Acessibilidade na TV Aparecida: os bastidores do Closed Caption

No começo de julho, tive uma das oportunidades mais maravilhosas da minha vida: conversar sobre as legendas na perspectiva do espectador com deficiência auditiva, com a equipe de Legendas da TV Aparecida.

E, para aproveitar bem a oportunidade, pude conhecer o processo de produção de legenda no formato closed caption que é lei hoje em dia, mas quase todo mundo que eu conheço reclama que não atende as necessidades.

Pelo que vi na TV Aparecida, acredito que o trabalho deles seja um excelente modelo do que a televisão deveria ser para nós, já que quase 100% da programação é legendada, inclusive programas ao vivo.

Aproveitei, então, para entrevistar Flavia Machado, que é coordenadora do Núcleo de Acessibilidade da TV Aparecida, para ela nos contar aqui no DNO como funciona o processo de produção de legenda:

Quando a TV Aparecida começou a legendar os programas? Como foi o processo de legenda, começaram primeiro com os programas gravados ou com algum programa ao vivo?

Começamos a legendar os programas em janeiro de 2012. No início começamos a legendar nossos programas de maior audiência: a Missa de Aparecida (diariamente ao vivo), o Terra da Padroeira (ao vivo nos domingos de manhã) e desenhos infantis (gravado). Éramos uma equipe de 5 colaboradoras que se alternavam para produzir legenda ao vivo e legenda pré-produzida.

E como começou a equipe de legendagem?

Eu fui chamada para implementar e coordenar o setor de Acessibilidade em novembro de 2011. Fizemos a seleção e em dezembro éramos cinco colaboradoras fazendo o treinamento do software de reconhecimento de voz para a produção do CC ao vivo.

Era um aprendizado constante para a criação das legendas, otimização de fluxos de trabalho e também configurações técnicas na emissora. Tivemos um diálogo muito produtivo e próximo com as equipes técnico operacional da emissora para a implementação dos recursos de acessibilidade.

Primeiro começamos com o closed caption e depois iniciamos a exibição de programas com audiodescrição.

As demandas de trabalho e as horas de programas legendados foram aumentando. Hoje somos uma equipe de 12 colaboradoras, sim, estamos com uma equipe feminina, atualmente. Esta equipe é responsável pela produção do closed caption e da audiodescrição da programação da TV Aparecida.

Como é o processo de aceitação do público, você sabe? Tem noção de quantas pessoas atinge com a legendagem? Tem retorno desse trabalho?

Acolhemos elogios e críticas sobre o nosso trabalho. Já recebemos ligações, emails e até cartas dizendo que podem acompanhar a missa muito melhor.

Não temos como quantificar o número de pessoas que nos assiste com a legenda ativada, mas sabemos o alcance da TV Aparecida. Por exemplo, no último de 12 de outubro (dia de Nossa Senhora Aparecida), alcançamos 1 milhão de indivíduos na praça São Paulo, segundo dados da Kantar Ibope Media. Ficamos em 4ª lugar na audiência.

Explica um pouquinho como é feita a legenda? Tem revisão?

A produção da legenda pode ser feita de 3 formas: pré-gravada, pré-produzida e ao vivo.

No modo pré-gravado, produzimos o texto assistindo ao vídeo do programa gravado. Depois sincronizamos este texto com o vídeo em um software específico para a produção de CC broadcast. A finalização é feita a partir da inserção do CC no arquivo de vídeo para exibição. Este mesmo arquivo pode ser armazenado no Acervo da emissora para posterior reprise.

No modo pré-produzido, o texto é produzido antes da exibição, mas o envio dele é feito ao vivo. Essa modalidade é necessária quando não temos tempo hábil para sincronizar e finalizar o arquivo de exibição.

Já a legenda ao vivo é feita através de um software para a produção de CC ao vivo. O método que usamos é o de relocução em software de reconhecimento de voz. Ou seja, a legendista ouve o que está sendo falado no programa de TV ao vivo e repete essa informação acrescentando a pontuação (vírgula, ponto de exclamação, ponto de interrogação). O software transcreve essa informação para texto e envia para exibição ao vivo.

Antes trabalhávamos com revisão na produção da legenda ao vivo. Assim, antes da legenda ser exibida, ela era lida por uma legendista que validava a informação ou a corrigia quando necessário. E esta legendista é quem enviava a legenda para ser exibida ao vivo. Isso melhorava a acurácia, mas aumentava o atraso da legenda em relação ao áudio do programa.

Entretanto, com a evolução tecnológica do software de reconhecimento de voz, conseguimos trabalhar sem revisão com uma ótima taxa de acerto e atraso muito pequeno.

Existe alguma diferença entre os programas gravados e programas ao vivo? Pode explicar um pouco?

Nos programas gravados conseguimos detalhar mais a informação sonora assim como temos uma legenda sincronizada com o áudio, praticamente, sem delay. Conseguimos, por exemplo, pesquisar o nome, estilo ou letra da música que está sendo cantada, ou então, identificar melhor a pronúncia de uma palavra. O que às vezes em um programa ao vivo fica mais difícil, pois algumas músicas são de difícil compreensão (por exemplo, um coral cantando) e às vezes um entrevistado pode falar muito rápido ou com um sotaque de difícil compreensão quando se houve somente uma vez.

Quais as dificuldades técnicas que vocês enfrentam no dia-a-dia?

Creio que as principais dificuldades técnicas são quando o software não reconhece uma palavra ou reconhece de forma errônea e escreve uma informação diferente da palavra dita. Por exemplo, a palavra “intercessão”, que geralmente usamos aqui nos nossos programas, tem o mesmo som que “interseção”. E os significados são completamente diferentes.

Como a TV enxerga o departamento de acessibilidade?

A TV Aparecida desde o início viu o setor de Acessibilidade como um departamento necessário para a produção dos recursos de acessibilidade da grade de programação. Nesses mais de 6 anos de trabalho, os outros setores que compõem a TV Aparecida nos reconhece como integrante do “fazer TV” e também sabem da importância do setor para os telespectadores. Além disso, a TV Aparecida deixou sua mara na história da audiodescrição brasileira ao fazer a primeira transmissão de audiodescrição ao vivo na TV, em setembro 2013, em parceria com a empresa Ver com Palavras.

Tem planos para o futuro?

Queremos melhorar a legenda de efeitos sonoros. Por exemplo, alguns programas usam efeitos sonoros de risadas de criança, buzina, mas também usam melodias para denotar uma resposta errada e soltam bordões no meio da entrevista. Em algumas situações podemos usar: >>[buzinas]. Mas em outras, usamos: >>[Sonoplastia] Tá gostoso, tia Clau!.

Além dos efeitos sonoros, estamos implementando o uso mais detalhado das informações musicais. Ou seja, acrescentamos o estilo musical (sertanejo, rock, etc) ou o instrumento que está em destaque (pontilhado da viola).

Enfim, são desafios, pois precisamos saber a melhor forma de traduzir aquela informação sonora.

Beijinhos sonoros,

Lak Lobato

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