Aprender francês através da leitura labial

Quando eu tinha uns 17, 18 anos, vi um grupo de dança, com bailarinos cadeirantes se apresentando na TV. Uma das bailarinas (o nome dela me fugiu agora), disse uma frase, que ficou marcada na minha cabeça: “A sua limitação não é o seu limite.”

Pode ser uma frase banal e auto-ajuda, mas eu comecei a perceber o quanto, por conta de comentários de outras pessoas, eu ficava me podando de coisas que queria fazer, porque alguém achava que eu não iria conseguir.

Um dos assuntos que aparenta ser um verdadeiro tabu dentre os deficientes auditivos é o aprendizado de línguas estrangeiras. Mas percebo que, dentre os surdos oralizados, o interesse por outros idiomas é normal. A maioria das pessoas que posta sobre si, na Surdos Oralizados, demonstra sim, interesse por aprender inglês, espanhol, francês, alemão, hebraico, esperanto e araimaico, como qualquer pessoa.

O lance é que, junto com a vontade de aprender, somos bombardeados com a pergunta: “Mas como?”

Pois bem, eu já estudei inglês, francês e espanhol. O inglês é básico, porque foi um idioma com o qual tive contato antes de perder a audição. Na escola que eu estudava, tinha inglês desde o jardim de infância. Portanto, não foi um idioma que eu tive medo de estudar,  mesmo depois de ter a audição comprometida.

Mas, o francês foi uma paixão que nasceu muito depois disso. Minha mãe fala francês desde novinha – ela é do tempo que se aprendia latim na escola – e, quando eu estava pra me formar na faculdade, ela me deu de presente uma viagem à França. Na época, tudo o que eu falava era “Bonjour”, “Merci” e “Pardon, je ne parle pas français”, mas tudo bem, porque ela estava junto pra fazer tradução simutânea em tempo integral. Só que eu voltei de lá verdadeiramente apaixonada por esse novo idioma e decidi que iria estudar francês a ponto de falá-lo sem nenhuma cerimônia.

Pois bem, voltando de viagem, comecei minha peregrinação pra achar algum professor maluco que se dispusesse, não apenas a ensinar a gramática,  mas ensinar a pronuncia pra uma pessoa que tem audição beirando ao zero.

Fui até uma escola bonitinha, perto da minha casa e, como não tinha ninguém na recepção, deixei meu cartão de visitas, com os dizeres: Gostaria de estudar francês. Por favor, entre em contato.

Uns dias depois, ligam da escola. Minha mãe atende e a professora fala: – Gostaria de falar com a ‘Lakismi’ (ou algo assim, ninguém acerta meu nome de primeira).

Minha mãe respondeu: – Ela não fala no telefone.

Ai a professora pensou ‘ah, meu deus, mais uma patricinha de Moema cheia de frescuras’ (ela me contou isso depois, claro).

E minha mãe explicou que eu era deficiente auditiva, queria muito aprender francês e se ela se dispunha a me ensinar, mesmo assim.

Imagino que a maioria dos professores recebessem essa notícia com um nó  no estômago, mas a Cris (Crisaidi, é o nome dela) viu essa idéia como uma oportunidade (e depois dizem que eu sou boba de ser a eterna otimista) e me convidou pra assistir uma aula-teste.

Era uma aula normal, com gramática e pronuncia treinada com vídeos e músicas. O diferencial é que:

1. Ela me ensinou a ler o código fonético do dicionário, de maneira que ela ‘escrevia’ os sons na lousa.

2. Ela transcrevia todo o diálogo do video/música e me fazia repetir em voz alta.

3. Nunca fui poupada de ditados. Mas ela repetia até eu entender a palavra (sempre reclamava nessas aulas, mas ela dizia: Você precisa aprender a ler os lábios nesse idioma, não adianta só falar.)

4. Nas aulas de conversação, ela corrigia minha pronuncia sem a menor compaixão. Nunca a minha surdez era desculpa pra deixar passar uma palavra mal pronunciada.

Se hoje eu falo francês bem? Creio que sim. Mas o mais importante é que junto com o francês, naquelas aulas eu aprendi que, quando a gente quer algo de verdade, tudo é possível.

Beijinhos

Lak

p.s. a primeira coisa que eu fiz, quando comecei a estudar, foi ler O Pequeno Principe em francês. Afinal “c’est le temps que tu as perdu pour ta rose, que fait ta rose si importante”. (Antoine de Saint-Exupéry)

14 Resultados

  1. Bia disse:

    Oi Lak, te conheço na comunidade Palpiteiros do Orkut 3.0 (lá estou com meu nome mesmo, Núbia), foi lá que vi o endereço do teu blog, achei muito legal você está de parabéns!

