(Re)Construindo a Memória Auditiva
A primeira coisa que é necessário tem em mente, quando se usa (ou se convive com quem usa) o implante coclear, é que implantados não são ouvintes. Não porque não seja possível ouvir e escutar muito bem com o IC, mas porque a surdez é e sempre será parte da nossa vida.
Mas, mais do que ouvir, quando se utiliza a audição, seja através de aparelhos auditivos ou implante coclear, é importante conseguir compreender, discriminar, escutar aquilo que se ouve. E, salvo casos em que a pessoa coloca o IC e já saiu ouvindo maravilhosamente (bem raro, mas acontece), para a maioria dos casos, em que o implante requer um período de adaptação, é preciso observar como nosso cérebro dá formas mentais àquilo que ouve. Ouvir o latido de cachorro e e processar mentalmente que aquele som está relacionado aquele determinado animal. Ouvir uma lata de refrigerante sendo aberta e pensar “oba, refri!”.
E, como não é exatamente um processo natural, pois é feito através de uma tecnologia que reproduz artificialmente um estímulo, é necessário a ajuda da fonoterapia para conseguir, com o implante, fazer o caminho natural do som, dentro da cabeça. E esse, é um processo que pode ser mais rápido para algumas pessoas e mais lento para outras, tudo depende da capacidade de cada pessoa se adaptar ao implante, formar um arquivo mental de memória auditiva, mas também de estar recebendo uma boa qualidade de sons através do implante coclear.
Contando um pouco da minha história, antes de operar do IC, nunca fui de levar a fonoterapia a sério. Até porque eu não utilizava aparelho auditivo e tudo era voltado para voz e para a atenção à leitura labial.
Após a cirurgia, esse comportamento mudou. O IC parecia o estímulo que faltava para levar as sessões de fonoaudiologia a sério, dando lugar aos exercícios tão necessários a um deficiente auditivo que reaprende a ouvir.
Lembro de um exercício, logo que ativei o IC, em que a fonoaudióloga me mostrou 6 figuras e falava o nome de uma delas, sem que eu pudesse visualizar os lábios (ou seja, sem o apelo visual do qual dependi por mais de 20 anos). A princípio, o exercício era simples, porque bastava prestar atenção na extensão da palavra. Não há como confundir FLOR com TELEFONE, pelo tempo que a sonorização dura, pouco importando se compreendo ou não cada som por si.
Depois, foi a vez de escutar palavras com o mesmo tempo de som, todas dissílabas. Carro, casa, bola. Qualquer criança ouvinte consegue diferenciar essas palavras com facilidade, mas pra mim, ela soavam iguais, simplesmente porque a presença e ausência de som era similar. Tal como se o som se limitasse a preto e branco e eu só pudesse enxergar luz e sombra.
Mas, com o passar dos dias, os sons começavam a tomar forma. Não da primeira vez que eu ouvi, mas na terceira, quarta tentativa, a palavra BO-LA começava a ter um formato específico e – ainda que com um demorado tempo de resposta – a fazer meu cérebro perceber que trata-se de um objeto específico: a bola.
Não queria demonstrar emoção demais, porque não queria que a fono parasse a terapia para comemorar comigo, mas compreender (sem chutar) a palavra “bola”, fazer uma imagem mental dela conforme ouvia: bo-la (e não apenas tentar enxergar a palavra em si) representava um passo enorme nesse caminho. Era a primeira vez que o som da voz passava a ser significativo, passava a formar uma imagem mental espontâneamente no meu córtex cerebral.
E, junto com a bola, surgiu a esperança de poder compreender a voz, sem o auxílio da leitura labial, algum dia.
O tempo passou, os treinos simples foram dando lugar a outros exercícios mais elaborados. De palavras mudamos para sentenças, para conversas via telefone, para compreensão de outros idiomas.
Meu resultado, diferente de algumas pessoas que tem compreensão imediata, dependeu de diversos fatores. Mas entre os principais deles, acredito, foi um bom acompanhamento de fonoaudiologia. Não é a toa que eu bato tanto nessa tecla de que todo implantado deve ter em mente que fazer sessões de fonoaudiologia são fundamentais. Para alguém que hoje consegue atender o telefone, ouvir música, entender em outros idiomas, foi necessário criar a memória auditiva para cada um dos sons que compõem o processo de discriminação auditiva. E tudo isso só foi possível através de muito treino, muito empenho e muitas sessões de fonoterapia. Fonoaudiólogas são essenciais para o sucesso do implante coclear!
Beijinhos sonoros,
Lak Lobato
Olha esse artigo Dayanna Moraes 🙂
Muito legal… Explica bem o sentimento e a compreensão de cada um… Vou compartlilhar. Bjs
Lak parabéns pelo texto. Não me lembro de ter lido algo que explicasse tão bem o processo de formação da memória auditiva.
O texto foi escrito em cima de um texto escrito na época em que eu estava adquirindo a memória auditiva. Era um relato de experiência, hoje transformado numa explicação sobre o processo. É claro que varia muito de pessoa para pessoa, mas muitos de nós precisam (re)construir o arquivo da memória, daí… Beijocas e obrigada
Boa tarde Lak, cada dia leio um pouquinho de seus texto e sempre uma descoberta. Sou mãe de de um bebe de 8 meses que nasceu com deficiencia auditiva hoje descobrimos que ele tem uma ma formação na coclea. Ele ja usa aparelho auditivo e estamos estimulando ele com terapias na fono desde os 6 meses. Vamos partir para o implante. Gostaria de ler texto sobre este conteúdo de ma formação de coclea se for possivel.
Te mandei um email, você recebeu? Beijos