Porque precisamos falar sobre surdos oralizados

Recebi ontem essa pergunta, pela enésima vez: Você pode falar sobre a importância da Libras?

Quatro livros publicados sobre surdez no olhar de quem usa tecnologia para ouvir. Dois deles para crianças que usam aparelhos ou implantes auditivos terem representatividade.

Sabe o que é nascer com audição menor que o normal, independente do grau e crescer usando aparelhos e fazendo terapia com fonoaudiólogos?
Sabe o que é ficar doente e ter sua audição diminuindo ou sumindo?
Sabe o que é sofrer um acidente de carro ou bicicleta e bater a cabeça e sua audição desaparecer?
Sabe o que é acordar um dia, sem audição nenhuma?
Sabe o que é ser a única pessoa, na sala de aula, na família, no escritório que você trabalha, usando um aparelho pendurado na orelha?

Sabe o que é lidar com comentários como
“Ôh, surdo? Não tá ouvindo? Usa essa porcaria de aparelho pra quê?”.
“Ah, que coisa feia esse aparelho na sua orelha, né? Por que você não esconde?”. 
“Se eu fosse você, fazia mais fono, porque dá pra perceber que tem algo de errado na sua voz.”

Sabe o que é ter que explicar que colocar um aparelho não curou a sua deficiência, você ainda precisa de ferramentas que proporcionem a sua acessibilidade? Que, às vezes, você precisa que falem mais devagar, mais alto, mais claro, de frente pra você? E encontrar má vontade, te tratarem como preguiçoso ou burro? Não te chamarem para a conversa “porque você não vai entender mesmo”?
Sabe o que é usarem a sua má audição para te culpar de um ordem mal dada ou instruções equivocadas? “Eu expliquei pra ela, mas ela não entendeu porque tem esse problema ai”.

“Problema”. É assim que chamam a baixa audição, a audição que depende de tecnologia.

Voltando à pergunta inicial: Não! Eu não posso falar sobre a importância da Libras. Porque tem uma Lei Federal de 24/04/2002 nº 10.436 falando sobre a importância dela. E tem intérpretes, surdos que usam Libras – inclusive a Secretária Nacional da Pessoa com Deficiência  – para falar com propriedade sobre a importância de Libras. Tem a mídia que sempre que aborda um surdo, o faz sob o olhar dos usuários de língua de sinais. Tem a sociedade que acha lindo a língua e que “só não aprende porque dá muito trabalho”.

Mas, quantas pessoas estão falando sobre aparelhos auditivos? Quantas personalidades você conhece que falam sobre crianças que usam aparelhos auditivos? Quantos influenciadores você conhece que abraçaram esse grupo? Qual a Lei Federal que você tem na ponta da língua que fala da diversidade de perfis de pessoas com deficiência auditiva? Quanto espaço dão na mídia para falar do uso de tecnologias auditivas, do uso de sistemas que melhoram a qualidade sonora, sem ter caráter de “notícia médica”? Quantos personagens surdos oralizados você já viu em filmes e novelas?

E, mais importante de tudo, quantos livros você já leu com essa temática?

Então, eu posso falar de surdez e não querer falar sobre a importância da Libras!
Ao me fazer essa pergunta, você já demonstra que sabe que ela é importante.

Mas o assunto que eu escrevo: uso de tecnologias auditivas, representatividade e inclusão escolar de crianças com implante coclear, causas e tratamentos para surdez, boas práticas na inclusão social de pessoas com baixa audição,  você sabe a importância disso? E está aberto a escutar sobre a surdez nesse foco e compartilhar informações sobre isso?

A surdez é plural! E o olhar da sociedade sobre a diversidade surda também deveria ser!

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