Porque é preciso ser uma péssima mãe, às vezes…

10h da manhã, toca o telefone e o identificador de chamadas já mostra que é da escola. Quem é mãe já conhece essa sensação de o coração parar, né? Ainda bem que não era da enfermaria, apenas da coordenação. A funcionária me informa que a professora pediu para avisar que depois do recreio o aparelho da Joana parou de funcionar. O coração para novamente… respiro fundo e pergunto: foi um só, né? Mas ela não soube precisar se era um ou os dois implantes. Eu deduzo que seja apenas um, afinal, nunca em 7 anos e meio de implante vi os dois pararem juntos. E por isso tomo uma decisão que alguns podem recriminar (já que eu estava do lado da escola), mas que achei extremamente necessária: tudo bem! Deixa ela lidar com essa situação, eu sei que ela vai se chatear, mas também sei que ela vai se virar bem até meio-dia ouvindo apenas de um lado. E desliguei o telefone.

Em 5 segundos entrei em crise. Que tipo de mãe eu sou que não corre para a escola para resolver isso? Eu sei que muita gente me acha centrada e um exemplo de como lidar com a surdez, mas eu também tenho dúvidas, medos, e claro, muita culpa. Precisei mandar mensagem para aquela amiga (só ela me entende) e literalmente pedir socorro, porque todas nós precisamos aprender a pedir socorro. Ela me fez refletir que apesar de eu poder correr lá para tirar a Joana dessa roubada, eu também preciso deixar ela experimentar aos poucos que eu não poderei tirar sempre ela das roubadas, sejam elas auditivas ou não. Amiga que é amiga manda na lata: “você vai ficar aí sofrendo, e deixa ela se virar lá porque o problema é dela”. E assim eu consegui respirar até meio-dia, mas cheguei na porta da escola às 11:30h, munida de um par extra de baterias, e pronta para entrar correndo caso me ligassem novamente. Quando a turma saiu e ela me viu, se encolheu ao meu lado, como um bichinho pedindo colo, proteção… chamei ela e me dei conta do pior: os dois aparelhos tinham parado, e ela ficou 2h na escola sem ouvir absolutamente nada. Gelei. Troquei correndo as baterias (ainda bem que tinha levado o par), ela sentiu um incômodo danado por ligar os aparelhos em um ambiente barulhento, me abraçou muito, estava visivelmente amuada, magoada, mas também estava firme, nada de choro.

Desenho da Joana

Hora de conversar com a professora, eu cheia de culpa, ela super tranquila. Quem conhece a Jojô sabe que ela tem uma personalidade totalmente ouvinte, ama sons, fala pelos cotovelos e que quase não tira os aparelhos. A professora começa me tranquilizando, confirma que realmente ela não ouvia nada, mas que entendeu bem quando falava com ela. E aí veio a grande surpresa, ela me diz que diante disso fez uma adaptação na aula, ao invés de continuar com o planejado que era um momento de explanação oral com a turma, ela mudou os planos e lançou matéria escrita no quadro para facilitar a compreensão da Joana. Como não amar uma professora dessas? Chorei e me joguei nos braços dela, porque apesar dela falar isso com toda a naturalidade, como se ela não tivesse feito nada de mais, a gente sabe o valor dessas atitudes quando a gente lida com uma deficiência, e mais ainda sendo mãe. E essa história minha gente é para encorajar mais vocês, mães e familiares, e a mim também, a soltar mais essas nossas crianças surdas para o mundo, e também para a gente se encher de esperança de que o mundo pode sim ser gentil com eles.

Uma observação: à tarde, no mesmo dia, depois de uma longa conversa ela me deu esse desenho que ilustra o texto, e assim com declaração de amor, muitos coraçõezinhos, colorido e notas musicais minha culpa se dissipou, e acho que nossos corações ficaram em paz.

Mariana Candal

10 Resultados

  1. Valeria Prata disse:

    Já passei por isso tb!!!! Mas confesso que não consegui!!!! Fui de Olaria a Barra pegar uma bateria!!!!

    • Mariana Candal disse:

      Valéria, tb já tinha acontecido comigo há alguns anos atrás, e eu tb fui correndo… mas dessa vez repensei, e de certa forma deu certo. Sei que ela sofreu um pouco, mas tb sei que esse episódio tb tornou ela mais forte. Mas não é fácil pra gente não… 😘

  2. Mônica Campello disse:

    Ao ler senti essa profusão de sentimentos q tomou conta do seu coração e que bom que a Jojô tem você “por longe e por perto”. Por vezes é necessário cuidar de longe para q ela aprenda a se fortalecer pra experienciar momentos delicados da vida assim como todos nós passamos. Você foi humana…precisa se olhar um pouco também.,Ela sobrevive, pois foi e continua sendo muito bem preparada pra isso. Parabéns por escrever de forma tão transparente permitindo-nos participar desses momentos e também aprender com eles. 💕

  3. Telma Vigo disse:

    Mari, lindo, lindo, lindo. Ser uma boa mãe é muito difícil e cansativo. Já chorei algumas vezes, com saudades de ser filha.

  4. Cristiane Malheiros disse:

    não é fácil deixar eles cresceram e se virarem sozinhos mas é necessário… parabéns pela coragem… eles precisam da nossa coragem

  5. Mariana Candal disse:

    Obrigada Monica!!! Fui humana, e é por isso que a gente sofre junto né? É um exercício importante equilibrar a mente e o coração… mas eu acho mesmo que está dando certo, e acho que a interferência de anjos como a professora tornam todo o processo mais leve! Bj

  6. Como é bom ler esse texto!
    Lembrei de uma cena do filme sobre o Ray Charles, logo no início: ele é pequeno, está na cozinha com a mãe e quer alguma coisa – que ele mesmo pode fazer sozinho. Mas chora e implora ajuda. A gente sente o sufoco da mãe – dá vontade de entrar na tela e fazer! Mas ela aguenta: são negros, pobres e moram numa parte mais racista que outras nos Estados Unidos. Ela sabe que ele precisa aprender a se virar.
    Parabéns pela lucidez e por acreditar no potencial de sua filha!
    A professora também merece!!!
    Continue a escrever!
    bj

  7. Fernanda Amaro disse:

    Como foi bom ler seu relato… Nath tem 2 anos, é autista e eu penso muito na escolha da escola e também de como eu vou lidar com a dificuldade da inclusão que sei que ela terá q enfrentar e eu também… isso porque sou professora e vivo em ambiente escolar e vejo tanto as dificuldades como pessoas preocupadas em ajudar e melhorar todo esse processo. Porém como mãe o medo toma conta de mim…

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