  2. Maíra disse:

    É, Lak! Eu sofri horrores no inglês… ah como detestava ir as aulas de inglês!! já o espanhol e o italiano sempre foram ótimas pela facilidade de fazer leitura labial. Mas fazer leitura labial em inglês até hoje não sei… estou criando um bloqueio com isso.
    Nunca tive essa grande idéia da tua professora… ainda que eu soubesse o que era melhor pra mim. O inglês tem a boca fechada, certas pronúncias com a lingua ligeiramente pra fora (tipo ‘the’). Me confundo toda!!
    Lak, inclusive, tem um professor aqui em Brasília que está dando aulas de inglês na fundação só para surdos. Soube de uma pesquisa de uns pesquisadores interessados saber COMO surdos aprendem lingua extrangeira. Posso te dar teu email? É interessante vc passar essa vivência.
    beijinhos.

  3. Juca Jardim disse:

    ai! eu escrevi e não apareceu Lak 😐

    eu escrevi mais cedo que pra mim o difícil não é entender como a pessoa pode “ler lábios”… difícil MESMO é entender como essa pessoa é capaz de falar sem escutar o que diz! (pq quem é “ouvinte” vive se policiando pra pronunciar direito as palavras… se sai errado, todo mundo ri, inclusive ele próprio, né rs)

    escrevi tb que eu lembrei daquele filme “Babel” por causa do título desse post seu (aquela cena das japonesinhas conhecendo os caras… um deles pede até “desculpas”, né 😐 )

    mais beijos!

    • Avatar photo laklobato disse:

      Juquinha, a gente fala tendo muita cara de pau mesmo…. E se polica também, mas chega uma hora que tb dá um foda-se e quem não entender, se mata!
      O lance é que, por conta da fonoterapia que a maioria de nós faz, aprende a ter controle de respiração, de vibração e sabe fazer coisas que pessoas ouvintes não sabem huahuahua
      TUDO, Juca, TUDO MESMO é possivel. Basta querer….

  4. Juca Jardim disse:

    http://www.youtube.com/watch?v=3tWyZqNNE1c

    eu adorei esse filme!… geralmente a gente minimiza a audição como limitação, né… pelo menos eu sempre pensei como uma coisa muito melhor administrável em comparações com outros casos… aí qdo a gente se depara com umas situações assim, quando a gente lê os causos… aí a gente vê que não é bem assim, né 😐

    mais beijos de novo, Lak! 😮 (isso é “beijo de sapo”??? 😛 )

    (putz, eu boto os links dos blogs no meu orkut mas em 10 minutos some o post!!!… pq isso acontece, vc sabe?… que raiva!)

    • Avatar photo laklobato disse:

      Assim, a def. auditiva é a que menos limita uma pessoa, no sentido de independência pessoal. Um surdo não precisa de ajuda pras coisas básicas como se vestir, ir ao banheiro, tomar banho, escovar os dentes e o cabelo. Não precisa que levem ele em lugar nenhum, não precisa que adaptem a calçada pra ele.
      Mas, é a deficiência mais isolante de todas, porque dificulta a principal caracterisca humana: a comunicação pra formação da comunidade.
      Não gosto quando falam em surdez como sinônimo de subdesenvolvimento cognitivo ou com peninha. Mas tb não gosto quando minimizam a surdez como deficiência. É complicado sim, eu lido bem com isso, mas não sou exatamente o parâmetro pra decidir que surdo não é deficiente propriamente dito.
      Super obrigada pelo video, vai servir pra outro post.
      Adorocê!!

  5. Raul disse:

    Eu também tenho traumas com inglês quando se trata de leitura labial. Sou um desastre completo. Acho que nós por sermos familiarizados com a língua latina,de uma certa forma, temos mais facilidade de fazer leitura labial em línguas latinas como espanhol, italiano , etc.

    Eu acho engraçado que muitas vezes eu vendo o italiano falando, eu entendo a frase inteira, mesmo nunca ter tido algum contato com a língua italiana.

    • Avatar photo laklobato disse:

      Inglês é dose mesmo, concordo com vc!! hehe mas acho que é uma questão de praticar à exaustão.
      Italiano é facílimo mesmo, já tinha te falado isso!

  6. Raul disse:

    Voltanto ao assunto do post da Lak, eu também fiz este esquema com uma professora de inglês. Fiquei 2 anos com ela e foi super legal. Mas conforme o tempo passava, a coisa apertava, o desânimo aumentava e daí eu fugi! 😮

  7. Maíra disse:

    Poxa que legal Raul!! Veja que isso que é muito útil para surdos oralizados.
    Também não gosto quando minimizam a surdez. As vezes tenho a sensação que outros pensam que não é nada demais. “Ah Maíra, vc tá muito bem, não tem dificuldades, vc fala bem.”
    Na hora dói meu coração.

    (Lak, não tenho teu email, me manda por depoimento no orkut)

  8. Mariana disse:

    eu sabia que vc falava bem francês, mas nunca me ocorreu te perguntar como tinha aprendido, pq vc sabe, eu nunca lembro que vc não ouve. Mas obrigada por me ter esclarecido.

    Embora eu ache que vc fará qualquer coisa que tenha vontade de fazer…

    beijos

    • Avatar photo laklobato disse:

      Gosto da maneira como você me vê…. prova que meu esforço não é em vão.. E sim, sou uma dessas pessoas doidas que crê piamente que querer é pode…

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