rs!
Bjos sonoros!!!
Pois eh… ainda bem que ha varios homens nesse planeta pra mostrar que nao sao todos iguais…
Beijos