A história de uma mãe: aprendendo a lidar com a deficiência auditiva da filha

Quem conhece a minha história, seja pela versão aqui do blog, dos meus TEDx, palestras, posts no face ou até no livro da Lalá, sabe que minha mãe esteve presente no momento em que eu perdi a audição. Mas, o que pouca gente conhece é a versão dela da cena. E o impacto emocional que essa situação trouxe para ela, como mãe.

Durante muito tempo, ela recusou meu convite de escrever para o blog. Ela sempre falou desse assunto, mas não se sentia confortável de escrever. Finalmente, depois de 10 anos me ouvindo falar com cada vez mais leveza da situação, ela encontrou a conexão para compartilhar a versão dela:

Era para ter sido uma manhã como qualquer outra. Acordei e fui ao banheiro. Enquanto escovava os dentes, ouvi um chamado. Era minha filha mais nova, que ainda estava por completar seus 10 anos.  Escutei o chamado e respondi, avisando que estava no banheiro.

A resposta dela foi um sinal de que havia algo errado. Porque não foi uma resposta, mas um segundo chamado. Esse segundo chamado foi prontamente respondido “Eu já vou!”

Mas, ela insistia em me chamar e meu coração de mãe começou a ficar apreensivo. Fui para o quarto dela. Ela estava parada de costas, em frente a janela. Perguntei “O que foi?” enquanto me aproximava. Mas ela não respondeu. E foi aí que eu tive certeza que havia algo errado.
Toquei seu ombro, ela se virou. Eu perguntei “Você não está me ouvindo?”

Ela confirmou “Mãe, eu não consigo escutar. Eu não estou ouvindo nada!”

Por uma fração de segundos, senti meu corpo congelar. Meu coração apertou de uma maneira que eu não conseguiria explicar. Mas, eu precisava ser forte, precisava acolher a minha filha. E foi isso que eu fiz!

Ela era uma criança linda, querida, alegre e divertida. Estava sempre de bem com  a vida. Por que ela?

Quase todas as minhas amigas queriam uma filha como ela. Ela tinha uma capacidade impressionante de conquistar as pessoas com uma rapidez de dar inveja. E, de repente, aquela criança que nasceu saudável, que era tudo que uma mãe pode querer, ficou sem ouvir, da noite para o dia, sem qualquer explicação.

Eu sofri muito com isso! Que mãe não sofreria? Mas, eu me esforcei muito para não demonstrar esse sofrimento. Venho de uma família marcada por muitas tragédias – a essa altura, já tinha perdido meus pais e todos os meus irmãos – e tinha aprendido a me preservar demonstrando o mínimo de dor possível. Achava que essa aura de força era importante para o bem estar de quem estava ao meu redor.

Uma noite, porém, eu desabei! Estava na casa de uma amiga, sem a presença da família. Naquela noite, entre um cálice e outro de licor, veio à tona a minha mais profunda tristeza. Eu tinha vivido muitas perdas, mas nenhuma me doeu da mesma forma que essa. Talvez a gente aprenda desde sempre que a morte é uma realidade. Mas ninguém nos diz que a deficiência também é uma realidade possível.  E, naquela noite, eu me deparei com uma sensação de injustiça, de tristeza, de revolta. Me senti triste com Deus, me senti abandonada por Ele. Era uma sensação como se Deus tivesse abandonado minha filha, permitindo que isso acontecesse com ela, com a menina dos meus olhos!

O tempo passou, ela não voltou a ouvir nesse meio tempo, mas a vida seguiu. Um dia, ela entrou na minha sala, num intervalo entre consultas (sou astróloga) e me fez a seguinte pergunta: “Por que eu fiquei surda?”

A irmã dela também tinha tido caxumba algumas semanas antes e não tinha tido sequelas. Mas, no caso da irmã, demoramos para perceber que ela estava doente, então ela não tinha feito todo o repouso necessário. Tinha ido à praia e até tomado sorvete. Com a Lak, foi diferente, sabíamos da caxumba desde o primeiro sinal. Ela ficou de repouso todo o tempo necessário.

Por isso, eu olhei para ela, sem saber o que dizer, diante dessa pergunta “por quê?”

Antes mesmo que eu pudesse pensar numa resposta convincente – se é que eu teria uma – ela mesma continuou:

“Você estuda sobre karma” – sei que parece estranho uma criança de 10 anos usar essa palavra, mas minhas filhas cresceram nas minhas aulas de astrologia e Yôga, sabiam um pouco sobre meu trabalho e eu já tinha explicado sobre o conceito do karma para elas ­– “você pesquisa sobre karma, você conversa com as pessoas sobre isso, então me diz que isso faz parte do meu karma, porque com certeza deve ter alguma explicação!”

Naquele momento, eu estava diante de uma criança de 10 anos de idade, que dormiu ouvindo e acordou surda. Talvez sem que ela mesma percebesse, ela me trouxe de volta à razão. Ao mesmo tempo que eu tentava aparentar ser uma fortaleza, eu estava em frangalhos, sentia-me impotente. Essa resposta dela me fez raciocinar, sair do meu stand-by emocional, um verdadeiro marasmo de sofrimento. Ela, ainda que fosse uma criança, estava buscando a compreensão e a aceitação, em vez de sentir raiva ou brigar com o universo, que era o que eu estava fazendo!

Foi nessa conversa com ela que eu fiz as pazes com Deus. E senti que começava uma caminhada no sentido de tentar compreender em vez de me remoer. De tentar aprender a lidar com a situação, em vez de querer anulá-la. De parar de tentar negar o que estava acontecendo, para deixar fluir esse novo momento das nossas vidas!

