“Minha mãe não ouve…”

Há umas semanas, quando foi dia das mães, eu queria ter abordado um assunto que normalmente eu fujo feito o diabo da cruz (é porque não quero ter filhos), mas que seria pertinente ao blog: a maternidade através de mulheres com deficiência auditiva. No fim, acabei fazendo uma homenagem à minha mãe (até porque ela merecia). Finalmente, consegui convencer minha amiga Leila, surda desde os 6 anos e mãe de duas meninas, a contar como é sua  experiência de ser mãe.

Blog Desculpe, não ouvi! :  Leila, fale um pouco de você: de onde você é, qual sua idade, o que você faz, sobre a sua deficiência auditiva, se ela é de nascença ou adquirida, etc…

Leila e as filhas Paty & Aline

Leila e as filhas Paty & Aline

Leila: Sou o Rio de Janeiro, capital.  Tenho 43 anos, atualmente estou curtindo muito ser dona de casa, enquanto aguardo ser chamada para voltar a trabalhar no INSS, no qual trabalhei por 15 anos. Sou formada em Pedagogia e ficava na área de Recursos Humanos.  Mas confesso que estou adorando essa vida, e ao mesmo tempo tenho vontade de voltar a trabalhar também.  Minha surdez é adquirida, tive meningite aos 6 anos de idade. Sou usuária de implante coclear.

Blog DNO : Como foi pra você ter filhos, sendo surda? Acha que existe diferença entre uma mãe surda e uma mãe ouvinte?

Ter minhas grandes filhas não prejudicou nada pelo fato de ser surda. Não acho que existe diferença nenhuma entre uma mãe surda e uma mãe ouvinte, porque ter filhos envolve amor, atenção, segurança e responsabilidade. De uma ou de outra forma, todas as mães devem ter atenção dobrada quando o filho é muito pequeno. Mas, o maior disso tudo é o amor incondicional.

Blog DNO : Como foi criar as meninas praticamente sozinha, até à noite, enquanto seu marido trabalhava?

Foi bem normal. É claro que ficava cansada, o maridão fazia plantão sempre e praticamente criei as duas sozinha, diria eu. Sou “pãe”.  O mérito de tudo isso foi eu ter a oportunidade de criar com autonomia. Por exemplo, ensinei a ir no banheiro desde cedo, assim não precisavam acordar no meio da noite e me chamar. Elas saíam sozinhas da cama e iam no banheiro.  Sempre me avisavam. Olha que até hoje a de 12 anos, a Patrícia, ainda me chama e diz: ? Mãe, vou no banheiro?…. Sempre me avisam sobre qualquer coisa. Quando uma delas ficavam doentinhas, dormiam comigo, mais por preocupação mesmo, coisa de mãe… Até hoje essas coisas acontecem.

Blog DNO : Você teve apoio da família quando optou pela maternidade?

Com a filha Aline

Com a filha Aline

Com certeza. Quando eu trabalhava no INSS, a mais velha, de 18 anos, a Aline, ficava com meu pai, ele levava na escola,  eu só pegava ela quando voltava do trabalho. Foi uma época bem gostosa, porque eu ia trabalhar e sentia saudades, sempre comprava no meio do caminho uma  balinha, um chocolatinho, presentinhos… Que mimo!  A Aline só vive nacasa do meu pai… Não larga ele.

Outra lembrança: fiz meu pré-natal da primeira gravidez com um amigo do meu pai. Meu pai é ginecologista e obstreta e também acompanhou juntamente com o amigo todo meu pré-natal. No dia do parto, comecei a sentir muitas dores, mas muita mesmo. A primeira gravidez é assim mesmo, a segunda foi moleza.
Meus 2 partos foram normais, sem anestesia. Voltando a primeira gravidez, eu estava na sala de parto, e toda aquela equipe com máscaras.
Eu não sabia se sentia dor ou se precisava gritar para todo mundo tirar a máscara. precisava ler os lábios de alguém.  Meu pai tirou a máscara, o médico tirou. Na verdade, eu nem sei se gritei pra todo mundo tirar. Estava zonza de dor. Devo ter gritado, se tiraram.  Eu lia os lábios de alguém dizendo: (novamente, pra falar a verdade, nem sei os lábios de
quem, do meu pai, da enfermeira ou sei lá) empurra, empurra… mais um pouco, respira, empurra… Quando finalmente minha fofa saiu, os olhos do meu pai estavam cheio de lágrimas e eu pensei: “aimeudeusdocéu!!! será que ela nasceu morta?”, mas na verdade as lágrimas do meu pai era de emoção e eu nem conseguia associar nada. Enfim colocaram ela no meu
colo. Não tenho palavras para descrever isso.

