As coisas mais sem preço que existem

Não sou de falar muito dos outros aqui no DNO, porque acho absolutamente irrelevante ficar fofocando a vida alheia. Até da minha, prefiro ater-me somente ao necessário, para não fugir do tema do blog.

Achei que não conseguiria fazer isso mas, quem diria, escrever sobre a deficiência auditiva, o uso de aparelhos auditivos, a oralização, o Implante Coclear tem sido uma aventura e tanto…

Pois bem… Sempre falei que o mais difícil de perder, quando a gente perde a audição, são as vozes das pessoas amadas. A gente pode viver sem música, pode viver sem sons cotidianos, pode viver sem a orquestra da natureza, mas o que é insuportável de se viver sem ouvir é a voz do outro. Isso faz uma falta indescritível, mas que a gente aprende a viver com ela, porque não tem escolha.

Quando fiz o Implante Coclear, era o que eu mais almejava.  Poder ouvir – mesmo sem compreender perfeitamente – a voz das pessoas que eu gosto. Ouvir de novo a voz dos meus pais (que eu ajoelho e agradeço aos céus de tê-los comigo até hoje, porque sei de algumas pessoas que fizeram o implante quando já não tinham mais os pais consigo), da minha irmã, do meu padrinho (que fiz questão de ouvir pelo telefone, afinal, ele foi a última pessoa com quem eu falei por essa via, na noite anterior ao dia que, fatídicamente, acordei sem audição), a voz rouquinha da minha melhor amiga, que assim como a da minha irmã mudou com o passar do tempo, afinal elas como eu, cresceram. Conhecer finalmente a voz do Edu, meu marido e companheiro há quase 6 anos.

Mas, é claro, ouvir a voz deles é um processo gradativo, que vai melhorando e se tornando mais natural com o passar do tempo, seja pelos ajustes de programação do Implante, seja pela reabilitação do cortex cerebral auditivo, que tem que aprender a ouvir de novo e, ainda por cima, aprender a ouvir por impulsos elétricos.

Nunca contei aqui, mas minha mãe é astróloga. Ela faz os mapas astrológicos da seguinte maneira: ela grava um audio da leitura do  mapa. Quando eu era criança, os mapas eram gravados em fita cassete, hoje em mp3, se não me engano (entendo pouquissimo de audio, convenhamos).

Cresci ouvindo ela falando sozinha no quarto, no escritório, conversando com o gravador sobre as posições astrológicas de várias pessoas. Tem alguns trechos que jamais esqueci, tais como “o sabonete lava o corpo, o banho lava a aura” hehehehe

E, o engraçado é que timbre de voz dela mudava quando ela fazia isso. Se torna uma voz branda, doce, firme, que passa uma segurança e uma certeza que faz muita gente se apaixonar pelo trabalho dela.

Deixando de lado que muita gente pode não acreditar em astrologia já que minha intenção não é debater o tema.

Confesso que eu não lembrava muito bem dessa alteração na voz dela porque foi muito tempo sem ouvir…

Até ontem a noite.

A gente estava na casa dela e ela estava lendo o mapa do Edu – assim, na frente dele – e eu nem estava prestando muita atenção, embora estivesse do lado. Ela falava, falava e falava, enquanto ele ouvia atentamente. De repente, ouvi aquela voz absolutamente familiar e viajei na memória para a minha infância, enquanto brincava com ela gravando mapas no cômodo ao lado, com a porta fechada (para, é claro, evitar ruidos excessivos na gravação).

Não me contive e disse: Mãe, sua voz muda quando você fala sobre astrologia.

Ela sorriu e disse que sim, que muita gente fala isso…

Falei da lembrança que tive, do quão familiar me soou, que não lembrava mais dessa alteração na voz e que foi uma sensação bizarra de nostalgia. Enquanto segurava as lágrimas, porque afinal de contas, não queria atrapalhar o papo dela com o Edu.

As pessoas perguntam se ouvir através de uma prótese ‘metaliza’ o som. Seria mentira dizer que é idêntico a ouvir naturalmente, claro. São pouco menos de duas duzias de eletrodos substituindo dezenas de milhares de células nervosas. Mas agora, depois de ouvir a voz da minha mãe resgatar uma lembrança minha, me fazendo viajar na memória, ao tempo de segurança e conforto da infância, dei-me conta que a diferença não é tão grande assim. É apenas uma questão de tempo. O tempo da gente se acostumar com a tecnologia até ela se tornar parte integrante de nós, de maneira cada vez mais natural. E é justamente o tipo de coisa que simplesmente fazem todas as possíveis limitações do Implante Coclear cairem por terra e fazer todo o resto valer a pena!

Beijinhos sonoros e bom final de semana,

Lak