A difícil decisão pelo implante coclear em crianças

Gente, vou confessar uma coisa: para mim não foi difícil decidir não. Claro, tive momentos difíceis no processo, mas que nunca colocavam a nossa decisão em xeque! Mas vejo tantas e tantas mães nesse sofrimento só de pensar em entregar seus bebês – e às vezes nem tão bebês assim – para um procedimento cirúrgico que resolvi contar mais detalhadamente o meu processo e trazer algumas reflexões.

Nós tivemos o diagnóstico da Joana com apenas 10 dias, quando fizemos o Bera. No sétimo dia de vida, o segundo teste da orelhinha já tinha colocado a gente em desespero e eu só chorava durante todos esses dias. Chorava e rezava. Quando estávamos nos arrumando para ir fazer o Bera, Bruno, meu marido, sentou na sala para me esperar, ligou a televisão, ficou mudando de canal, e de forma completamente aleatória parou num desses canais de tv a cabo… acreditem, estava passando um documentário sobre Implante Coclear. Isso há mais de 8 anos, naquela época não falávamos tanto sobre isso. Ou eu nunca tinha prestado atenção mesmo. Ele me chamou, assistimos um bloco, nos entreolhamos no intervalo, e eu muito prática que sou levantei e falei: “Beleza! Então é isso que a gente vai fazer!” Eu não sou uma pessoa muito mística, nem mega religiosa, mas lá no fundinho da minha fé entendi o recado.

Continuamos com consultas, exames e mais exames. Entre o 7º e o 23º dia eu nem comia aguardando os exames de ressonância e tomografia. Fizemos os exames, era uma quinta-feira, fomos assinar os documentos do plano e no final a secretária falou que o exame ficaria pronto em 4 dias úteis, o que significava mais 6 dias de tortura para saber se ela teria as cócleas e nervos auditivos íntegros para o implante. Mas aí o médico, que era muito amigo do meu pediatra colocou a mão no meu ombro e me pediu para esperar, em meia hora ele retornou sorrindo e disse que estava tudo lá, tudo perfeitinho. Caímos em pranto de novo… e fomos comer, porque ninguém é de ferro. E em menos de um mês de vida dela, já tínhamos o plano traçado: fazer a cirurgia o quanto antes e cumprir todos os protocolos solicitados pela equipe médica. Outra confissão: eu que sempre fui uma rebelde virei a pessoa mais disciplinada do universo! Fui fazendo tudo, colocar AASIs, sessões de fono, e aí começou outra agonia: se ela seria mesmo indicada depois do uso dos AASIs para o implante. Não, eu não tinha nenhuma dúvida de que o Implante Coclear daria a melhor qualidade de vida que eu procurava e a chance da reabilitação auditiva. E sim, fiquei meses sofrendo com a angústia da incerteza de ser ou não candidata.

Mas nesse período de AASIs, que durou dos 45 dias de vida até 7 meses e 10 dias (sim, ela fez o implante bilateral simultâneo com 7 meses), foram entrando outras caraminholas pelo caminho. Desde o papo de que eu não poderia negar a Libras para minha filha, porque estaria privando ela da identidade surda, até a ideia de que deveria preservar os ouvidos dela, ou pelo menos um lado, a espera de uma solução para a surdez com as pesquisas de célula tronco que estavam em andamento. Vou contar o que eu fiz: não apenas conversei com muitos surdos e mães de outras crianças surdas e implantadas como também busquei diversos trabalhos científicos. E eu li tudo, devorei artigos e mais artigos médicos e de fonoaudiologia, conversei muito com médicos para entender o procedimento cirúrgico, inclusive com meu pai, que é médico obstetra e que foi fundamental para me trazer a paz que eu precisava. Uma paz meio fake, cheia de ansiedade, tensão, mas que permitiu que o meu racional comandasse essa situação tão difícil. Porque foi fácil ali no comecinho, mas conforme ia se aproximando mesmo a possível data da cirurgia a coisa vai ficando tensa, mesmo com a certeza de estar fazendo a coisa certa, o coração bate diferente, a gente respira diferente, dorme diferente ou nem dorme.

Entre as primeiras e últimas consultas desse processo, decidimos que faríamos mesmo o implante bilateral por vários argumentos, entre eles não queríamos fazer duas cirurgias e também queríamos proporcionar a audição bilateral até para facilitar questões de equilíbrio e desenvolvimento da marcha, porque ela estava próxima dos 7 meses e logo deveria começar a andar. Meu lado prático argumentava comigo mesma o tempo todo que essa era a “solução” para o tempo dela. Eu não podia esperar, porque a plasticidade neural dela e o desenvolvimento cognitivo não esperariam também.

Então, chegou a cirurgia! Lembra que eu falei do meu pai? Ele, como médico, pôde entrar no centro cirúrgico com a Joana nos braços, e isso já me deu um alívio gigantesco depois de alguns dias muito tensos. A cirurgia durou o bastante para eu conseguir comer e conversar com algumas visitas no quarto, e comi mesmo, um mega sanduíche com tudo que tinha direito. Quando recebi o telefonema de dentro do centro cirúrgico de que tudo havia corrido bem, com todos os 22 eletrodos em cada lado, tratei de expulsar todo mundo, beber uma água e ir ao banheiro. Eu sabia que eu seria só dela por horas e horas. E assim foi, uma tarde e noite chatinhas, com ela bem enjoadinha, mas eu acho que era mais fome do que qualquer outra coisa.

Sobre o pós-cirúrgico, eu ouvia as mães contando mas duvidava que pudesse ser algo tão simples. Pois é simples sim. Seguindo todas as orientações e medicações a criança parece pronta para outra em 24 horas. Quando tudo passou eu só lembrava da tortura que foi colocar um bebê de jejum, da agonia de mãe de lidar com aquele turbante, e do medo infundado e desnecessário que eu senti por tanto tempo, mesmo com tanta certeza que tinha de estar fazendo a coisa certa. A gente sofre demais à toa, e eu deveria ter acreditado mais nas mães que dividiam a experiência delas comigo!

E 8 anos depois nós estamos completamente certos de que tomamos a decisão certa no momento certo. Quem conhece a Joana vê logo o desenvolvimento maravilhoso dela, a criança plena e feliz que ela é, e foi apenas isso que pedi com toda fé quando fiz uma novena para Nossa Senhora de Aparecida, simplesmente porque não conseguia pedir uma cura, acho que sabia que esse não era o caminho. Que Deus não me escute, mas eu tive que pedir um manual para fazer novena pois não tinha a menor familiaridade com isso.

E lembram daquela história de célula tronco? Pois é, em fevereiro de 2020 Joana completará 8 anos de audição. Alguém consegue imaginar o tanto que poderíamos ter perdido em desenvolvimento cognitivo e em qualidade de fala nessa espera? Mães, pais, o tempo é valioso demais nesse processo de reabilitação. E para muitas crianças essa precocidade no diagnóstico e tratamento infelizmente é negada. Não deixem o medo paralisar vocês, entendam os sinais que a vida nos dá, abracem as oportunidades… e claro, trabalhem duro na reabilitação. O caminho tem os seus espinhos, mas depois de algum tempo nessa trilha a gente entende que os medos são bem maiores que as dificuldades reais.

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