Blog DNO : Alguma vez se sentiu julgada por ser surda, para com relação às suas filhas? Acha que elas já sofreram preconceito por sua causa?

Sim. Muita gente ainda não entende como criei minhas filhas sozinha, tem gente que acha que mãe que é surda sempre deve ter alguém tomando conta junto, que é incapaz de criar filhos sozinha… É o preconceito que sempre corre na sociedade. Já houve uma professora que perguntou pra minha filha como eu ensinei minha filha a ler. Parece que ela refletiu a minha deficiência na minha filha, começou a tratar ela como se tivesse dificuldades de aprendizagem.  Mas me sinto vitoriosa, todas as duas tiram ótimas notas, inclusiva a mais velha está tentando vestibular para medicina. A mais nova também quer fazer medicina. Vamos ver!!!

Blog DNO : Como elas lidam com a sua surdez?

ogaaacj7ltk2srkluzmigow7a6xif0wbwysxcs-nvhivgw5nlr8ck_5ufynjkxoam_k8zysagxq-l7fc-67bceze6lqam1t1ulywe0-ehjshcimllac4ea0kpwkzTão naturalmente. Nem foi preciso dizer para elas que sou surda.
Elas perceberam mesmo tão pequenas, conversam comigo tão naturalmente,
me apresentam aos amigos naturalmente, sabem ler os lábios, conversamos
sem voz para ninguém ouvir nossos segredinhos… Encaram tão naturalmente
que elas mesmas já me falaram que eu nem precisaria usar implante coclear,
mas fiz o implante coclear porque queria ouvir a voz de cada uma.
É bem legal, é bem diferente. É bem recíproco.

Obrigada, Leila!!
Beijinhos

Lak

36 Resultados

  1. Raul disse:

    Que fófis essa entrevista! 😎

  2. Raul disse:

    Esqueci de complementar…a Leila é uma guerreira e dou meus parabéns a ela! 😉

  3. Cris Onuki disse:

    Linda sua entrevista Leila. Parabéns!É com informação que tiramos outras pessoas da ignorância a respeito da surdez e suas possibilidades.
    Bjos

  4. Gislaine Oliveira disse:

    Ótima entrevista!

    Isso nos mostra que muitas vezes as pessoas de fora veem mais dificuldades e impecilhos do que quem realmente passa pela situação… E mãe já nasce com instinto de criação e se adapta a sua forma de vida, seja ela qual for! Bjus Lak e Leila!

    😉

  5. Leila disse:

    Oi!!!
    Lak, agradeço pela entrevista bem legal! Dos papos que tenho, 90% são sobre minhas filhas e os 10% são outras coisas. Não dá pra escapar hehehe…

    Agradeço ao Raulzão, Cris e Gislaine.

    Depois volto de novo!!

  6. Bia disse:

    Parabéns para a Leila, é um exemplo para muitas pessoas que ainda acham que as pessoas com algum tipo de deficiência são incapazes de levar uma vida normal.
    Ótima entrevista Lak!
    Beijão e ótima semana pra vc visse??

  7. Leila disse:

    haHaHa! verdade, Lak!
    Elas tinham tantas chupetas, aprenderam a tacar chupetas na minha cara pra me acordar!!! Hahaha! A mais velha escondia chupetas pra eu ficar comprando, era uma atrás da outra, na hora de dormir ela levava uma munição! E depois ela ensinou a mais nova a tacar chupeta em mim.

    Quando eu disse que meu pai chorou qdo a primeira neta dele nasceu e pensei que ela tinha nascido morta, depois me dei conta: a gente sempre esquece que somos surdas, me dei conta bemmm depois que eu pensei daquela forma pq não ouvi o choro! Hahaha! Que mente!!!

