Casal surdo pensa em editar DNA de embrião para evitar mutação auditiva
Anos atrás, li um caso de um casal de lésbicas, surdas, que procuravam um doador surdo para garantir que o bebê nascesse surdo. Lembro, porque muita gente perguntou qual a minha opinião sobre essa questão. Particularmente, eu prefiro não opinar sobre os filhos alheios, já que não sou mãe. Porém, li recentemente a história de um casal russo que está interessado no contrário.
Conta a matéria que Yevgenievna, de 20 anos, nasceu surda. Conheceu um rapaz também surdo, numa rede social. Apaixonaram-se e casaram.
A moça tem surdez de nascença, mas o rapaz não. Ele tem perda parcial adquirida já na adolescência. Então, na crença dos dois, se tivessem filhos, os filhos não seriam surdos.
Porém, a filha do casal não passou no teste da orelhinha e, para o choque dos pais, também nasceu surda. Ao ser levada ao médico para descobrir a causa da perda, ela foi diagnostica com uma combinação genética herdada de ambos os pais ou seja, o gene GJB2, também chamado de Conexina 26, uma das causa mais comuns de surdez genética.
Como é comum em muitos países, a criança teve indicação para o implante coclear, mas os pais, desinformados como muitos, pediram opinião apenas dos amigos anti IC e ouviram que não era bom implantar, que o resultado é ruim e aqueles blablablás que a gente está acostumado a ouvir por aqui também.
Nem todo mundo sabe, mas quando ambos os pais são surdos e portadores da mutação genética 35delG, a chance dos filhos nascerem surdos é de praticamente 100%. Ou seja, se decidissem ter outro filho, muito provavelmente, ele também nasceria surdo.
Então, ficaram sabendo do biólogo russo Denis Rebrikov que trabalha com o CRISPR, um sistema que permite editar o DNA de embriões humanos.
O biólogo estava estudando a possibilidade de usar o sistema para impedir que uma criança herdasse uma mutação genética causadora de surdez, transmitida por ambos os pais. E recentemente anunciou que haviam cinco casais interessados em participar dessa pesquisa. Entre eles, Yevgenievna e seu marido.
A técnica de edição de genes é proibida em quase todo o mundo, mas não na Rússia, onde só é necessário passar por agências reguladoras.
Rebrikov explicou para o casal os prós e contras do experimento, como a possibilidade do bebê nascer com deformidades. Isso os deixou cheios de dúvidas.
Yevgenievna contou: “Muitos me disseram que é melhor ter um filho surdo com um implante do que ter um bebê geneticamente modificado”, e completou: “Essa é a questão. Com um implante, a criança pode não ouvir música, mas terá uma vida feliz, viajará e verá o mundo”.
(Particularmente, acho uma pena que ela tenha recebido informações tão desatualizadas, porque eu consigo ouvir música com o implante. E muita gente que eu conheço também. Incluindo crianças implantadas cedo!)
O casal ainda está em dúvida se farão parte do experimento ou até mesmo se terão outro filho. Yevgenievna decidiu ela própria fazer o implante coclear e experimentar ouvir. O marido, por outro lado, continua disposto a arriscar o experimento de modificar geneticamente o embrião para evitar a surdez num segundo filho.
Enquanto se discute sobre possibilidade de editar embriões para evitar doenças e deficiências genéticas, fica meu olhar sobre tudo isso: super respeito os casais que gostariam de garantir que o filho não herde suas doenças/deficiência. Mas também acho uma pena que ainda exista tanta preocupação com a cura da surdez, em vez de reconhecer os excelentes avanços da medicina de reverter as limitações auditivas através da tecnologia. É claro que desejo que nenhuma criança precise nascer surda e implantar. Mas, se essa ainda é a opção mais segura disponível, por que não param com esse preconceito contra as tecnologias e de disseminar informações equivocadas?
Beijinhos sonoros,
Lak Lobato
Fonte: ScienceMag