População surda oralizada, quantos somos?

Deficiência ainda é tabu e, por ser tabu, muito do conhecimento popular resume-se ao estereótipo.

No caso da surdez, a crença popular de ser surdo é sinônimo de ser usuário de língua de sinais. Ainda que uma parcela significativa de pessoas com surdez seja realmente usuária ou entusiasta da língua de sinais, é uma visão equivocada resumir todo o universo da surdez aos usuários de língua de sinais.

A Língua Brasileira de Sinais (Libras) realmente tem uma presença forte no país. Desde 2004, é reconhecida como língua, como forma de comunicação e expressão válida, segundo a Lei Federal 10.436. Graças a essa lei, a Libras tem tido espaço suficiente para debate e, no mínimo, boa parte da população sabe sobre a existência dela.

Porém, até o momento, nenhuma pesquisa foi feita para descobrir qual o número oficial de pessoas falantes de Libras como primeira língua. Os números estatísticos usados geralmente baseiam-se no Censo do IBGE de 2010, que trazia um número significativo de quase 10 milhões de pessoas que declararam ter algum grau de dificuldade de ouvir. Se você já leu nosso artigo anterior sobre esse assunto, poderá ter uma visão clara da amostragem da pesquisa, que não levou em consideração qual a língua principal usada pelos entrevistados.

Ainda assim, a mídia utiliza esse o número de “10 milhões de pessoas” quase sempre que precisa dizer quantas pessoas são usuárias de Libras. Ou seja, com base em uma interpretação equivocada dos número, eles consideram que o número total de pessoas com qualquer grau de deficiência auditiva no Brasil utiliza Libras, o que não é a realidade.

O perfil dos surdos no Brasil

Em setembro do ano passado, o Instituto Locomotiva divulgou uma pesquisa que revelou os seguintes dados:

  • 10,7 milhões de pessoas possuem algum grau de perda auditiva.
  • 2,3 milhões têm deficiência auditiva de graus severo ou profundo.
  • 54% de homens e 46% de mulheres.
  • 57% tem mais de 60 anos.
Dica importante: Perdas auditivas leves e moderadas também causam prejuízo na compreensão auditiva e requerem alguma forma de adaptação ou acessibilidade.

Surdos adquiridos são a grande maioria da população com perda auditiva

  • Apenas 9% são surdos de nascença. O restante, 91% perderam a audição ao longo da vida.
  • 50% dos surdos adquiridos perdeu a audição após 50 anos.
  • Apenas 15% das pessoas com perda severa nasceram surdos.
A surdez adquirida ao longo da vida é mais comum que a de nascença. E, levando em consideração que mais da metade perdeu a audição após os 50 anos de idade, conclui-se que mesmo entre as pessoas com surdez severa e profunda, uma parcela significativa tem o português como língua materna.

A análise desses dados nos leva a concluir que uma parcela muito significava já tinha adquirido a língua portuguesa oral como idioma materno, afinal perderam a audição na fase adulta. Logo, o número de falantes de Libras só seria de 10 milhões, se toda pessoa que perdeu a audição aprendesse a língua de sinais imediatamente, o que sabemos que não acontece.

Uma parte das crianças que nasceram surdas poderá fazer uso de aparelhos e implantes auditivos e será alfabetizada em Português ou em Libras ou nos dois, mas grande parte das pessoas que já passaram da fase de alfabetização (que fazem parte dos surdos adquiridos), muito provavelmente não optam por aprender uma língua nova e farão uso de tecnologias auditivas e da leitura labial.

Numa outra pesquisa, realizada aqui no site Desculpe, Não Ouvi! com uma amostra de 629 pessoas com perda auditiva unilateral ou bilateral, a grande maioria disse ter capacidade de fazer leitura labial e a utiliza como apoio na comunicação em alguns momentos (ou em todos).

Surdos oralizados utilizam o recurso da leitura labial.

A importância de saber quem somos

Compartilhar essas informações é essencial para que os surdos oralizados sejam reconhecidos pela população, pelas empresas e governantes, para que tenham acesso à cultura, entretenimento, políticas públicas e diretrizes educacionais especializadas que levem a uma inclusão escolar e social completa, nas formas adequadas às suas necessidades.

Todas as pesquisas realizadas apontam que a deficiência auditiva abrange diversos perfis de pessoas com surdez, portanto, as formas de inclusão e acessibilidade que a sociedade propõe também devem ser múltiplas. Somos diversos!

Fica uma última pergunta: se você perdesse a audição amanhã, iria preferir aprender uma língua nova ou ter conteúdo acessível falado e escrito, com legendas na sua língua materna e acesso à reabilitação adequada para ouvir melhor?

Leia também sobre a PNS 2019, a nova pesquisa do IBGE com dados inéditos sobre surdez:

IBGE confirma: surdez não é sinônimo de Libras

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