  8. elaine disse:

    Leila
    Como vc mesma colocou ter filhos esta ligado a cuidar, a ter um amor incondiocional e,
    é isso. Que todas as mães tivessem essa consciência…
    Agora independente disso da pra perceber sua caracteristica de mulher guerreira,
    batalhadora, que não se intimida diante da vida.
    Pra vc meu carinho, respeito e admiração 😉

  9. Rogério disse:

    Essa da chupetada na cabeça foi ótima. Ocorreu, mesmo? Não entendo por que algumas pessoas insistem em achar que mulheres – em sua concepção – não normais (o que é normal, mesmo?) não têm o direito à maternidade. Você se lembra do post do Jairo por ocasião do Dia das Mães em que foram apresentadas todas aquelas sagradas criaturas e seus rebentos, e em todas o olhar era um só: de mãe. Minhas filhas foram adotadas, a mais velha foi tomada pelo Juizado de Menores por maus tratos, e a mais nova foi simplesmente abandonada na maternidade (a mãe biológica pulou a janela e sumiu do mapa). Essas duas mães reuniam todas as “qualidades” físicas consideradas necessárias para serem tidas como normais. E aí, como ficam os conceitos? Uma beleza de entrevista e de entrevistada. Só o que foi falado, que imagino constituir percentual mínimo, dá bem a amostra do quão linda é a Leila e a relação dela com as filhas. Um beijo a todas vocês.

    • Avatar photo laklobato disse:

      Aconteceu sim. É normal filho de surdo saber desde cedo que tem que chamar atenção dos pais de outra forma que não chorando. O pessoal sempre conta isso na comunidade de Surdos Oralizados. Olha o comentario que a Leila fez depois, contando isso hahahaha Chupetada rules!!
      Pois é, Rogerio, como se a ausência de deficiencia fosse atestado de caráter ou deficiência, atestado de incompetência! A capacidade de cuidar da prole vai muito alem das condições físicas. É algo que vem da alma… Leila taí pra provar que não requer nenhuma mágica, basta amor incondicional!
      Beijocas

  10. carol disse:

    parabeeeeeeeens leila
    tb quero ter filhos!
    bjsss

  11. Simone disse:

    😀 Que ótima a entrevista! Parabéns! Não pude deixar isso de lado!
    Eu também sou surda e mãe de um menino de 5 anos, ele é um companheirão! Ele adora brincar comigo, é muito gratificante o trabalho de mãe! 🙂
    Lak, fico feliz por saber que você enfatiza a importãncia da mãe surda!
    Continua assim!
    Beijos!

    • Avatar photo laklobato disse:

      Simone, acho importantissimo tocar nesse assunto, pra ter um blog de qualidade. As pessoas minimizam a capacidade de um surdo, no que se refere a cuidar de criança. Mas, vendo o exemplo de varias mulheres guerreiras que conheço, sei que é um visão absurdamente equivocada!!
      Tenho certeza que o fato de você não ouvir, não faz diferença nessa hora, certo?
      Beijo pra você e pro filhote.

  12. Cara colega…

    O meu nome é Sergio, sou jornalista e edito um site de variedades cujo nome é Pindaíba.

    Nele, entre outras coisas, divulgamos um monte de sites e blogs dos leitores… e também um monte de endereços que achamos interessantes.

    Conheci o seu através do blog do jairo e adorei. Que bom humor voce tem!!!

    Tendo um tempinho, de uma olhadinha http://www.pindaíba.com.br (secao classificados, item Vou vivendo)

    Se desejar, retiro na mesma hora o seu link (ou, se preferir, coloco outra frase isca)

    Um grande e sincero abraço. E parabens pelo seu maravilhoso trabalho

    Sergio Beni Luftglas

    • Avatar photo laklobato disse:

      Ficou bem legal, adorei a citação. Mas, acho que ficaria melhor se colocassem a frase isca na terceira pessoa, não? Bom, apenas sugestão =P
      Obrihada pela mensão no seu blog e pela visita.
      Beijocas

  13. juca disse:

    gostei muito da entrevista tb!!! e o comentário dela depois tb é HILÁRIO!!! 😀 😀 😀 (o avô chorando e a mãe achando que a filha tinha nascido morta!!! 😛 )

    • Avatar photo laklobato disse:

      Hahaha cada perrengue que a gente passa na vida, merece um comentário justo hihihi
      Leiloca é incrível mesmo. Admiro pra caramba essa jovem senhorinha (ela vai me matar quando ler isso haha)
      Beijo

  14. Maíra disse:

    Linda a história! 🙂 Um dia quando tiver os meus, vou recorrer a Leila pela experiência. Eu já tenho 2 grandes amigas surdas que são mães. ELas tiram de letra também e vai se adaptando de acordo com as dificuldades. Acho muito bonitinho quando um dos filhos dessa minha amiga conversa com ela: ele pega a maozinha dele e põe no queixo da mãe, virando o rosto dela pra frente dele e diz: “mamãe, quero falar com vc. olha pra mim”
    Eu fico boba. 😛
    Qt a história da chupeta eu já sabia… ela ja tinah contado na comunidade dos surdos oralizados.
    beijinhos a todos! 😀

  15. Leila disse:

    Ah, ah, ah! Fiquei vesga com tantos comentários maneiros e bem humorados! Obrigada pra todo mundo daí de cima!
    Sobre virar o queixo pra falar comigo, isso acontece até hoje!!! Por isso ainda não tenho ruguinhas de jovem senhorinha, é tanto exercício no queixo e no rosto: vira e mexe, sempre tem uma mão exercitando meu rosto hahaha! 😀

    Beijocas em todos!!!

  16. Amei a entrevistinha ^^ mt fofa msm!!!!!!

  17. Alex Martins disse:

    Bela entrevista, valeu a pena ler

  18. Walter Kuhne Jr. disse:

    Leila,
    Sem sombra de dúvida, enquanto você não ouvia, era o seu coração e o seu sentimento de mãe que prevaleciam no relacionamento com suas filhas. É como sempre digo: não somos deficientes; somos eficientes, sempre. 😳
    Eu sou o Walter, implantado em 2006 e que há duas semanas implantou o segundo lado. Bilateral com bifelicidade!!
    Abraços sonoros!!

  19. Leila disse:

    São 5 da manhã, acordei para tomar cafém ler jornais online e depois caminhar… Não pude deixar de vir aqui pra dizer que ‘nosso’ blog (posso chamar de ‘nosso’ blog, Lakinha ? ) e agradecer ao pessoal.
    Achei fofo um comentário de uma surda oralizada que ficou encorajada a um dia ter família, filhos, por causa do blog e entrevista. Depois copio o comentário aqui, só pra guardar de lembrança.

    Um beijão em todos, aí em cima!

    😈

    • Avatar photo laklobato disse:

      Claro, é nosso mesmo. Se eu fizesse sozinha, não seria tão bom quanto é. Você, Raul, Anahi, Maíra, Agnaldo, Jairo, Edu e toda a trupe de blogueiros são meus braços direitos. Ainda bem que sou uma deusa hindu e tenho varios braços hahaha
      A união faz a força (cresci ouvindo isso, não poderia deixar de assimilar!)

  20. Adorei a entrevista, da maior sensibilidade… de ambas!!!
    Beijoconas,

  21. Mariana disse:

    Oi!!!
    Adorei a entrevista!!
    Penso em ter filhos, mas sempre bate aquele medo de como saber lidar com tudo isso… por termos nossas limitações, mas como a Leila disse, acaba se adaptando a tudo né? É uma guerreira! Mostra que não devemos desistir!!!
    Adorei o teu blog Lak!!
    Pretendo ler mais vezes!
    Um abraço a todos!
    Mary

    • Avatar photo laklobato disse:

      Sim senhorita, a Leila é um exemplo de força e coragem, mas também, a prova viva de que basta querer, que se torna possível. As limitações humanas mais difíceis de se transpor a incapacidade de pensar fora do quadrado. Como se ter tudo conforme o figurino fosse garantia de alguma coisa (repara no comentário do Rogerio, sobre as mães biológicas das filhas deles).
      Seja bem vinda ao blog e fique a vontade pra opinar. Um blog legal é feito a várias mãos, não posso dizer que faço esse espaço sozinha. Tenho, felizmente, dezenas de contribuidores de altissima qualidade.
      Beijinhos

  22. Leila disse:

    Passei pra mandar oi e beijinhos em todo mundo!!! 😉

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