Filhos também nos ensinam. Nós ensinamos a eles o necessário pra a sobrevivência, para a convivência social. Mas eles nos ensinam a exercitar nosso “jogo de cintura” e a desenvolver nossa capacidade adaptativa, que talvez não tenhamos.

Mas, o que aprendi – naquele momento que vou chamar de mágico – com a minha filha de 10 anos, foi que não podemos desistir. Temos que continuar e saber lidar com as situações imprevisíveis da vida. Porque são as adversidades que nos mostram que somos realmente humanos! Nosso sentido de humanidade nos força a passar por cima do sofrimento, em vez de nos deixar sucumbir a eles.

Naquele momento, eu senti como se minha filha tivesse me oferecido a mão e me dito “Vamos juntas enfrentar o dia-a-dia”. Sem, é claro, tomar o meu lugar de mãe. Quantas vezes ela não se voltou para os meus braços, enquanto trilhava seu caminho, me pediu conselhos, me pediu ajuda e voltou para o mundo para trilhar as próprias descobertas, me deixando orgulhosa ao realizar as próprias conquistas.

A surdez limitou a possibilidade de escutar os sons, mas nunca a impediu de viver a vida!

Com o tempo, a abençoada tecnologia do implante coclear proporcionou esse resgate dos sons perdidos. Que acabou por dar um novo sabor e colorido para a vida dessa mulher linda que a minha filha se tornou, com uma garra inquestionável. Ela se tornou a Lak Lobato, alguém por quem eu tenho uma admiração inenarrável!

Às mães que se deparam com filhos com surdez eu digo: não desistam nunca! Filho é uma das maiores possibilidades de evolução do ser humano que somos! Talvez não o único caminho, mas certamente o mais gratificante deles!

Com meu amor e carinho por todas as mães,

Eliane Lobato

Beijinhos sonoros,
Lak Lobato

22 Resultados

  1. Valéria Lima disse:

    Que história! Só agradeço a Deus ser eu a ter a deficiência e não meus filhos! Lak vc é uma abençoada! Um ser forte desde menina, com o propósito de ajudar a vida dos outros! Respeito por vc e sua mãe é no que sinto! 💕

  2. Gabriela disse:

    Que coisa mais linda! Amei! Parabéns por essa mãe guerreira que vc tem.

  3. Siena disse:

    Me vi em varias situações,pois no primeiro momento quem mais sofre são os pais ,a notícia da deficiência em um filho é como uma punhalada no coração e no fim quem nos dá aula de superação são vcs os filhos.Ate hj ainda sofremos eu e meu marido,mais estamos felizes pela tecnologia na vida da nossa menina que a fez voltar a ouvir.Ela tb dormiu ouvindo e acordou surda.Hj é uma surda que ouve e temos muito orgulho dela .Me acabando de chorar 😭 .Muito linda sua história.

    • Avatar photo Lak Lobato disse:

      É, eu acho que são dores diferentes. E pra vocês, é uma dor que queima, porque é aquela situação que não tem como vocês resolverem por conta própria. Mas que bom que, hoje em dia, temos solução tecnológica. Beijinhos

  4. Sonia disse:

    Lágrimas de emoção…como é linda essa troca de energia fazendo com que mãe e filha cresçam para a vida. Duas lindas pessoas numa história de vidas que floresceu e continua florescendo💛

  5. Mary Golden disse:

    Que lindo depoimento! Chorei aqui!

    Parabéns Eliane Lobato por toda garra e coragem! Você é uma inspiração!!!
    Vc tem duas filhas lindas e guerreiras. Muito orgulho!!!
    Parabéns Lak por ser essa pessoa tão querida!!!

  6. Tere Curia disse:

    Lakshmi ficou surda da noite para o dia.
    E assim nasceu Lak Lobato…um anjo na vida de muita gente !

  7. Clivia Cristina Martins Donza disse:

    Nem terminei de ler e já comecei a chorar. Esse sentimento é avassalador dentro de uma mãe. Sempre que imaginava meu filho sem conhecer o som de minha voz, caia aos prantos.
    Parabéns para a Eliane Lobato, por não ter desistido. Não foi só a senhora quem ganhou com o final da história e a superação dela.
    Nós também ganhamos a Lak Lobato.
    Um ser humano iluminado!!!

  8. Almir Lopes disse:

    Que história!!!! Me emocionei…. Obrigado Eliane Lobato por compartilhar o texto mais marcante e sentimentos para as mães guerreiras com seus filhos D.A/IC e a nossa querida Lak Lobato pela insistência da sua mãe o tanto incrível da história de vcs!!!!

  9. Rejane Costa disse:

    Nossa Lak! Tenho algumas lembranças tb de ver meus pais assim, qd descobriram que eu tb era deficiente… não foi da noite pro dia, mas por eu usar óculos desde os 2 anos de idade houve esse viés de não ter sido identificado. Acho que agora, como mãe e lendo o relato da tua, sinto um pouco da angústia que eles sentiram… e mto mais gratidão a eles é o que fica… terem passado por td isso, e acreditado em meus sonhos, não me permitindo desistir nunca, é o maior legado!!! Bjs pra vcs duas, especial pra tua mãe!!!

  10. MAGDA disse:

    Chorei aqui com o que sua mãe falou..não é facil pra nenhum dis lados confesso que peço todas as noites que a surdez não chegue nos meus filhos e neto…depois de ter perdido sei o que meu pai passou…talvez seja realmente o karma .

  11. Liliane disse:

    Coisas de mãe e filha. Fruto não cai longe do pé.tanta sabedoria só poderia ser genético. Lindas vcs duas.amei sua mãe sem conhece lá.

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